Indígenas apontam caminhos para enfrentar emergência climática no ATL 2024
A importância da unidade dos povos indígenas de todo o mundo frente às emergências climáticas foi o tema central dos debates da plenária “Articulação Internacional dos Povos Indígenas: defendendo nossos direitos nas agendas do clima e da biodiversidade”, realizada no terceiro dia do 20º Acampamento Terra Livre (ATL).
Lideranças de diversos países, que atuam em conjunto com a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e outras organizações brasileiras trouxeram os desafios e consequências das mudanças no clima em todo mundo, e que afetam, sobretudo, os territórios e a vida dos povos indígenas.
“Se é para pensar economia da biodiversidade, tem que falar de preservação das nossas terras”, afirmou a deputada federal Célia Xakriabá (PSOL-MG), que chegou acompanhada de mulheres Maxacali|Lucas Landau/ISA
Kleber Karipuna, coordenador-executivo da Apib, ressaltou a urgência da atuação conjunta internacional das organizações indígenas para impedir as políticas que colocam em risco seus direitos. “O ATL está trazendo novamente os parentes de outros países para conhecerem a nossa realidade, e nós conhecermos a realidade deles, para juntos, nessa aliança global de povos indígenas, podermos lutar para a melhoria dos nossos direitos, em nossos territórios e em todo mundo”, ressaltou.
Representando a Aliança Mesoamericana dos Povos das Florestas, Levi Sucre, da Costa Rica, reivindicou que os conhecimentos dos povos originários sejam reconhecidos na luta contra as mudanças climáticas e destacou o direito à consulta prévia, livre e informada.
“Exigimos consultas ao nosso povo para todos os projetos, todos os direitos e todas as leis. E queremos que nossos conhecimentos sejam reconhecidos e respeitados para combater os problemas das mudanças climáticas. Como aliança global, acreditamos na mensagem que é trazida pela Apib aqui no ATL: nosso tempo é ancestral, não temporal”.
Rukka Sombolinggi, representando cerca de 20 mil comunidades da Indonésia, enfatizou que os povos indígenas no mundo todo enfrentam os mesmos desafios quando a pauta são os seus direitos e as graves consequências da crise climática.
“Nossa riqueza e nossas terras estão sendo roubadas. A vitimização dos nossos povos tem levado hoje ao que chamamos de crise climática. E, enquanto líderes globais estão tentando encontrar acordos para esses problemas, nossos povos continuam em risco.”, disse Rukka, que também falou em nome da Aliança Global de Comunidades Territoriais.
A liderança indonésia lembrou que em 2025 acontece a COP 30, em Belém (PA), e que as organizações e lideranças indígenas precisam trabalhar juntas, “para garantir que esse evento seja capaz de virar a mesa nesse tema”.
A diretora do Museu dos Povos Indígenas, Fernanda Kaingang, fez uma fala contundente na defesa da biodiversidade brasileira e contra o sequestro da propriedade intelectual dos produtos extraídos das florestas, denunciando o enriquecimento de grandes indústrias a partir dos saberes dos povos indígenas.
“É preciso que nossos sábios sejam ouvidos e sejam valorizados como mestres do saber. É preciso que a ciência dos povos indígenas seja reconhecida e valorizada, que se peça o consentimento livre, prévio e informado, que se pague pelo uso do conhecimento dos povos indígenas e que se reparta os benefícios pelos papéis ambientais que nós temos prestado na conservação da biodiversidade que o mundo precisa para sobreviver”, ressaltou.
Ela lembrou que a biodiversidade tem papel importante na luta para enfrentar a emergência climática. As florestas, por exemplo, protegem grandes estoques de carbono que, se liberados na atmosfera, podem agravar o aquecimento global.
Gênero e tragédias socioambientais
Na tarde do segundo dia do ATL (23/04), a pauta climática também esteve presente na plenária “Mulheres Biomas na construção de agendas rumo à COP 30”, organizada pela Articulação Nacional de Mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade (Anmiga).
Conduzido pela secretária executiva da organização, Joziléia Kaingang, o debate contou com a participação de lideranças mulheres de diversos povos.
Na plenária, também foram feitas denúncias de casos graves de violência contra mulheres indígenas nos territórios. Muitas enfatizaram que não é possível falar de luta contra a crise climática sem garantir a proteção dos corpos e da vida de quem preserva os territórios e os biomas.
“Nossos corpos e lideranças estão sendo criminalizadas e as mulheres indígenas são as que mais morrem. Peço que acolham as denúncias das nossas parentas, sobre a violência que vivemos em nossas comunidades”, afirmou Marinete Tukano, da articulação Makirae’ta, após ler uma carta assinada pela Makirae’ta e a Anmiga sobre a realidade das mulheres indígenas no Estado.
Elisa Pankararu, liderança de Pernambuco e coordenadora do Departamento de Mulheres Indígenas da Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (Apoinme), falou da importância de se reconhecer os biomas como espaço de resistência e denunciou o racismo ambiental como estruturante da crise do clima.
“As mudanças climáticas não são previsões, elas já existem e estão postas. E quem sofre é a nossa gente que mora nas periferias e no campo. Nós que não somos responsáveis, nós que não poluímos os rios, somos os que estamos pagando a conta. Todos os outros também serão atingidos”, denunciou.
A representante da Articulação dos Povos Indígenas da Região Sudeste (ArpinSudeste), Neusa Martine, do povo Guarani Nhandeva, de Paraty (RJ), trouxe a voz das mulheres indígenas da Mata Atlântica, destacando a luta por demarcação das terras, aliada às lutas contra a emergência climática e a violência contra as mulheres indígenas.
“Temos que conscientizar jovens, homens, mulheres e a sociedade como um todo de que precisamos proteger nossos corpos para continuar protegendo nosso meio ambiente. 80% da biodiversidade protegida está dentro das Terras Indígenas. Precisamos implementar, fortalecer e levar projetos para nossos territórios e para a Mata Atlântica”, pontuou.
Braulina Baniwa, ex-secretária executiva da Anmiga, destacou a participação das mulheres indígenas na organização da bioeconomia nos territórios indígenas e, como consequência, no enfrentamento à emergência climática.
“Convido vocês a conhecer a ciência indígena das mulheres e a bioeconomia que nós produzimos dentro dos nossos territórios. A bioeconomia que precisa ser reconhecida e valorizada. A renda precisa chegar nos territórios e reconhecer nosso trabalho manual enquanto mulheres indígenas. O nosso produto, que disputa os mercados, precisa ser considerado produto ancestral, que carrega nosso conhecimento coletivo como povos indígenas”, disse.
Mapa de organizações das mulheres indígenas
Durante a plenária das mulheres biomas, a secretária-executiva da Anmiga, Joziléia Kaingang, falou também da construção da 2ª edição do Mapa das Organizações das Mulheres Indígenas no Brasil, organizado pelo Instituto Socioambiental (ISA) em parceria com a Anmiga.
O trabalho, que tem previsão de lançamento no segundo semestre, atualiza a primeira edição, lançada em 2020 também pelo ISA.
Para a atualização dos dados, a Anmiga fez um chamado a todas as lideranças a preencher um formulário com as informações de suas organizações e, durante este ATL, pesquisadoras do ISA e da Anmiga também realizaram uma ação de checagem dos dados.
“No ano de 2020, o ISA identificou 92 organizações de mulheres indígenas. Até esse momento, nós já temos mais que o dobro dessas organizações nesse novo levantamento. Então isso, para nós mulheres indígenas, é muito importante para pensarmos em cada região, como a gente dialoga, constrói e atualiza as nossas necessidades e demandas e as nossas construções como Anmiga, a partir do mapa”, explicou Joziléia. Segundo ela, o mapa comporta os diversos tipos de organizações, coletivos, associações ou articulações.
De acordo com Luma Ribeiro Prado, analista do programa Povos Indígenas no Brasil do ISA, a 2ª edição do mapa é uma produção colaborativa entre o ISA e a Anmiga e comprova um crescimento acentuado das organizações de mulheres indígenas no Brasil.
“Organizações que se entendem de várias formas, como movimento, como comissão, como comitê, como coletivo. E isso é muito importante porque mostra a diversidade da forma de organização dessas mulheres”, destaca.
“Emergência climática: povos indígenas chamam para a cura da Terra”
A noite cultural do primeiro dia do Acampamento Terra Livre (22/04) foi aberta com o lançamento da obra “Emergência climática: povos indígenas chamam para a cura da Terra”, do caderno da Semana dos Povos Indígenas 2024, de autoria de Ju Kerexu, coordenadora da Apib, e Cristiane Julião Pankararu.
No material, as escritoras apontam alternativas que os povos indígenas já vêm trazendo há algum tempo como forma de adaptação e mitigação dos efeitos da emergência climática.
“Emergência porque a terra está gritando e pedindo socorro faz tempo. A gente tem a crença que a natureza tem a sua total autonomia e ela conversa com a gente. Então, quando a gente busca essa conexão ela dá seus sinais. Nós entramos numa linha que é emergencial e nós precisamos agir”, ressaltou Cristiane Julião Pankararu.
O caderno é uma produção da FLD Projetos de Vida e do Conselho de Missão entre Povos Indígenas (Comin) e ilustrado pela artista indígena Wanessa Ribeiro.
Fonte: Instituto Socioambiental
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