Educação sexual nas escolas é ferramenta contra abuso infantil
A educação sexual nas escolas pode representar uma ferramenta de prevenção ao abuso sexual. O tema é muito debatido na área educacional e, segundo especialistas na área, precisa ser levado com muita seriedade. O Ministério da Educação (MEC) tem diretrizes para orientar a inclusão da educação sexual nas escolas em parceria com o Ministério da Saúde. O foco é na promoção da educação sexual, reprodutiva e na prevenção de doenças sexualmente transmissíveis.
Apesar disso, para Eunice Gonçalves, psicóloga, especialista em terapia de família e sexualidade humana, o ministério precisa ter diretrizes mais claras para que os pais entendam que não é uma escolha, mas sim parte da grade curricular do estudante.
“Aconteceu momentos na escola em que os pais tinham que ser avisados para mandarem ou não seus filhos no dia que esse tema seria abordado. Eu, como psicóloga, fazia parte da aula juntamente com a professora de Biologia”, explica.
Um outro ponto que a psicóloga considera importante é que ministério forneça formação para os profissionais que vão abordar os temas de forma lúdica e de acordo com idade de cada turma.
“Embora as diretrizes sejam um avanço, considero necessário um aprofundamento e uma aplicação mais uniforme para que sejam realmente eficazes, não contendo variação entre as escolas, precisa de uma elaboração de um currículo integrado: formação de professores capacitados, políticas publicas com a implementação das diretrizes em todas as escolas, recursos didáticos, entre outros.”
Autoconhecimento
Luana Menezes, psicóloga e especialista em psiquiatria e psicanálise com crianças e adolescentes pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), explica que ter essa educação é importante para ensinar a criança a conhecer o próprio corpo, quando eles sabem o que é a intimidade e o nome dos órgãos sexuais, eles conseguem relatar os abusos com mais facilidade.
“É importante que se aborde a sexualidade de forma lúdica, por meio de jogos e livros adequados para a faixa etária. A idade ideal para já introduzir o tema é a partir dos 4 anos, fase na qual a criança já tem maior consciência sobre a diferenciação de corpos e, claro, que a linguagem e a forma de falar sobre o tema deve ser adaptada de acordo com a idade”, explica a profissional.
O MEC foi procurado via telefone e e-mail para explicação das diretrizes impostas pelo órgão acerca do tema nas escolas, mas a reportagem não obteve resposta. O espaço segue aberto.
Riscos
A Childhood Brasil, em parceria com a agência Soko/Droga5, evidencia na campanha “Olhe Mais de Perto”, que segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, 85% dos abusos sexuais contra crianças de adolescentes são cometidos por conhecidos, e 65% destes casos, são cometidos dentro do próprio lar.
Os dados mostram que é preciso agir, e segundo a psicóloga Luana Menezes, a educação sexual nas escolas é um dos caminhos importantes.
“A educação sexual deve ser um tema tão comum como qualquer outro que compõe a grade curricular, pois é à partir desse aprendizado que a criança tem maior consciência sobre o seu corpo, compreendendo os limites necessários em relação à sua exposição bem como na relação com os adultos, compreendendo o que pode e o que não pode.”
A educação sexual ajudando na compreensão de abusos
Os dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública passam pela jornalista Lara Souza, 27 anos, que é parte da porcentagem das crianças que sofreram violência sexual dentro do próprio lar.
Com uma vida marcada pelo abandono paterno e por ter vivido boa parte da infância sendo criada por terceiros para que a mãe conseguisse trabalhar. A maranhense, que foi muito nova para o Rio, lembra que chegou a morar em 12 casas diferentes, o que já inicia os abusos psicológicos e físicos com a desculpa de que a jovem era “difícil” de lidar.
“Foi uma infância que na época eu não tinha tanta noção desses abusos, eu só conhecia aquela realidade então eu nem conseguia perceber o quanto aquilo era errado.”
O abuso sexual iniciou quando morava com a avó aos 7 anos, por parte de um primo de 21 anos, que aproveitava dos momentos a sós e cometia o crime enquanto nomeava como uma brincadeira. Ela e a prima, que possuía a mesma idade, eram convencidas de que a brincadeira era especial e que ninguém poderia saber.
“Ele pedia para a gente tirar a roupa e começava a esfregar suas partes íntimas na minha. Eu me lembro bem de me sentir agoniada e desconfortável, eu não compreendia o que estava acontecendo.”
Aos 10 anos, após uma aula de reprodução humana na escola, a jovem pela primeira vez teve a confirmação de que o que acontecia em casa não era correto.
Ao relatar para a mãe o que vivia, foi feita uma reunião de família onde o primo foi exposto, mas ainda assim, além da mãe, ninguém deu voz ao que estava sendo denunciado e ele não sofreu nenhuma consequência além de se mudar para a casa da tia. “Eu fui colocada em uma cadeira no meio de todos os adultos e fui questionada de todas as formas possíveis. Depois disso, abafaram e eu fui orientada a não ficar perto dele.”
Aos 11 anos, ocorreu de deixarem ela sozinha em casa com o abusador e apesar de tentar fugir quando percebeu que estava desprotegida, ela foi estuprada. “Tudo o que eu me lembro é do cheiro e do nojo que eu sentia de mim e do meu corpo.”
A jornalista foi coagida ao silêncio de muitos anos de impunidade e ausência do amparo familiar. Hoje, após terapias e a adoção por um casal que acolheu as dores silenciadas, usa a voz para alertar da importância da educação sexual nas escolas e da escuta para o que as crianças relatam.
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