Estudos revelam que os mais afetados pelo racismo ambiental tem cor, renda e endereço

Estudos revelam que os mais afetados pelo racismo ambiental tem cor, renda e endereço

Compartilhe

As fortes chuvas que caem em várias cidades brasileiras nesta época do ano, como a tragédia que atingiu a cidade de Petrópolis há cerca de 1 ano, e os temporais que caíram no Estado do Rio de Janeiro nos últimos dias, geram uma série de transtornos materiais, patrimoniais, além de ocasionarem muitas mortes.

A incidência desses episódios levanta muitos debates sobre a responsabilidade do poder público em evitar que eles aconteçam, e de qual população mais sofre e mais perde com a destruição causada pelos fortes temporais, e com os demais danos ambientais que atingem os cidadãos. Um estudo realizado pelo Instituto Polis chamado “Racismo ambiental e justiça socioambiental nas cidades” revelou que apesar de apenas 33% da população paulista ser negra, 55% das pessoas que habitam as regiões de maior risco, são negras.

O mesmo estudo mostrou que as mulheres negras e pobres são as mais atingidas pelos episódios de calamidades ambientais que causam deslizamentos, enchentes, transbordo de esgoto sem tratamento e outros problemas que assolam os centros urbanos. E para a produtora cultural, comunicadora e ativista climática Marcele Oliveira, o racismo ambiental é o responsável pelos transtornos.

“Injustiças ambientais não são encaminhadas com a dignidade e urgência devidas quando em territórios periféricos. A qualidade da nossa água, do nosso solo e da nossa alimentação não é um ponto de atenção, como se nossos corpos não valessem nada”, afirma Marcele.

A ativista cita a falta de planejamento urbano e investimento estratégico como parte do problema quando usa como exemplo o grande número de espaços verdes preservados em áreas nobres da cidade, que são negados às regiões periféricas. “É racismo ambiental ditando as regras do jogo e cada vez mais gente morrendo de desastres nada naturais e doenças evitáveis em prol de um desenvolvimento urbano insustentável”.

Moradora de Realengo, bairro da Zona Oeste do Rio de Janeiro, Marcele destaca que a frequência das tragédias ambientais e da falta de ação do poder público fazem com que a capacidade de restauração das comunidades, perca força.

“Os desastres que antes aconteciam de forma espaçada agora acontecem quase que semanalmente. Não dá nem tempo de terminar de organizar um mutirão e já surge a necessidade de outro. Acumulam-se anos de descaso, tratando eventos climáticos como coincidências e fatalidades, ao invés de reflexo da irresponsabilidade humana”, explica a ativista, que acredita que a solução para o problema será encontrado “levando a periferia como centralidade e aprendendo com ela sobre o que é a verdadeira adaptação”.

Na prática, Marcele Oliveira lista o que precisa ser prioridade para viabilizar um futuro com menos impactos negativos nas comunidades durante as fortes chuvas, por exemplo, considerando que a ativista acredita que a crise climática precisa ser enfrentada “visando acordos globais, como os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU, e as demandas locais de preservação da história, memória e patrimônio das periferias”.

“Remoções, derrubadas e desmatamentos não podem mais fazer parte dos métodos de ampliação da cidade. Além disso, a prioridade precisa estar em estabelecer uma escuta ativa, possibilitando uma participação social diversa, com foco numa frente ampla de ações em todas as esferas da sociedade para conscientização e estratégias de mitigação”, completa.

Como parte da movimentação da periferia na luta contra o racismo ambiental, a “Coalizão o Clima é de Mudança” nasceu, para montar “estratégias construídas coletivamente em diferentes periferias do Rio se encontram para fortalecimento institucional e ampliação”, como diz Marcele, que também integra a Agenda Realengo 2030, que faz parte da coalizão.

“Nossas tecnologias multiplataforma podem impulsionar outros territórios no mesmo movimento de combate ao racismo ambiental e denúncia de injustiças climáticas e sociais. Nosso convite é que a juventude periférica esteja na linha de frente, dividindo experiências, difundindo estratégias e traçando ações conjuntas e/ou replicáveis”, afirma.

“O nosso olhar e nossas ações realizadas no micro são imprescindíveis  no debate macro de mudanças climáticas. Tornar esta pauta acessível e popular é tarefa pra ontem”, acrescenta. .

Meio ambiente e racismo em pauta

Ter as regiões periféricas – onde vivem os mais pobres e com maior concentração de pessoas negras, indígenas e quilombolas – lidando massivamente com as deteriorações ambientais é ter as populações mais vulneráveis, ainda mais expostas ao perigo.

O debate “Desses rios nasce um Brasil: Perspectivas sustentáveis para o desenvolvimento e soberania nacional” que aconteceu durante a 13ª Bienal da UNE contou com convidados como a Ministra do Meio Ambiente Marina Silva, que em uma coletiva feita antes do evento, falou sobre a associação da política ambiental com o combate à desigualdade.

“A questão do racismo ambiental tem haver com o índice de desigualdade que existe no mundo, em que as populações vulneráveis – sejam indígenas, a população preta, mulheres, pobres e jovens periféricos – são os mais afetados quando a gente tem as catástrofes ambientais”, explicou a ministra, que destaca de que forma é possível mudar essa realidade.

“É preciso criar um programa específico, voltado para a questão de adaptação que tem haver com os assentamentos humanos em áreas vulneráveis, sistemas de alertas que sejam mínimos onde você tenha toda a base de orientação por meio da ciência do clima mas ao mesmo tempo a comunidade. Ela mesmo criando os seus mecanismos de alerta, espaços de fuga, para a comunidade se sentir acolhida”, afirma Marina Silva.

Já durante o debate, Tainá de Paula, primeira mulher negra a comandar a Secretaria de Ambiente e Clima da cidade do Rio de Janeiro, também falou sobre a necessidade de combater a poluição para mudar esta situação.

“Esse país precisa reparar a poluição dos nossos rios, lavouras e mares. Nós precisamos responder civilmente e socialmente pela negligência que aconteceu nos últimos quatro anos, em todas as escalas”, explicou.

E dentre as possibilidades de transformação, Tainá também destacou a participação da sociedade civil na construção das políticas públicas, que são decisivas. “É muito importante que a gente mire nas casas legislativas”, disse a secretária.

Fonte: Notícia Preta