

Brasil: Afastamentos por problemas de saúde mental aumentam 134%
De 2012 a 2024, foram registrados 8,8 milhões de acidentes do trabalho e 32 mil mortes no emprego com carteira assinada, segundo os dados atualizados do Observatório de Segurança e Saúde no Trabalho da Iniciativa SmartLab de Trabalho Decente, coordenada pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) e pelo Escritório da Organização Internacional do Trabalho (OIT) para o Brasil. As informações se baseiam em registros de acidentes do trabalho do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). Calcula-se que uma notificação de óbito no trabalho formal ocorra a cada 3,5 horas.
Nos números das notificações previdenciárias foram incluídos tanto as Comunicações de Acidente de Trabalho (CAT) quanto os benefícios acidentários concedidos sem comunicação prévia – acidentes identificados no momento da concessão do benefício, sem registro de CAT. É importante destacar, ainda, que os números referentes a anos anteriores tendem a ser complementados de acordo com a chegada de notificações atrasadas nos anos subsequentes.
Para 2023, os dados do Anuário Estatístico de Acidentes de Trabalho do Ministério da Previdência Social apontam 732 mil registros, mas os números atualizados em 2025, considerada a data do acidente, já alcançam 778 mil para aquele ano, o que demonstra que, além da subnotificação – acidentes que ocorrem, mas que não são comunicados – os casos notificados têm uma grande quantidade de registros atrasados.
Os números de registros de 2024 ainda estão em apuração, com projeção preliminar de que alcançarão no mínimo 742 mil casos notificados, considerando a tendência estatística de maturação temporal da série histórica.
No caso dos benefícios previdenciários acidentários, ocorreram, no mesmo período, 2,6 milhões de novas concessões de afastamentos (benefícios por incapacidade temporária) pelo INSS em razão de doenças e acidentes de trabalho. O gasto com esses benefícios, desde 2012, em valores nominais, já chega a R$ 173 bilhões de reais. O valor inclui auxílios-doença, aposentadorias por invalidez, pensões por morte e auxílios-acidente relacionados ao trabalho.
Na série de 2012 a 2024, acumulam-se ainda 3,5 milhões de registros no âmbito do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN) do Sistema Único de Saúde (SUS) do Ministério da Saúde, que coleta informações sobre casos de notificação compulsória que afetam a população ocupada em trabalhos formais e informais. Isso inclui acidentes do trabalho graves e outras ocorrências laborais como a exposição a material biológico, o câncer relacionado ao trabalho, as dermatoses ocupacionais, as LER/DORT (lesões por esforços repetitivos e distúrbios osteomusculares relacionados ao trabalho), as perdas auditivas induzidas por ruído, as pneumoconioses e os transtornos mentais e comportamentais. Nos últimos dois anos, o total de registros no SUS cresceu mais de 50% (de 392,2 mil em 2022 para 598,8 mil em 2024). Com isso, o SINAN ganha cada vez mais relevância e se aproxima progressivamente dos números de notificações registradas no INSS. Ainda estão sendo apuradas, para futura publicação, as notificações relacionadas ao trabalho envolvendo animais peçonhentos e intoxicações exógenas.
Segundo a coordenadora nacional de Defesa do Meio Ambiente do Trabalho e da Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora (Codemat) do MPT, Cirlene Zimmermann, “não podemos nos limitar à frieza dos números, das estatísticas, dos dados. É preciso lembrar que cada dado representa uma vida, uma família abalada, uma comunidade impactada. Cada adoecimento é um grito por justiça e por responsabilidade. É nossa missão fazer com que esses números não se limitem a gráficos, mas sejam alertas que nos impulsionem a agir”.
Saúde Mental no Trabalho: aumento de 134% nos benefícios concedidos no último biênio
Na série histórica considerada, os benefícios por incapacidade temporária associados à saúde mental no trabalho mais do que dobraram no último biênio, passando de 201 mil em 2022 para 472 mil em 2024 (aumento de 134%). Entre os casos, destacam-se afastamentos acidentários por reações ao estresse (28,6%), ansiedade (27,4%), episódios depressivos (25,1%) e depressão recorrente (8.46%). Quanto aos afastamentos em geral, destacam-se como predominantes os episódios depressivos (25,6%), a ansiedade (20,9%) e a depressão recorrente (12,0%).
A participação percentual de diferentes setores econômicos nos afastamentos por incapacidade temporária acidentárias se alterou significativamente ao longo da série histórica. Ilustrativamente, bancos múltiplos, com carteira comercial, partiram de 9,3% do total em 2012 para alcançar 20% do total de afastamentos acidentários em 2024. Já o setor de comércio varejista de mercadorias (hipermercados e supermercados) passou de 3.9% em 2012 para 5.6% do total em 2024. As atividades de atendimento hospitalar também se destacam nesse aumento da participação, partindo de 1,2% do total em 2012 para 10,2% em 2024.
A Norma Regulamentadora n.º 1 do Ministério do Trabalho e Emprego foi recentemente atualizada para incluir a obrigatoriedade de avaliação de riscos psicossociais no processo de gestão de Segurança e Saúde no Trabalho (SST). A mudança destaca que riscos psicossociais, como estresse, assédio e carga mental excessiva devem ser identificados e gerenciados pelos empregadores como parte das medidas de proteção à saúde dos trabalhadores.
“É preciso internalizar que o investimento em saúde é um ganha-ganha para as pessoas, para as famílias, para as empresas e a sociedade como um todo. O investimento na promoção da saúde mental beneficia toda a sociedade, porque promove ambientes de trabalho seguros e saudáveis, minimiza a tensão e os conflitos e melhora a fidelização do quadro de pessoal e o rendimento e a produtividade do trabalho,” disse o diretor do Escritório da OIT para o Brasil, Vinícius Pinheiro.
“No entanto, a discussão sobre saúde mental continua sendo um tabu no mundo do trabalho globalmente. Por isso, é importante apoiar a prevenção de riscos, proteger e promover a saúde mental no trabalho e apoiar as pessoas com problemas de saúde mental, para que elas possam participar e prosperar no mundo do trabalho. Investimento e liderança serão fundamentais para a aplicação das estratégias e dos princípios e direitos fundamentais do trabalho.”, acrescentou Pinheiro.
Embora o trabalho decente possa ser um fator protetor para a saúde mental, ambientes de trabalho inseguros ou insalubres, caracterizados por riscos psicofisiológicos e sociais – como ruído, altas demandas e assédio – podem prejudicá-la significativamente. Estimativas da OIT apontam que a prevalência de transtornos mentais na população ativa chega 15% (2019) e os enormes custos associados à consequente perda de produtividade alcançam US$ 1 trilhão anualmente.
Tendências históricas persistentes
Na série histórica de 2012 a 2024 do Observatório, os dados mostram que grande parte dos acidentes registrados foi causada pela operação de máquinas e equipamentos (13,6% do total), que provocou amputações e outras lesões gravíssimas com uma frequência 15 vezes maior do que as demais causas, e gerou três vezes mais acidentes fatais do que a média geral dos agentes causadores.
Quanto às ocupações, a mais afetada por afastamentos acidentários é a de alimentadores de linhas de produção (5,1%) do total, seguida de motoristas de caminhão (3,7%), faxineiros (3,4%), serventes de obras (2,9%) e vendedores de comércio varejista (2,4%).
Cerca de 60% dos afastamentos acidentários (B91) ocorreram por fraturas, que já ultrapassam 1 milhão de ocorrências na série, com 84 mil apenas em 2024 (incremento de 20% em relação a 2023), com predominância de fraturas de punho e da mão. O número de afastamentos por amputações também cresceu 6% em 2024, alcançando 4,6 mil ocorrências (superando os 4,4 mil de 2023).
O Observatório mostra, também, que desde 2012, de forma acumulada, mais de meio bilhão de dias de trabalho e de vida saudável foram perdidos. Calculado a partir da soma de todo o tempo individual em que os afastados não puderam trabalhar, o número é uma das formas de se estimar, por aproximação, os prejuízos de produtividade para a economia em geral, sem contar os danos pessoais ao público acidentado e às suas respectivas famílias.
De acordo com a Organização Internacional do Trabalho, afastamentos causados por doenças e acidentes de trabalho representam perda média anual de 4% para o Produto Interno Bruto (PIB) mundial. No caso específico do Brasil, essa porcentagem equivale anualmente a aproximadamente R$ 468 bilhões, se levarmos em consideração o PIB do país em 2024, que foi de R$ 11,7 trilhões (IBGE). Em números acumulados desde 2012, o prejuízo econômico pode chegar a R$ 5 trilhões, cerca de metade do PIB anual do Brasil em números de hoje.
Além do triste passivo humano e dos dramas familiares associados, esses acidentes e doenças produzem de um lado enormes despesas para o sistema de saúde, assistência social e para a Previdência Social, e de outro lado gigantesco impacto negativo, financeiro e de produtividade, para o setor privado e para a economia em geral.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) e a OIT clamaram recentemente por uma ação concreta para lidar com questões de saúde mental na população ativa. Estima-se que 12 bilhões de dias de trabalho são perdidos anualmente devido à depressão e à ansiedade que custam à economia global quase um trilhão de dólares.
Áreas prioritárias e recomendações de temas para campanhas de prevenção
O Observatório atualiza também as recomendações de prioridade para campanhas e ações de âmbito municipal, considerando a probabilidade de ocorrência de doenças e acidentes de trabalho no que tange à perspectiva dos agentes causadores. Para produzir as recomendações, foram utilizados métodos probabilísticos aplicados à série histórica de dados municipais.
As recomendações de campanhas locais mais frequentes dão foco a riscos enfrentados por alimentadores de linha de produção (988 municípios), serventes de obras (568 municípios) e motoristas de caminhão de rotas regionais e internacionais (433 municípios).
Quanto aos agravos e doenças, as campanhas mais frequentemente recomendadas dão foco à necessidade de prevenção de fraturas (3.870 municípios), de doenças osteomusculares e do tecido conjuntivo (1521 municípios) e de ferimentos, amputações e traumatismos (98 localidades). Em relação aos grupos de agentes causadores, grande parte dos municípios recebe a recomendação de foco em campanhas de prevenção contra acidentes causados por máquinas e equipamentos (2.009 municípios), exposição a agentes biológicos (1.089 municípios), veículos de transporte (1.030 municípios), motocicletas (483 municípios) e agentes químicos (370 municípios).
Os dados do Observatório fortalecem a agenda da Campanha Nacional de Prevenção de Acidentes do Trabalho (CANPAT), que em 2025 pretende promover a “conscientização sobre normas de segurança e saúde no trabalho, promovendo o debate e incentivando a adoção de medidas preventivas que garantam ambientes mais seguros para os trabalhadores brasileiros.”
Políticas ou programas de atendimento a pessoas com transtorno mental
Segundo dados da Pesquisa de Informações Básicas Municipais (MUNIC) do IBGE referente ao ano de 2023, apenas 46% dos municípios brasileiros possuíam políticas ou programas de atendimento a pessoas com transtornos mentais.
Em parceria com a Coordenação Geral de Saúde do Trabalhador do Ministério da Saúde e para atender demanda crescente no âmbito da Rede Nacional de Atenção Integral à Saúde do Trabalhador (RENAST), o Observatório apresenta, para cada Unidade Federativa, os municípios cobertos e não cobertos por Centros de Referência em Saúde do Trabalhador (Cerests) Regionais. Para as áreas cobertas, a seção de áreas prioritárias visa a auxiliar o planejamento das ações desses órgãos no Ministério da Saúde.
A RENAST articula diversas instituições e atores sociais que compõem o campo da Saúde do Trabalhador e a atuação da rede de serviços do SUS. Os Cerests promovem ações para melhorar as condições de trabalho e a qualidade de vida do trabalhador por meio da prevenção de doenças e agravos bem como a promoção e vigilância em saúde.
Segurança e saúde como direitos fundamentais
A Conferência Internacional do Trabalho (CIT) de 2022 reconheceu que o direito ao ambiente de trabalho seguro e saudável deve integrar os Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho da OIT.
Os Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho foram adotados em 1998 como parte da Declaração da OIT sobre Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho. De acordo com a Declaração, os Estados membros da OIT, independentemente de seu nível de desenvolvimento econômico, comprometem-se a respeitar e promover esses princípios e direitos, tenham ou não ratificado as Convenções relevantes.
Sobre o Observatório de Segurança e Saúde no Trabalho
A Iniciativa SmartLab, em 2025, alcança seu décimo ano de existência. O Observatório de Segurança e Saúde no Trabalho é um dos cinco observatórios da iniciativa SmartLab de Trabalho Decente, um laboratório multidisciplinar de gestão do conhecimento com foco na promoção do trabalho decente no Brasil e a colaboração de diversos atores, entes e organizações governamentais e da sociedade civil.
O Observatório combina repositórios públicos e tecnologia livre para transformar dados em informações e ação concreta em face desses temas. Sua primeira versão foi idealizada e desenvolvida entre 2015 e 2017, conforme os parâmetros da pesquisa “Acidente de Trabalho: da Análise Sociotécnica à Construção Social de Mudanças”, conduzida pela Faculdade de Saúde Pública da USP, com o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) e em cooperação com o MPT. As discussões sobre a construção da plataforma contaram também com a participação importante da OIT, de membros do ForumAT, que visa a implementar estratégia de apoio à educação permanente no campo teórico-prático da vigilância em saúde do trabalhador e conta com a participação de diversas entidades, organizações e universidades do Brasil e do exterior.
O objetivo fundamental da ferramenta é o de melhor informar e subsidiar políticas públicas de prevenção de acidentes e doenças no trabalho, de modo que todas as ações, programas e iniciativas passem a ser orientadas por evidências não apenas em nível nacional e regional, mas principalmente em cada um dos 5.570 municípios brasileiros.
Os dados do Observatório são oriundos de repositórios públicos e oficiais da área da Previdência Social que dão origem ao Anuário Estatístico de Acidentes de Trabalho e ao Anuário Estatístico da Previdência Social, dentre outras importantes publicações. Consideram-se, ainda, dados públicos da Relação Anual de Informações Sociais e do Sistema de Informação de Agravos de Notificação, entre outras fontes públicas.
Impacto
Desde o seu lançamento, os observatórios digitais da Iniciativa SmartLab contam com mais de 2 milhões de visitas oriundas de mais de 84 países, consolidando-se como o maior repositório de informações e conhecimento sobre trabalho decente do Brasil.
A plataforma tem servido, entre outras ações de interesse público, para promover conscientização sobre riscos ocupacionais, para aprimorar a eficiência da alocação de recursos públicos, para fomentar ações regressivas e para tornar mais eficiente o monitoramento de benefícios acidentários e determinar mais claramente quais devem ser os focos (ocupações, setores econômicos, grupos vulneráveis) das ações repressivas e preventivas em matéria de proteção ao meio ambiente do trabalho, inclusive em cooperação técnica com o setor privado, sindicatos, organismos internacionais e academia.
Na plataforma Google Scholar, podem ser identificadas mais de 854 publicações acadêmicas que citaram a plataforma em pesquisas científicas, entre teses de doutorado, dissertações de mestrado e artigos publicados no Brasil e no exterior. Além disso, mais de 60 mil referências a dados da plataforma já são contabilizadas em notícias de âmbito nacional, regional e local, o que fortalece a agenda pública de promoção do trabalho decente em todo o Brasil.
(*) Os dados do SINAN e de registros de acidentes de trabalho via perícia (sem comunicações) ou por meio de CAT, ainda estão em apuração para o ano de 2024 e para notificações tardias de alguns anos anteriores. Esses dados são atualizados periodicamente com base em informações encaminhadas pelas unidades descentralizadas do Sistema Único de Saúde e, ainda, pelos responsáveis pelos registros previdenciários no âmbito do INSS. Dessa forma, os dados aqui apresentados podem ser entendidos como parciais e sujeitos a atualizações à medida que esses registros ocorram.
Fonte: ONU Brasil
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