Estudo mostra impacto de racismo estrutural em áreas do cérebro de crianças negras nos EUA
Assim como no Brasil, nos Estados Unidos, muitas crianças negras precisam lidar com uma série de desafios em relação à saúde mental, desde situações de vulnerabilidade social até a dificuldade de acesso a tratamentos eficazes. Neste mês, um estudo publicado no Jornal Americano de Psiquiatria, mostrou que o racismo estrutural pode causar alterações físicas no cérebro das crianças que o enfrentam.
No estudo coordenado por uma equipe do Hospital Mc Lean, em Massachusetts, os pesquisadores concluíram que as crianças negras eram mais propensas do que as brancas a apresentar “estresse tóxico”, definido como “exposição prolongada a experiências adversas que levam à ativação excessiva dos sistemas de resposta ao estresse e ao acúmulo de hormônios do estresse”. O estresse tóxico pode contribuir para mudanças no volume, tamanho e forma de certas regiões do cérebro que estão ligadas ao transtorno de estresse pós-traumático, depressão e ansiedade, de acordo com o estudo.
A equipe chegou a essa conclusão ao analisar exames cerebrais de ressonância magnética de mais de 9 mil crianças negras e brancas de 9 e 10 anos nos EUA e compará-los com dados de etnia dos pequenos, educação e empregos de seus pais, renda da família e índices de violência do bairro em que viviam.
Em entrevista ao Today Parents, o neurologista Nathaniel Harnett, que liderou o estudo afirmou: “Muitos acreditam no mito de que negros e brancos têm cérebros diferentes, mas o que nosso estudo mostra é que as discrepâncias têm muito a ver com o ambiente do que a genética. São crianças que enfrentaram experiências diferentes e isso moldou a forma como se desenvolveram”.
A pesquisa indica que três áreas do cérebro – a amígdala, o hipocampo e o córtex pré-frontal – eram ligeiramente menores em volume, tamanho e forma em crianças negras em comparação com crianças brancas. Essas regiões do cérebro regulam o medo, as percepções de ameaça, as emoções e a memória e, de acordo com os pesquisadores, é comum que estejam diminuídas em pacientes que apresentam transtorno de estresse pós-traumático. As mudanças físicas identificadas nas regiões do cérebro das crianças negras, sugere o estudo, podem ser devidas a traumas que tenham enfrentado.
Os pesquisadores afirmam que as crianças brancas experimentam, em média, menos conflitos familiares, dificuldades financeiras, violência no bairro e menos eventos traumáticos em comparação com as crianças negras. Por exemplo, os pais das crianças brancas que participaram do estudo tinham três vezes mais chances de estarem empregados do que os pais de crianças negras; 75% dos pais brancos tinham um diploma universitário em comparação com 41% dos pais negros; e cerca de 88% dos pais brancos ganhavam 35 mil dólares por ano ou mais, em comparação com cerca de 47% dos pais negros que ganhavam esse valor.
Os pesquisadores planejam continuar avaliando o mesmo grupo de crianças a cada dois anos para compreender os efeitos de longo prazo dos traumas que vivenciaram. Com mais pesquisas, eles esperam descobrir se mudar o ambiente de uma criança e os níveis de exposição à adversidade podem reverter as alterações no cérebro. “Precisamos prestar atenção aos grupos que são desproporcionalmente afetados por essas situações adversas na infância para criar políticas públicas que os protejam”, defendeu Harnett.