Agência da ONU investiga discriminação racial durante visita ao Brasil
Agência da ONU: De 27 de novembro a 8 de dezembro, especialistas visitam Brasília, Salvador, Fortaleza, São Paulo e Rio para observar o respeito aos direitos humanos da população negra e diferentes comunidades tradicionais no país
Especialistas independentes da ONU (Organização das Nações Unidas) estão no Brasil para analisar o uso da força de agentes da lei contra a população negra e observar o alinhamento da Justiça com as normas internacionais de direitos humanos. Outro foco da visita é o acesso à responsabilização e reparação por uso excessivo da força contra essa parcela da população.
Eles são membros do Emler, sigla em inglês para Mecanismo Internacional Independente de Especialistas para Promover a Justiça Racial e a Igualdade no Contexto da Aplicação da Lei. No roteiro da visita, que acontece de 27 de novembro a 8 de dezembro, estão Brasília, Salvador, Fortaleza, São Paulo e Rio de Janeiro.
Antes da viagem, foi feita uma extensa imersão que incluiu pedidos de contribuição voluntária e confidencial de pessoas e organizações interessadas em relatar pesquisas, políticas e situações preocupantes que deveriam ser observadas pelo Emler.
Em declaração à ONU, Juan Mendez, membro do Mecanismo de Especialistas disse que a expectativa é ver “em primeira mão” o que ocorre com pessoas afrodescendentes que vivem no Brasil.
O que esperar da visita ao Brasil
No roteiro de duas semanas nas cinco capitais brasileiras estão reuniões dos especialistas com autoridades governamentais e representantes das forças policiais e agentes da lei. São esperados também encontros com representantes da sociedade civil, indivíduos e comunidades afetadas, além de inspeções em prisões.
O grupo deve apresentar recomendações ao Governo (seja federal, estadual ou municipal) para apoiar ações de combate ao racismo sistêmico e contra o uso excessivo da força, garantindo responsabilização e Justiça.
Ao fim da missão, serão anunciadas as recomendações em uma entrevista à imprensa, em 8 de dezembro, no Centro de Informações das Nações Unidas para o Brasil (Unic Rio) no Palácio do Itamaraty, no Rio de Janeiro.
O que é o Emler
Fruto de uma grande articulação pelo reconhecimento da responsabilidade estatal pela assassinato de George Floyd e de inúmeros casos similares ao redor do mundo, o mecanismo foi criado em julho de 2021 pelo Conselho de Direitos Humanos da ONU para fazer recomendações de medidas necessárias para garantir o acesso de africanos e afrodescendentes à Justiça, à responsabilização e à reparação do uso excessivo da força.
O Conselho de Direitos Humanos nomeou três especialistas independentes para integrarem o mecanismo: a dra. Tracie Keesee (Estados Unidos); o professor Juan Méndez (Argentina) e a juíza Yvonne Mokgoro (África do Sul).
Keesee já foi vice-comissária de treinamento e de equidade e inclusão na Polícia de Nova York após atuar por 25 anos na polícia de Denver. Atualmente é cofundadora do Center For Policing Equity, que promove a transparência e a responsabilização policial.
Méndez é professor de Direitos Humanos em Washington e membro do Conselho de Curadores do Fundo Voluntário da ONU para Vítimas de Tortura, foi relator especial da ONU sobre tortura e outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos e degradantes, de 2010 a 2016, e trabalhou com a Human Rights Watch.
Mkgoro é presidente do Fundo Nelson Mandela para Crianças. É ex-juíza do Tribunal Constitucional da África do Sul, e, entre outras atividades, já lecionou no Reino Unido, Estados Unidos e Holanda, além das universidades de Bophuthatswana, Pretória e Western Cape.
Racismo no Brasil
O Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2023 apresenta dados que ilustram parte do que os membros do Emler devem encontrar no país.
Em mortes violentas intencionais – categoria que envolve homicídio doloso, roubo seguido de morte, lesão corporal seguida de morte e mortes decorrentes de intervenções policiais – 76,5% das vítimas eram negros. “Negros são o principal grupo vitimado pela violência independente da ocorrência registrada, mas chegam a 83,1% das vítimas de intervenções policiais”, afirma o texto assinado por Samira Bueno, diretora-executiva do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, e Renato Sério de Lima, diretor-presidente do Fórum e professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV).
A publicação destaca que “o Judiciário desempenha papel expressivo na chancela do aniquilamento dos corpos negros”.
Os dados apontam que a maioria das pessoas presas são negros (68,2%), vivendo em condições de superlotação e insalubridade. “O sistema prisional brasileiro escancara o racismo estrutural. Se entre 2005 e 2022 houve crescimento de 215% da população branca encarcerada, passando de 39,8% do total de presos brancos para 30,4% no ano mais recente, houve crescimento de 381,3% da população negra. Em 2005, 58,4% do total da população prisional era negra, em 2022, esse percentual foi de 68,2%, o maior da série histórica disponível. Em outras palavras, o sistema penitenciário deixa evidente o racismo brasileiro de forma cada vez mais preponderante. Ou, como afirma o texto assinado pelas pesquisadoras do Fórum Juliana Brandão, doutora em Direitos Humanos pela USP, e Amanda Lagreca, mestranda em Administração Pública e Governo na FGV, “a seletividade penal tem cor”.
Fonte: Conectas
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