Exclusivo: o esquema de aluguel de crianças no aeroporto internacional de SP

Veículo: Metrópoles - DF
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Na manhã da última segunda-feira (13/2), um carro cinza encostou no Terminal 3 do maior e mais movimentado aeroporto internacional do país, em Guarulhos, na Grande São Paulo, para deixar uma mulher com seu filho e três malas na área de embarque.

Em questão de segundos, um homem de camisa, calça jeans e tênis se aproximou, sorrindo, para ajudar com a bagagem, enquanto o veículo partia. A cena, completamente insuspeita no local por onde circulam mais de 100 mil passageiros todos os dias, foi filmada porque virou roteiro de um esquema sujo de mendicância.

O homem que recolhe as malas no vídeo (veja abaixo) se chama Marcelo Benedito da Silva, 46 anos. Ele não é amigo da “passageira” nem estava sendo gentil com mãe e filho. Marcelo aluga a criança por algumas horas para arrecadar, por meio de pedidos de esmola dentro do aeroporto, até R$ 1 mil por dia.

O Metrópoles acompanhou os passos de Marcelo por um mês e constatou que ele chefia um bando que usa crianças alugadas para dar mais credibilidade aos golpes aplicados em passageiros dentro do aeroporto. Na maioria dos casos, as mães de aluguel acompanham a ação durante as abordagens e recebem R$ 300 pela atuação.

Para conseguir dinheiro, os golpistas geralmente simulam que são pais de família passando por necessidades ou inventam a história de que perderam o voo e precisam de ajuda financeira para reagendar a viagem. Marcelo, por exemplo, atua no Terminal 3, destinado a voos internacionais, espaço mais disputado pelos golpistas por causa da concentração de estrangeiros.

A presença das crianças alugadas durante as abordagens ajuda a sensibilizar as vítimas, que chegam a dar notas de dólar e euro. Desde junho do ano passado, Marcelo já foi visto e fotografado com ao menos 10 mulheres e 11 crianças “contratadas” para essa finalidade. A maioria delas mora na favela das Malvinas, que fica nos arredores do aeroporto.

Golpista admite esquema

Em áudio obtido pelo Metrópoles, o próprio Marcelo admite pagar mulheres para que o acompanhem com as crianças, a fim de pedir esmola aos passageiros do aeroporto. Ele diz já ter conseguido coletar R$ 1 mil em um dia — sem mencionar que também recebe parte da arrecadação feita por outras pessoas envolvidas no seu esquema –, dinheiro que usaria para pagar as contas de casa e a pensão de três filhos.

A cada dia, Marcelo escolhe e aluga uma “esposa” diferente, que sempre está acompanhada de uma criança. “Uma [mulher] folga e outra vem. Peço dinheiro com elas, [que] não são nada minhas. Eu peço dinheiro, não roubo. É um dia de cada mulher. Pago a diária. Quem não pode descansar sou eu”, diz Marcelo.

A esposa oficial dele, Débora Maris da Silva, também coordena um grupo de pedintes que usa crianças alugadas nas abordagens no terminal. O Metrópoles contabilizou ao menos 20 pessoas que compõem a estrutura de mendicância. Os integrantes do esquema se revezam em turnos de 12 horas, a fim de manter o negócio ilícito funcionando dia e noite dentro do aeroporto internacional de Guarulhos.

Mulher recebia para emprestar filha

Segurando sua filha no colo, uma mulher que teve a identidade preservada afirmou que Marcelo vai ao aeroporto com uma criança diferente a cada dia. Segundo ela, o líder do esquema não repassa nem 30% do que é arrecadado para as pessoas que o acompanham.

“Ele [Marcelo] rouba a gente muito. Quer pagar porcentagem, 30%. Aí, a gente ganha uma tacada de R$ 2 mil, ele fica com R$ 1.700 e a gente só com R$ 300? Não tem essa. (Precisa) dividir meio a meio”, disse a mulher, ao justificar por que deixou de atuar no esquema de Marcelo.

Como o esquema foi descoberto

Foi um ex-funcionário do aeroporto de Guarulhos quem chamou a atenção da segurança do local para o esquema de mendicância liderado por Marcelo dentro do terminal, ainda no ano passado. Como ele aparecia em horários que geralmente coincidiam com a troca de turno dos pedintes, os agentes suspeitaram que fosse um olheiro do bando. Ao ser abordado, o homem narrou em detalhes tudo o que havia testemunhado por dias.

“Fico sentado e passam [por mim] mil pedintes. Sou capaz de falar o horário de cada um. Vou ser bem honesto, isso aqui, uma vez falei com a assistente social, é uma máfia. Eles pedem [esmola], pois podem contar a mesma história todo dia, para pessoas diferentes. Tem gente tirando 800 paus por dia”, disse a testemunha em registro feito aos seguranças, o qual foi obtido pela reportagem.

Disputa por território

Por ser um negócio lucrativo, pedir esmola dentro do aeroporto gera conflitos por território. Em maio de 2019, por exemplo, uma filha de Marcelo foi indiciada por tentativa de homicídio, após esfaquear uma mulher no Terminal 2, em uma disputa por área.

O caso foi registrado na delegacia do aeroporto, e Thamires Marcela Maris da Silva acabou condenada a 1 ano e 6 meses, em regime aberto. Segundo o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), ela ainda cumpre a pena.

Marcelo, por sua vez, tem extensa ficha criminal: por roubo, furto e tráfico de drogas. Ele começou a cumprir penas no sistema carcerário em 2002 e deixou a prisão pela última vez em novembro de 2021, “em virtude de absolvição processual”, de acordo com a Secretaria da Administração Penitenciária (SAP) paulista.

O que dizem as autoridades

Procurada pelo Metrópoles, a Secretaria da Segurança Pública (SSP) de São Paulo afirmou que a 3ª Delegacia de Atendimento ao Turista (Deatur) apura a denúncia feita pela reportagem, “visando ao esclarecimento dos fatos e à responsabilização dos autores.”

Sobre Marcelo Benedito da Silva, o chefe do esquema, a pasta acrescentou que ele é investigado atualmente por um furto de barras de chocolate dentro de uma loja do aeroporto.

O Conselho Tutelar de Guarulhos afirmou que o colegiado de Cumbica, região onde fica o aeroporto, não recebeu denúncias sobre violações dos direitos das crianças usadas por adultos que pedem esmolas.

“O órgão irá apurar a situação e encaminhar um ofício para a Polícia Civil solicitando providências e investigação por se tratar de um crime”, diz trecho de nota emitida pela instituição.

Pontuou ainda que encaminhará o caso ao Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente e à Secretaria de Assistência Social de Guarulhos, e frisou que, em caso de necessidade, poderá acionar também o Ministério Público.

“Mas é importante deixar claro que o relato da reportagem nos traz claramente uma situação de crime e, portanto, se faz necessária a atuação policial”, salienta o Conselho Tutelar.

Marcelo Benedito da Silva e a mulher dele, Débora Maris da Silva, não foram localizados pela reportagem para falar a respeito do esquema no Aeroporto Internacional de Guarulhos até o momento. O espaço segue aberto para manifestação.