Fotos e vídeos de crianças são roubados das redes sociais para alimentar mercado criminoso

Veículo: Globo.com - BR
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A equipe do Fantástico acompanhou por quatro meses salas de bate-papo e grupos de trocas de mensagens para mostrar como o comércio de imagens de crianças ocorre livremente na internet

Fotos e vídeos de crianças felizes, brincando, dançando, estão por toda parte nas redes sociais. Pais e mães gostam de postar e não há nada de errado nisso. Mas o que pouca gente sabe é que existem bandidos à procura de material para distorcer, manipular e espalhar no submundo da pedofilia.

É o que revela uma investigação de quatro meses do Fantástico. Nossa equipe se infiltrou em salas de bate-papo e grupos de mensagem. Desvendou os códigos dos abusadores, como eles se comunicam, e descobriu um mercado de lives criminosas, muitas vezes negociadas pela própria família da vítima.

‘Dói na alma’

O influenciador digital Jonas Carvalho começou a mostrar a rotina dos filhos Eloá, de 3 anos, e Davi Lucca, de 2 meses, nas redes sociais depois de ficar desempregado.

“Eu comecei gravando rotina. Então, era tudo. Gravava dando a primeira papinha, o primeiro passo, a compra do supermercado. Um conteúdo voltado à família, que para mim é tudo. Só que a internet é um perigo. Os comentários, às vezes, passam de ser maldade. Assédio. Essa é a palavra, assédio. Muitos comentários. ‘Perdoa minha pequena, Raulzito’, e algumas pessoas que me acompanham começaram a me mandar o significado, que eu não sabia. Dói na alma. Dói, e o meu desabafo é no choro”, conta.

Os comentários que assustaram o Jonas são, na verdade, palavras-chave, códigos de pedófilos. Abusadores usam essas expressões para marcarem fotos de crianças que chamam a atenção deles nas redes sociais.

A princípio parecem inofensivas. Como, por exemplo, perdoe, pequena” – que é uma fala de um famoso vilão em um filme de super-herói, sem nenhuma conotação sexual. Um outro código é “errei, fui Raulzito” que faz referência a um influenciador digital que está preso por crimes sexuais contra menores.

Reportagem especial

Jonas e a filha dele foram vítimas de quem usa essas práticas. A equipe do Fantástico acompanhou por quatro meses salas de bate-papo e grupos de trocas de mensagens para mostrar como o comércio de imagens de crianças ocorre livremente na internet.

Atualmente, Jonas já toma alguns cuidados ao postar fotos ou vídeos com a sua filha nas suas redes sociais.

“Mudei um pouco meu conteúdo. Já não gravo mais ela de frente descendo escorregador. Está descendo no sofá ali, a roupa assim, né? Levantou um pouquinho, eu já corto, coloco um borrão na frente. Graças a Deus, meus vídeos têm alertado a muitos pais”, conta o influenciador digital.

O Fantástico procurou as empresas responsáveis por redes sociais e aplicativos de mensagens onde nossa equipe identificou a atuação de pedófilos.

Em nota, o Telegram disse que modera ativamente conteúdo prejudicial em sua plataforma, incluindo materiais de abuso sexual infantil; e informou que aceita denúncias de usuários para remover tal conteúdo. A nota afirma ainda que mais de 62 mil grupos e canais foram removidos do aplicativo por compartilharem esse tipo de conteúdo em junho.

O TikTok informou que tem uma abordagem de tolerância zero para conteúdo de abuso e exploração sexual infantil on-line e compartilhamento de material. Disse que, assim que identificado, este tipo de conteúdo é imediatamente removido, as contas encerradas e os casos reportados para órgãos responsáveis.

A Meta – responsável pelo Instagram, Facebook e Whatsapp – disse que não tolera conteúdos que explorem ou coloquem crianças em risco e que trabalha de forma proativa para eliminar esse tipo de material de suas plataformas. A nota também diz que a empresa usa uma combinação de tecnologia e revisão humana para identificar e remover interações abusivas em seus serviços e que coopera com autoridades locais nesta área.

Os responsáveis pelo aplicativo Signal não se manifestaram.

“O Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania propôs uma resolução para o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente. O foco dela é na responsabilização daqueles que operam os portais, as áreas de conversação na internet. Essa resolução cria um grupo de trabalho que, em 90 dias, vai fazer a proposição de uma política nacional de proteção para crianças e adolescentes no ambiente digital”, afirma Cláudio Augusto Vieira da Silva, secretário nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente.

O Fantástico também procurou diversos influenciadores digitais que receberam comentários com teor pedófilo em suas páginas ou em páginas relacionadas a seus filhos. Mas Jonas foi o único que aceitou gravar entrevista.

Repórter: Você já pensou em parar de postar imagens da sua filha?

“Foi muito bom você ter feito essa pergunta. Eu não vou parar, entendeu? Muitas crianças que me seguem, me tomam como exemplo da criação que eu dou para minha filha. Então, o que eu posso fazer para proteger as crianças e abrir o olho dos pais, eu faço. Porque o que eu não quero para mim, para minha filha, eu também não quero para as crianças”, diz o influenciador digital Jonas de Carvalho.

O Fantástico está providenciando a entrega à polícia do resultado das apurações jornalísticas sobre abusos contra menores mostrados nesta reportagem.

Se você souber de algum caso de abuso ou exploração sexual infantil denuncie através do disque 100 ou do site www.denuncie.org.br.

Para saber mais sobre o direitos das crianças, conheça a newsletter Infância na Mídia.