A falta de unidades de internação provisória e de programas de atendimento inicial ao adolescente em conflito com a lei faz com que jovens permaneçam em distritos policiais e cadeias, junto com adultos. A internação provisória, pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), não pode ultrapassar 45 dias.
As medidas em meio aberto, como as de Liberdade Assistida (LA) e Prestação de Serviço à Comunidade (PSC), são consideradas pelo ECA e pelo Sinase como prioritárias. A internação deve ser uma medida excepcional, apenas em casos de ato infracional de maior gravidade, como latrocínio e homicídio; reincidência de infrações graves ou descumprimento injustificado de outras medidas aplicadas anteriormente.
A expectativa é que o processo de implementação da lei do Sinase aumente o total de vagas para aplicação das medidas de semiliberdade.
O órgão responsável pela execução do Sinase nos estados e municípios terá que registrar nos Conselhos Estadual ou Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente as propostas de trabalho. As atividades deverão obedecer critérios técnicos estabelecidos na lei.
Mesmo assim, a sociedade deve estar atenta ao cumprimento de metas e prazos.
A cultura da punição
Nem todos os adolescentes que cometem atos infracionais têm acesso a uma rede de atendimento em meio aberto, com orientação e acompanhamento semanal. Diversos municípios não buscam implementar tais medidas ou o fazem de modo pouco efetivo. “Por falta desses programas muitos juízes acabam optando por aplicar medidas de internação, o que gera muitos prejuízos ao adolescente”, avalia Ariel Castro.
Já na opinião da advogada em Direitos Humanos Eloísa Machado, a justificativa para o número elevado de internações é cultural. Para ela, ainda persiste no sistema judiciário brasileiro a falsa noção de que apenas a medida de internação representaria a responsabilização do jovem.
“Esta concepção vem não só da herança do Código de Menores, que privilegiava o uso indiscriminado de internação, como também de uma cultura punitiva mais geral no Brasil, que associa indevidamente a prisão/internação à eficiência de uma política de combate ao crime. A privação de liberdade aparece em diversos discursos como sendo a solução para o tema da violência e da criminalidade”, analisa.
Avanço necessário
A resolução do Conanda/SDH determina que a rede de atendimento colabore na construção de um projeto de vida pelo adolescente em conflito com a lei. O protagonismo do jovem na condução de seu futuro deve ser estimulado. Mas apenas isto não garante a recuperação.
De acordo com a psicóloga do Laboratório de Estudos em Fenomenologia Existencial e Práticas em Psicologia da Universidade de São Paulo (USP), Henriette Morato, para ser efetiva, a mudança depende também do contexto em que o adolescente está inserido. Por isso o apoio da família é essencial.
O retorno ao convívio social inclui redescobrir valores e refazer laços afetivos. “A família precisa apoiar, acreditar e confiar nesse adolescente”, ressalta.
Entre 1999 e 2008, ela atendeu adolescentes em conflito com a lei, e na sua avaliação é necessário considerar a realidade do jovem e de suas famílias na elaboração dos projetos. “Por mais que se tente antever situações, na prática elas transcendem as possibilidades levantadas pelos programas. Isso porque eles são pensados para a família ideal. Quem planeja essas ações deve antes andar pelos locais, conhecer a situação das famílias. Assim, fará uma política mais realista”, assegura.
Em parceria com o governo, as ONGs entram nesta rede com a execução de atividades de arte, cultura, esporte e cursos profissionalizantes. O Sistema “S”(instituições do setor produtivo) também tem sido um parceiro constante, que por meio de convênios com os governos preparam os/as adolescentes para o mercado de trabalho.
Outros atores sociais também podem integrar essa rede de proteção. A Polícia Militar de Minas Gerais é um desses exemplos. Além do cumprimento da sua função de segurança pública, a corporação oferece oficinas de arte-educação aos adolescentes em conflito com a lei no estado. Esse tipo de prática contribui para que as próprias instituições governamentais superem a política assistencialista e repressiva.
Apoio e força de vontade para ir além
Após um ano e quatro meses cumprindo medida de privação de liberdade em Belo Horizonte, MV é um exemplo na superação das angústias e da tristeza. Na unidade de internação, começou a participar das atividades de educação, profissionalização e lazer. Para ele, que hoje trabalha com marcenaria, as oficinas de teatro foram fundamentais para reaprender a ouvir, a conversar e a se colocar no lugar das outras pessoas. “Muitos acreditam que a medida socioeducativa não muda as pessoas, mas muda sim o modo de pensar”, assegura.
Já IS, 18 anos, enfrenta um grande desafio: a disciplina. Pela manhã, aulas do primeiro ano do ensino médio e, à tarde, oficinas de artesanato, culinária e acompanhamento psicológico. Ele já fez um curso de competências básicas para o trabalho e quando completar o ensino médio pretende ter aulas de injeção eletrônica e de segurança no trabalho. IS acredita que esses cursos podem abrir portas no mercado profissional. “Procuro sempre estar visando algo melhor, não o passado, procuro ver mais na frente”, afirma.
A diferença entre IS e outros alunos do ensino médio é que ele é um dos internos do Centro Socioeducativo Horto, em Belo Horizonte. “O sistema mexe muito conosco. Quando você está vivenciando isso, você percebe que a vida vai muito além do crime, vai mudando nosso caráter”.
Avaliação de LA e PSC em 2012
A SDH, em parceria com o Conanda e o Instituto Brasileiro de Administração Municipal (Ibam), vai analisar a dinâmica dos programas municipais em todas as capitais brasileiras. Esta será a primeira avaliação das medidas socioeducativas de Liberdade Assistida (LA) e Prestação de Serviço à Comunidade (PSC), com destaque para os novos arranjos criados a partir de 2008, com o cofinanciamento do serviço no âmbito da política de assistência social.
O levantamento irá diagnosticar as dificuldades e oportunidades locais. “Poderemos, assim, apontar recomendações para o aperfeiçoamento e consolidação da política pública de atendimento ao adolescente em conflito com a lei”, explica a Secretária Nacional de Promoção dos Direitos da Criança e do Adolescente, Carmen de Oliveira.
“A aprovação do Sinase certamente contribuirá para melhorar o sistema socioeducativo, na medida em que estabelece padrões nacionais mais claros e objetivos a serem seguidos pelos estados e municípios e todas as entidades integrantes do sistema. Com tais padrões estabelecidos, ficará mais fácil fiscalizar o atendimento e também cobrar sua melhora. Por isso, para que o Sinase represente um real avanço, é necessário o envolvimento dos conselhos, da família, das ONGs e das instituições do sistema de justiça na fiscalização da implementação de suas diretrizes.”
Eloísa Machado, advogada consultora da Conectas Direitos Humanos
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Por Gabriela Goulart