Governo do Brasil deve intensificar esforços para garantir justiça e reparação racial, afirma Mecanismo Independente da ONU
Governo do Brasil deve pôr fim à violência brutal infligida contra pessoas afrodescendentes por parte das forças policiais do país e responsabilizar os perpetradores por seus crimes, garantindo justiça às vítimas
Especialistas do Mecanismo Internacional de Especialistas Independentes da ONU se reuniram com representantes da sociedade civil e familiares de vítimas, bem como autoridades públicas federais e estaduais, incluindo representantes de Ministérios, autoridades policiais, órgãos de fiscalização interna, oficiais do sistema prisional, e escritórios de promotoras/es públicos e defensoras/es públicos.
A delegação tomou nota de algumas práticas positivas implementadas pelos governos federal e local para garantir os direitos humanos da população afrodescendente, como o reconhecimento da existência de racismo sistêmico e a determinação de implementação de cotas para o aumento da representação desta população em todos os níveis e esferas do governo.
Porém, “os testemunhos dolorosos que ouvimos de familiares das vítimas da brutalidade policial, agravados pelos atrasos angustiantes do sistema de justiça, ressaltam a necessidade urgente de responsabilização”, disse Juan Mendez, membro do Mecanismo de Especialistas.
“Justiça atrasada é justiça negada, e o Estado deve abordar essas questões de forma célere e transparente, garantindo que a justiça prevaleça.”
O Mecanismo de Especialistas ouviu mais de uma centena de testemunhos durante a sua visita. Ouviram histórias sobre maridos, filhos, irmãos e sobrinhos executados a sangue-frio por policiais, e alegações quanto a um padrão sistêmico de plantar provas – incluindo armas de fogo e drogas ilícitas – em cenas do crime para culpabilizar as vítimas e justificar seus assassinatos.
Os depoimentos incluíram casos referentes às operações policiais recentes no Jacarezinho (maio de 2021) e na Vila Cruzeiro (maio de 2022 e agosto de 2023), no estado do Rio de Janeiro; a Operação Escudo na Baixada Santista, estado de São Paulo (agosto-setembro de 2023) e a Operação Salvador no estado da Bahia (julho-setembro de 2023).
“Em sua busca incessante pela justiça, vítimas e familiares têm que enfrentar ameaças, intimidações, represálias e estigmatização. É crucial que este ciclo chegue ao fim”, disse Tracie Keesee, integrante do Mecanismo de Especialistas.
“A garantia do acesso adequado à justiça e a responsabilização dos perpetradores em toda a cadeia de comando são de extrema importância.”
O Mecanismo reconheceu que as taxas de criminalidade no Brasil permanecem elevadas, principalmente devido ao aumento da atividade do crime organizado, o que também afeta a população afrodescendente. Também foi reconhecida a magnitude do desafio posto ao Governo Brasileiro e suas forças de segurança de enfrentar paralelamente questões tanto de segurança pública quanto do combate à criminalidade. “
No entanto, a tarefa legítima de promover a segurança de cidadãos e cidadãs nunca deve ser interpretada como uma justificativa para execuções extrajudiciais de pessoas afro-brasileiras”, disse Mendez.
“Reconhecendo o valioso serviço de oficiais das forças policiais brasileiras, também é imperativo reconhecer o impacto do trabalho na sua saúde mental e no bem-estar de seus familiares. Para promover a colaboração e o engajamento efetivos, é crucial priorizar o apoio à saúde mental dessas e desses profissionais dedicados, garantindo que possam exercer seu ofício de forma plena e cultivar relacionamentos positivos, particularmente com pessoas afrodescendentes, disse Keesee.
“O cuidado com o seu bem-estar e suas condições de trabalho não apenas melhora seu desempenho, mas também contribui para os esforços coletivos por uma sociedade justa e igualitária.”
“Apelamos por uma mudança transformadora em todo o sistema. O Governo Brasileiro deve reavaliar os procedimentos atuais de investigação da má conduta policial, desmantelar as desigualdades raciais sistêmicas e investir na abordagem direta das disparidades históricas que residem na raiz dessas questões”, disse Mendez.
“É imperativo que seja renovado um compromisso financeiro e estrutural para a implementação das decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal e pela Corte Interamericana de Direitos Humanos relativas à ação policial nas favelas. Tratar das questões que afetam pessoas afrodescendentes de forma específica é indispensável para demonstrar uma dedicação sincera à solução desses desafios antigos.”
O Mecanismo compartilhou algumas conclusões e recomendações preliminares com o Governo e elaborará um relatório completo, que será apresentado na 57ª sessão do Conselho de Direitos Humanos, em setembro de 2024.
Contexto:
O Mecanismo Internacional de Especialistas Independentes para Promoção de Justiça e Igualdade Racial na Aplicação da Lei foi criado em julho de 2021 pelo Conselho de Direitos Humanos para fazer recomendações, inter alia, sobre as medidas concretas necessárias para garantir o acesso à justiça, responsabilização e reparação pelo uso excessivo da força e outras violações dos direitos humanos cometidas por agentes da lei contra africanos e pessoas afrodescendentes.
A Dra. Tracie Keesee (Estados Unidos); o Professor Juan Méndez (Argentina) e a juíza Yvonne Mokgoro (África do Sul) foram nomeados pelo Presidente do Conselho de Direitos Humanos em dezembro de 2021 para atuar como especialistas independentes.
Fonte: ONU Brasil
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