Mais de 15 mil crianças e adolescentes foram mortos de forma violenta no Brasil nos últimos 3 anos, alertam UNICEF e Fórum Brasileiro de Segurança Pública

Mais de 15 mil crianças e adolescentes foram mortos de forma violenta no Brasil nos últimos 3 anos, alertam UNICEF e Fórum Brasileiro de Segurança Pública

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Mais de 15 mil crianças e adolescentes, com idades entre 0 e 19 anos, foram mortos de forma violenta no Brasil nos últimos três anos. E no mesmo período, 165 mil meninos e meninas foram vítimas de violência sexual – números que evidenciam o cenário preocupante de violência contra crianças e adolescentes no País. É o que revela a segunda edição do relatório Panorama da Violência Letal e Sexual contra Crianças e Adolescentes no Brasil, lançado nesta terça-feira (13) pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP).

Nos últimos três anos, o cenário das violências contra a criança e o adolescente permanece estarrecedor – e alguns desafios se acentuam. A taxa de homicídios caiu ao longo dos últimos três anos, mas cresceu a porcentagem de mortes causadas por intervenções policiais. Em 2023, quase 1 a cada 5 crianças e adolescentes mortos no Brasil foi vitimado em ações policiais.

Já os números de estupro contra crianças e adolescentes têm crescido constantemente. Foram registrados 46.863 casos de violência sexual em 2021, número que aumentou para 63.430 em 2023 – o equivalente a uma criança ou adolescente vítima de estupro a cada 8 minutos no último ano.

Além disso, as violências sexuais e letais têm atingido cada vez mais as crianças mais novas. As mortes violentas aumentaram 15,2% no caso de crianças de até nove anos de idade e a violência sexual cresceu, em particular, entre meninas e meninos nesta faixa etária. Entre 2022 e 2023, houve um acréscimo de 23,5% nos registros de estupro contra criança de até quatro anos, e de 17,3% entre aquelas com cinco a nove anos.

“As violências impactam gravemente as crianças e os adolescentes no País. Meninos negros continuam a ser as maiores vítimas de mortes violentas. Já meninas seguem sendo as mais vulneráveis à violência sexual. E essas dinâmicas são ainda mais preocupantes com o aumento de casos dessas violências contra crianças mais novas”, diz Youssouf Abdel-Jelil, representante do UNICEF no Brasil. “É urgente que os governantes tenham como prioridade acelerar o enfrentamento da violência letal e sexual contra as crianças, adotando políticas e intervenções que podem efetivamente prevenir e responder às violências”, afirma.

Para Samira Bueno, diretora executiva do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, os dados evidenciam a necessidade de os governos incluírem em suas agendas políticas públicas de enfrentamento aos crimes letais e também à violência sexual. “É importante que haja um protocolo mais claro das abordagens e do uso da força pelas polícias, tendo em vista que os principais alvos são os jovens pretos e pobres da periferia”, aponta a socióloga. “Ao mesmo tempo, a sociedade precisa compreender que a violência sexual ocorre dentro das casas de milhões de brasileiros, afetando meninos e meninas que muitas vezes sequer conseguem identificar esse crime. O Estado precisa investir em educação sexual e oferecer espaços para proteger essas crianças e defendê-las de seus agressores”.

Mortes violentas vitimam principalmente meninos negros

No País, a violência letal vitima em especial meninos negros. Nos últimos três anos, a maior parte das vítimas de mortes violentas no Brasil tinha entre 15 e os 19 anos (91,6%), eram pretos ou pardos (82,9%) e do sexo masculino (90%). E, apesar de os adolescentes serem os mais atingidos, isso é uma realidade em todas as faixas etárias. Dados do relatório mostram que um menino negro entre 0 e 19 anos no Brasil tem 21 vezes mais chances de ser morto do que uma menina branca na mesma faixa etária.

No caso de adolescentes, em especial entre os que têm mais de 15 anos, as mortes violentas remetem a um contexto de violência armada urbana: a maioria foram mortos fora de casa, em via pública (62,3%), e por pessoas que a vítima não conhecia (81,5%).

Já quando se trata de crianças mais novas, as mortes de meninas e meninos de até nove anos costumam ocorrer dentro de casa (em cerca de 50% dos casos) e ser cometidos por pessoas conhecidas da criança (em 82,1% dos casos, no ano de 2023). Isto mostra uma relação com um contexto de maus-tratos e de violência doméstica, praticada contra essas crianças pelas pessoas mais próximas a elas.

Intervenção policial se torna responsável por mais mortes violentas

Outro achado do relatório é que as mortes por intervenção policial se tornaram uma parcela ainda maior do total de mortes violentas de crianças e adolescentes na faixa de 10 a 19 anos. Nos últimos três anos, as mortes provocadas por policiais passaram de 14% do total de mortes violentas, em 2021, para 17,1% no ano seguinte e alcançaram 18,6% em 2023. Ou seja: quase 1 a cada 5 crianças e adolescentes nesta faixa etária mortos no Brasil foram vítimas de intervenção policial.

Violência sexual: da primeira infância à adolescência

Quando se trata de violência sexual, crianças e adolescentes do sexo feminino são a ampla maioria das vítimas no País, representando 87,3% dos casos nos últimos três anos. Considerando ambos os sexos, a maior parte das vítimas (48,3%) tem entre 10 e 14 anos. Ainda assim, mais de 35% dos crimes foram contra crianças entre 0 e 9 anos de idade. Ou seja: a violência sexual atinge crianças e adolescentes durante toda a vida, desde a primeira infância até o final da adolescência.

E os registros de violência sexual têm crescido no País, mas esse aumento tem sido ainda mais expressivo quando se trata de crianças mais novas. Em 2021, foram 17.253 casos registrados contra crianças de até nove anos. Em 2023, o número aumentou e chegou a 22.930 o número de crianças desta faixa etária vítimas de violência sexual.

Vale destacar que meninos não estão a salvo desse tipo de violência. O período entre 2021 e 2023 registrou mais de 20.575 casos nos quais crianças e adolescentes do sexo masculino foram vítimas de estupro. É um número maior, por exemplo, do que o número de meninos da mesma faixa etária que foram mortos violentamente.

Prevenir e responder às violências

Enfrentar um cenário que vitima tantas crianças e tantos adolescentes precisa se tornar uma prioridade para governantes e para toda a sociedade brasileira. E para prevenir e enfrentar as violências, o UNICEF e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública recomendam a governos, pais, mães, responsáveis e a toda a sociedade:

  • Não justificar nem banalizar a violência
    Cada vida importa, e cada criança, cada adolescente deve ser protegido de todas as formas de violência. Toda pessoa que testemunhar, souber ou suspeitar de violências contra crianças e adolescentes deve denunciar.
  • Controle do uso da força pelas polícias
    É fundamental trabalhar com as polícias protocolos, treinamentos e práticas voltadas à proteção de meninas e meninos. Em particular, há evidências robustas do impacto do uso das câmeras policiais, associado a protocolos e fluxos adequados, como a gravação contínua, na redução dos homicídios de adolescentes.
  • Controle do uso de armas por civis
    A arma de fogo é responsável pela morte violenta de muitas crianças e adolescentes – entre aqueles com 15 a 19 anos, é o principal instrumento utilizado. Por isso, é essencial promover o controle do uso de armas por civis.
  • Pautar e enfrentar o racismo estrutural
    Enfrentar o racismo estrutural é parte fundamental do esforço de não justificar e não banalizar a violência e do controle do uso da força pelas polícias junto à população negra.
  • Compreender e enfrentar o fenômeno da violência doméstica

    É preciso produzir conhecimento sobre as interseções entre a violência doméstica contra mulheres e contra crianças, incluindo o impacto da violência doméstica contra mulheres no desenvolvimento de crianças e adolescentes. Assim, será possível adotar políticas que integrem essas perspectivas para mudar comportamentos e prevenir e responder a casos de violência.

  • Enfrentar normas restritivas e discriminatórias de gênero
    É preciso desconstruir padrões restritivos de gênero que fazem com que meninos sejam socializados a reproduzirem práticas violentas e meninas sejam socializadas em um contexto de objetificação e desigualdade de poder. Serviços que atuam com crianças e adolescentes e famílias, como escolas, têm papel fundamental para isso.
  • Garantir atenção adequada aos casos de violência
    É urgente fortalecer os fluxos e protocolos do Sistema de Proteção a crianças e adolescentes vítimas e testemunhas de violência, no marco da Lei 13.431/2017.
  • Capacitar os profissionais que trabalham com crianças e adolescentes
    Eles são fundamentais para prevenir, identificar e responder às violências contra a infância e a adolescência. É caso, por exemplo, dos profissionais de segurança pública, que podem ser fortalecidos para uma abordagem mais humanizada.
  • Ampliar o acesso de meninas e meninos a canais de proteção
    Para prevenir e responder à violência, é importante garantir que crianças e adolescentes tenham acesso à informação, conheçam seus direitos, saibam identificar diferentes formas de violência e pedir ajuda.
  • Melhorar os registros e investir em monitoramento e geração de evidências
    É necessário melhorar o registro de informações sobre os casos, assim como avançar no monitoramento ágil e constante para acompanhar tendências e investir em intervenções de forma mais rápida.
 Sobre o estudo

A construção do Panorama da Violência Letal e Sexual contra Crianças e Adolescentes no Brasil aconteceu a partir de dados coletados pelo FBSP por meio da Lei de Acesso à Informação (Lei 12.527/2011). Para chegar ao panorama nacional, são produzidos pedidos específicos para cada Secretaria de Segurança Pública e/ou Defesa Social das 27 Unidades da Federação solicitando a base de dados de mortes violentas intencionais, estupros e estupros de vulneráveis. Essa base é formada pelo que se nomeia “microdados” dos boletins de ocorrência registrados, a partir dos quais é possível identificar, para cada fato registrado, as características do crime, da vítima e do autor, sempre que tais informações sejam preenchidas pelo órgão policial.

O correto preenchimento desse banco de dados ainda é um enorme desafio, mas esta edição do Panorama já usufruiu de avanços importantes em relação à completude dos dados. É claro, houve exceções: nessa edição, um estado (Bahia) não apresentou as informações de MVI com idades simples da vítima, dos dados referentes a 2021. Além disso, o estado de Goiás não informou a idade simples da vítima para os casos de mortes decorrentes de intervenção policial em relação aos três anos, de modo que as mortes violentas desse tipo no estado não estão contidas nas análises subsequentes.

Foram desconsiderados os dados de vítimas de MVI de idade zero dos estados de Minas Gerais, Piauí, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Espírito Santo devido a inconsistências nas bases apresentadas. Já em relação aos dados de violência sexual, os dados de 2021 dos estados do Acre, Bahia e Pernambuco foram apresentados sem idade simples, sendo que esse último estado seguiu com o mesmo problema em 2022.

 

Fonte: Unicef Brasil

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