OMS: cobertura jornalística responsável pode contribuir para prevenção de suicídios
Jornalistas da América Latina estão redefinindo a forma de comunicar suicídios. Por muitos anos, casos de pessoas que tiram a própria vida foram abordados pela mídia como “um espetáculo” ou simplesmente deixaram de ser noticiados por medo de gerar o efeito “contágio”.
No entanto, uma cobertura jornalística responsável pode contribuir para a prevenção do suicídio, reduzindo o risco de um comportamento imitador, ajudando a modificar falsas percepções e incentivando as pessoas a procurarem ajuda, disse Claudina Cayetano, consultora regional de saúde mental da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS).
Desde que a Organização Mundial da Saúde (OMS) publicou o documento “Prevenção do suicídio: um manual para profissionais da mídia”, em 2000, muitos jornalistas e profissionais da mídia mudaram sua maneira de relatar o assunto.
“Notamos mudanças na maneira como os jornalistas comunicam sobre suicídio, que já não é tratado com espetacularização ou como um ato heroico de amor, como Romeu e Julieta, mas como um fato da vida com causas complexas que podem ser evitadas”, explicou Claudina.
Nas Américas, há mais de 81 mil mortes por suicídio a cada ano. Os principais métodos incluem asfixia (44%), armas de fogo (31%), envenenamento por álcool e drogas (9%) e envenenamento por pesticidas e outros produtos químicos (7%).
A OPAS tem realizado treinamentos virtuais e presenciais sobre o assunto. Em 2017, mais de 130 jornalistas, comunicadores e profissionais de saúde mental de 30 países da região das Américas participaram de um workshop online. Os Ministérios da Saúde dos países da região, juntamente com os escritórios da OPAS, também organizaram encontros para promover a cobertura responsável em seus países – entre eles, Argentina e Uruguai.
Argentina: ferramentas para combater o suicídio nas notícias
Leonardo Rolón, jornalista do site Reconquista, da província de Santa Fe, participou da capacitação “O tratamento do suicídio na notícia: recursos para jornalistas”, oferecido pelo governo da província e pela OPAS/OMS em agosto do ano passado.
Durante a capacitação, realizada à véspera do Dia Mundial da Prevenção do Suicídio (10 de setembro), Rolón e outros participantes analisaram a situação do suicídio em níveis regional e nacional, a importância desse tema no âmbito da saúde pública, o papel fundamental da comunicação e recomendações para relatos de suicídio, com comunicadores como parceiros-chave na prevenção.
“Após o workshop, três suicídios ocorreram na área em apenas uma semana. Decidimos mudar nossa cobertura. Incluímos alertas sobre prevenção de suicídio para ilustrar as matérias e mudamos o foco para torná-lo um problema de saúde pública em vez de notícias de polícia”, explicou o jornalista. É importante observar que essa mudança de foco não afetou o interesse dos leitores. “Tivemos o mesmo número de visitas e consumo de informação”, enfatizou Rolón.
“O treinamento proporcionou uma oportunidade de refletir sobre como abordar esse assunto. E, como jornalistas, começamos a nos considerar atores-chave em certas questões de saúde pública. Em nossa profissão, estamos acostumados a ser ‘pau para toda obra’. Temos que improvisar e, se não tivermos as informações corretas, podemos cometer erros. Precisamos estar cientes do alcance que temos quando escrevemos ou falamos na mídia.”
“Mudando a perspectiva para que esse tipo de notícia tenha foco na saúde pública, podemos ajudar os leitores a pensar sobre o assunto. E se pudermos ajudar alguém, isso é duplamente gratificante “, disse Rolón, acrescentando que a capacitação apresentou ferramentas essenciais que não são ensinadas nas universidades.
Liliana Olguín, diretora de saúde mental de Santa Fe, disse que o problema do suicídio não pode ser resolvido apenas pelo setor de saúde. Em vez disso, requer coordenação multissetorial na qual a mídia também desempenha um papel importante na prevenção e conscientização do público.
Uruguai: jornalistas parceiros na promoção da saúde
Há alguns anos, o Ministério da Saúde do Uruguai notou a necessidade de oferecer aos jornalistas informações técnicas para que eles pudessem atuar como parceiros na promoção e divulgação da saúde.
“Entendemos que o trabalho dos jornalistas em todas os meios de comunicação é essencial para gerar mudanças de hábitos e comportamentos da população e, muitas vezes, vemos que isso não é feito adequadamente por falta de informação”, disse Natalia Nogués, diretora de Comunicação do Ministério da Saúde. “O fornecimento de dados e de treinamento faz parte de nossa responsabilidade”, ressaltou.
O suicídio é uma questão que deve ser abordada de forma adequada pela mídia, afirmou Nogués, que teve uma longa carreira como jornalista no Uruguai. “Por muitos anos, acreditava-se que a mídia não deveria mencionar o assunto, devido a um possível efeito contágio. No entanto, ficou provado que falar mais sobre suicídio – e de uma maneira mais responsável – ajuda a evitá-lo.”
No Uruguai, há um entendimento de que a mídia deve fazer parte da solução na prevenção do suicídio. Como resultado, com o apoio da OPAS/OMS, o Ministério da Saúde organizou um café da manhã de trabalho com jornalistas de todo o espectro da mídia no início deste ano. “Vimos que esse esforço produziu resultados claros. No dia seguinte, o assunto estava sendo tratado e discutido de maneira totalmente responsável em reportagens e programas”, explicou Nogués.
10 recomendações para noticiar suicídios na mídia:
Evitar descrever o suicídio como inexplicável e esclarecer os sinais de alerta;
Evitar glorificar ou romantizar o ato do suicídio e tentar apresentar uma história equilibrada sobre a pessoa;
Evitar incluir o método, local ou detalhes da pessoa que faleceu e limitar as informações aos fatos que o público precisa saber;
Evitar retratar o suicídio como uma resposta aceitável às adversidades da vida;
Evitar títulos sensacionalistas;
Evitar gráficos e fotografias prejudiciais;
Evitar o uso de linguagem estigmatizante;
Não compartilhar o conteúdo de cartas suicidas;
Evitar citar a polícia ou as primeiras pessoas que presenciaram o ato;
Apresentar recursos sempre que possível, como o telefone de linhas de ajuda.
Fonte: ONU Brasil