O que dizem os dados sobre a exclusão escolar no PEI em SP
Em implementação na rede estadual de Educação de São Paulo desde 2012, o Programa Ensino Integral (PEI) amplia a jornada de escolas de Ensino Médio para 7 ou 9 horas diárias. No entanto, o modelo do programa exclui sobretudo estudantes negros e pobres, como mostram as pesquisas da Rede Escola Pública e Universidade (REPU), que vem se dedicando a estudar o PEI.
Dados da Nota Técnica Sobre o Programa Ensino Integral, publicada pela REPU em maio de 2021, mostram até 87% menos estudantes negros e menos 86% de beneficiários do Bolsa Família nessas unidades escolares.
Em entrevista ao Centro de Referências em Educação Integral, Eduardo Girotto, professor na Universidade de São Paulo (USP) e membro da REPU, explicou a mudança de perfil nessas escolas após a adesão ao PEI e seu caráter de exclusão dos estudantes negros e empobrecidos, a que chama de “gentrificação escolar”.
“Vão ficando nas escolas os menos vulneráveis socialmente, as famílias que conseguem apoiar os estudos, que têm uma condição econômica um pouco melhor, e assim vai mudando o perfil do estudante daquela escola”, disse. Leia a entrevista completa:
Centro de Referências em Educação Integral: Nas suas pesquisas, você afirma que escolas públicas da rede estadual de São Paulo que aderiram ao Programa Ensino Integral (PEI) sofrem um processo de “gentrificação escolar”. O que seria esse fenômeno?
Eduardo Girotto: Esse é um termo utilizado na literatura internacional para verificar fenômenos semelhantes ao de São Paulo, que vemos acontecer em países como Inglaterra e nos Estados Unidos da América, com as charter schools, que são escolas públicas gratuitas de administração privada.
Para atingir os indicadores que, no caso dessas políticas de cunho neoliberal têm como centro o repasse de verbas, e para definir o que é qualidade educacional, são escolhidos implicitamente os estudantes que vão compor essa comunidade escolar, por meio de uma série de mecanismos, como o horário de atendimento.
Assim, vão ficando nas escolas os menos vulneráveis socialmente, as famílias que conseguem apoiar os estudos, que têm uma condição econômica um pouco melhor, e assim vai mudando o perfil do estudante daquela escola.
O que se cria, é um perfil socioeconômico da unidade escolar muito diferente do entorno. O PEI está em área periférica, mas se torna um enclave de gentrificação, de uma dissociação entre o perfil socioeconômico dos moradores do entorno e o perfil dos estudantes da escola.
CR: O que as pesquisas da REPU mostram sobre quem são os estudantes excluídos das escolas PEI?
EG: Quando analisamos a mudança do perfil da comunidade escolar antes e depois do PEI, trabalhamos com dois indicadores: o dos estudantes que recebiam Bolsa Família e os autodeclarados pretos, pardos e indígenas.
Houve uma queda acentuada nos dois indicadores quando a escola se torna de tempo integral. Quanto mais uma escola tem estudantes que já ingressaram no mercado de trabalho, que precisam participar da renda familiar, mais eles são atingidos com o fechamento do noturno.
CR: De acordo com os dados coletados nas suas pesquisas, quais são os principais impactos do Programa de Ensino Integral (PEI) na oferta e disponibilidade de vagas nas turmas do período noturno, no Ensino Médio e na Educação de Jovens e Adultos (EJA)?
EG: Houve uma diminuição das turmas noturnas, excluindo as pessoas que só podem estudar neste horário. De 80% a 90% das turmas noturnas das escolas que aderiram ao PEI fecharam.
A partir de 2019, o PEI criou duas opções de turnos, um deles vai até 21h30 e o governo estadual contabiliza como turma noturna, embora comece 14h30 da tarde. O Censo Escolar considera turma noturna as que têm início a partir de 18h, então há uma distorção no dado.
CR: Que políticas seriam necessárias para termos programas de educação integral no Ensino Médio, em tempo integral, que não excluam os estudantes?
EG: De maneira geral, o que a literatura tem apontado é que são programas com características semelhantes ao que tem acontecido nos Institutos Federais que têm Ensino Médio integrado ao técnico. Eles são exitosos pelo apoio à permanência dos estudantes de Ensino Médio, em tempo integral ou parcial, na escola, oferecendo como contrapartida um apoio financeiro.
No Brasil, estamos falando de uma situação de ampla desigualdade histórica, acentuada pela pandemia, então precisamos fazer com que os estudantes não tenham que escolher entre trabalhar e sustentar sua família ou ficar na escola.
É importante que esses programas que fazem repasse não ofereçam o recurso só ao final dos estudos. Tem que ser uma bolsa permanência, não uma política meritocrática, porque eles precisam de dinheiro agora, para se locomover, se alimentar, ajudar no sustento de casa, enquanto estudam.
CR: Além do apoio financeiro, que outras políticas podem incentivar a permanência dos adolescentes em escolas de Ensino Médio em tempo integral?
EG: As experiências de ocupação das escolas em 2015 e 2016 mostram que é preciso compartilhar o processo curricular com os estudantes. Muitos programas falam em protagonismo e participação juvenil, mas parecem mais como letra morta no texto do que prática efetiva.
Os estudantes pouco são chamados a participarem das decisões da escola e do processo curricular, que é muito focado em Português e Matemática, sem pensar na integralidade da formação do sujeito.
Precisamos colocar o estudante para participar do seu processo formativo e ir na contramão da Reforma do Ensino Médio, que dá uma falsa ideia de escolha, mas os jovens não participam da construção dos itinerários formativos e têm que escolher entre o que já está padronizado.
Isso não garante o pertencimento do estudante à escola e ter sua identidade ali representada, dois elementos fundamentais para uma educação de qualidade e para que os estudantes permaneçam na escola.