Pauta ANDI – STJ adota argumento discriminatório e pune vítimas ao relativizar o estupro de adolescentes
Decisão do Superior Tribunal de Justiça ignora direitos de jovens vítimas de exploração sexual
Magistrados do Superior Tribunal de Justiça (STJ) encerraram o julgamento de um caso de estupro de três meninas, todas com12 anos, em uma sentença que põe em risco os direitos das crianças e adolescentes do País à proteção em casos de violência sexual. Para os ministros da 3ª Seção do STJ, o fato de um adulto praticar relação sexual com uma adolescente com menos de 14 anos não pode ser considerado necessariamente um estupro, apesar da norma estabelecida pela legislação brasileira sobre o assunto.
No caso analisado, que ocorreu em São Paulo (SP), o réu era acusado de ter violentado sexualmente três meninas de 12 anos de idade. No entanto, tanto o magistrado quanto o tribunal local o inocentaram, usando como argumento a justificativa de que as adolescentes “já se dedicavam à prática de atividades sexuais desde longa data”.
Reforçou a sentença o depoimento da mãe de uma das vítimas, que afirmou ao Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), em juízo, que a filha faltava às aulas para submeter-se à exploração sexual comercial.
Preconceitos e Justiça
Para o advogado e coordenador do Centro de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente do Distrito Federal (Cedeca-DF), Vitor Alencar, a decisão usa argumentos criminosos e discriminatórios para absolver o réu.
Segundo ele, não é novidade a discussão jurídica sobre a relativização ou não desse tipo de crime. No entanto, ele explica que o argumento daqueles que relativizam a questão é equivocado quando diz que a vítima sabia o que estava fazendo e concordou com a situação. “Claro que a menina sabe o que está fazendo, mas ainda se encontra em desenvolvimento e deve ser protegida em função da sua imaturidade”, defende. Dessa forma, a decisão usa a prática de outro crime contra as meninas [o de exploração sexual] para justificar a absolvição do réu.
Na opinião de Alencar, a sentença também evidencia o preconceito de setores do Judiciário, que acham que a exploração sexual comercial “cria mulheres de segunda categoria, com menos direitos. Obviamente trata-se de uma construção histórica e cultural machista que influencia os magistrados”, completa.
Precedente perigoso
A especialista em Violência Doméstica Contra Crianças e Adolescentes do Laboratório de Estudos da Criança da USP e assessora política do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), Márcia Acioli, questiona a ideia de uma “violência relativa” e ressalta que esses casos ocorrem quando as crianças são insuficientemente protegidas, negligenciadas pelo Estado, ou quando sofrem violências em casa.
Acioli também alerta para as consequências da sentença. “O precedente que se abre com uma decisão destas é que a violência sexual é admissível quando meninas já foram engolidas pelo comércio do sexo. Não se pune, muito menos responsabiliza o agressor, mas as vítimas violentadas muito precocemente”, ressalta.
O que diz a legislação
Tanto o Código Penal brasileiro quanto o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e a Convenção sobre os Direitos da Criança — tratado internacional do qual o Brasil é signatário —condenam qualquer tipo de violência ou exploração contra crianças e adolescentes. De forma mais específica, a lei 12.015, de 2009, considera , inclusive, como “estupro de vulnerável” a ação de “ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 anos”.
(61) 3212-0200