Desafios para a erradicação do trabalho infantil
Meta de erradicar as piores formas de trabalho infantil até 2016 não deve ser alcançada
Em dez anos, trabalho infantil diminuiu apenas 33% no mundo
Em duas décadas, o Brasil reduziu em 57% o número de crianças em situação de trabalho, mas ainda conta com 3,4 milhões de meninos e meninas trabalhando
A meta de erradicar as piores formas de trabalho infantil até 2016 não deve ser alcançada. É o que aponta o relatório Medir o progresso da luta contra o trabalho infantil, divulgado pela Organização Mundial do Trabalho (OIT) em setembro deste ano. Em todo o mundo, 11% das crianças estão em situação de trabalho. Mais da metade delas exercem ocupações perigosas, que colocam em risco a sua saúde, segurança e desenvolvimento.
O anúncio foi feito durante a III Conferência Global sobre o Trabalho Infantil, sediada em Brasília (DF), entre 8 e 10 de outubro. O Brasil foi o primeiro país fora da Europa a receber o encontro. Realizada pela OIT, a Conferência discutiu os progressos e desafios na erradicação das piores formas de trabalho infantil até 2016, meta estabelecida na Convenção nº 182, em 1999.
Ainda assim, houve diversos avanços em todo o mundo. Entre 2000 e 2012, período que o estudo analisa, houve uma redução significativa nos casos de trabalho infantil: de 246 milhões para 168 milhões, cerca de um terço a menos. O número de crianças envolvidas em trabalhos perigosos teve também uma queda muito relevante, sendo reduzido em mais da metade, de 171 milhões para 85 milhões.
Diversas ações são responsáveis por esse progresso. “A diminuição do trabalho infantil ocorreu no âmbito de um movimento mundial sustentado contra o trabalho infantil que envolveu a intervenção de diversos atores e ações em diversos níveis”, aponta o documento, divulgado em setembro.
“Apesar dos avanços significativos já atingidos, a erradicação do flagelo do trabalho infantil num futuro próximo irá exigir uma aceleração substancial dos esforços em todos os níveis. Existem 168 milhões de boas razões para aceleração dos nossos esforços”, acrescenta o texto.
Essa também é a avaliação do Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil (FNPETI). Isa de Oliveira, secretária-executiva do Fórum, afirma que o ritmo de redução no Brasil e em outros países é muito lento e, se essa tendência for mantida, a meta não será alcançada. Ela também aponta que os avanços na redução do trabalho infantil devem ser avaliados com cuidado. “Quando se analisa um período histórico maior, parece que o impacto foi muito significativo. Foi, mas o período também é muito grande. É positivo? É. Mas é preocupante que se leve tanto tempo para alcançar essa marca. Não estamos falando só de estatísticas, estamos falando de direitos violados”.
Avanços no Brasil
No Brasil, houve uma redução de 57% no número de crianças e adolescentes entre 5 e 17 anos em situação de trabalho infantil de 1992 a 2011. Atualmente, entretanto, o Brasil ainda tem 3,4 milhões de crianças e adolescentes entre 10 e 17 anos trabalhando, segundo dados do IBGE. As regiões Norte e Nordeste concentram a maior parte, 1,4 milhão desses meninos e meninas nessa situação.
Isa de Oliveira aponta que as políticas brasileiras de enfrentamento ao trabalho infantil impactaram muito nos primeiros anos, devido à extensão do problema. Na avaliação da secretária-executiva do FNPETI, os 43% restantes estão sendo enfrentados de maneira pouco efetiva. “É preciso acelerar, buscar novas respostas”. Isa ainda acrescenta que há alguns anos, desde 2005, 2006, o Brasil perdeu o foco no enfrentamento ao trabalho infantil. “O problema agora está inserido na política do Sistema Único de Assistência Social (Suas) e está sendo enfrentado no mesmo patamar que, por exemplo, violações de direitos a deficientes e idosos. O foco se perdeu”, afirma.
Caminhos
Segundo o estudo Medir o progresso da luta contra o trabalho infantil, da OIT, a continuidade dos progressos depende do reforço de ações principalmente em quatro áreas políticas: legislação e mecanismos de aplicação das leis sobre a idade mínima de acesso ao emprego e a proibição do trabalho pelas crianças; existência de uma educação e desenvolvimento de competências acessíveis, relevantes e significativas; existência de pisos de proteção social; e a expansão das oportunidades de trabalho digno para os jovens acima da idade mínima legal e para os seus pais.
Para Isa de Oliveira, do FNPETI, um caminho a ser seguido é o investimento na educação “É um consenso no mundo que a educação de qualidade, em tempo integral, prioritariamente, é decisiva para que se dê um passo adiante no enfrentamento ao trabalho infantil e no desenvolvimento social de um país”.
Distrito Federal
A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) entre 2008 e 2011, aponta uma redução significativa no número de crianças e adolescentes de 5 a 17 anos ocupadas no Distrito Federal. Em 2008 havia 23.942 meninos e meninas em situação de trabalho. O número caiu para 18.423 em 2011 – uma redução de 5.519.
Na faixa etária em que a atividade é totalmente proibida pela lei – de 5 a 14 anos incompletos –, cerca de mil meninos e meninas trabalhavam no Distrito Federal (DF) em 2011. E se o DF está longe de ser uma das unidades da federação com maior índice de crianças ocupadas, a capital federal se assemelha ao restante do país quando se analisa o perfil socioeconômico dos que estão em situação de trabalho. A maioria são meninos, negros, moradores de áreas urbanas.
A Pnad aponta ainda que o maior percentual de trabalhadores entre 5 e 17 anos está na região Nordeste. São mais de um milhão de meninos e meninas. Somente em Alagoas são 363.609 crianças nessa situação. O menor percentual se encontra no Centro-Oeste com pouco mais de 200 mil crianças e adolescentes trabalhando. O Distrito Federal têm o menor índice da região com 18 mil crianças e adolescentes em algum tipo de atividade laboral.
Campanha mobiliza sociedade no enfrentamento ao trabalho infantil
Iniciada em junho deste ano, a segunda edição da campanha colaborativa nacional “É da Nossa Conta! Sem Trabalho Infantil e pelo Trabalho Adolescente Protegido” busca sensibilizar a sociedade e potencializar ações em torno do enfrentamento ao trabalho infantil. Realizada pela Fundação Telefônica Vivo, em parceria com o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) e a Organização Internacional do Trabalho (OIT), a campanha é apoiada pela Rede ANDI Brasil.
Patrícia Santin, gerente da área de infância e adolescência da Fundação Telefônica Vivo, explica que um dos objetivos da iniciativa é desconstruir algumas questões culturais em torno do tema, como o discurso de que o trabalho é uma alternativa honesta à pobreza e que o envolvimento na exploração sexual e no tráfico são escolhas simplesmente. A campanha ainda tem como objetivo discutir o que nós, cidadãos, podemos fazer no dia-a-dia para combater o trabalho infantil. “Somos parte do problema, mas também somos parte da solução”, afirma. As ações desta campanha vão até o final de novembro.