Os jovens não são ouvidos na escola, afirmam especialistas
Nos últimos meses, estudantes secundaristas das escolas públicas de todo o Brasil têm ocupado as escolas que frequentam, lutando por reivindicações diversas. Entre elas, a maior participação na gestão da instituição, já que muitos se queixam de não ser ouvidos pela direção nos mais diferentes assuntos relativos ao ambiente escolar do qual fazem parte. A demanda dos jovens é por uma gestão mais democrática das unidades de ensino e das redes e secretarias que as coordenam. Especialistas no tema são unânimes em afirmar que a participação, da forma com se dá hoje, está longe de ser ideal.
“O que é participar? Esse é o problema. Num exemplo simples: ir a um casamento é participar do casamento mas esse participante não é ouvido, não decide nada e tem de se acomodar ao que está posto. Esta é a participação que os dirigentes desejam: figurantes sem efetiva participação – pais, familiares e estudantes são convidados a assistir uma encenação. Quando começam a realmente dar opiniões, demandar ou criticar, são rechaçados, ignorados e até humilhados. Nenhum dirigente deseja a presença de quem participa de verdade ou ameaça quebrar a rotina de suas ações”, critica Katia Siqueira de Freitas, pedagoga e professora da Universidade Católica de Salvador e que já atuou no Programa de Formação Continuada de Gestores em Educação Básica (UFBA/ISP/MEC) e no Programa de Apoio aos Dirigentes Municipais de Educação (Pradime).
Segundo Katia, os fatos atuais mostram que o jovem brasileiro deseja participar da escola e ser protagonista no cenário educacional nacional. “A escola precisa entender o momento dos estudantes e acatá-los com respeito e carinho, ouvi-los, escutar e dialogar com eles. O jovem deseja participar e ser atuante”, afirma. “Empoderar, ouvir, conversar de igual para igual e conversar sem reprimir são soluções.”
Hyrla Tucci Leal, professora-assistente da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e especialista em gestão escolar, afirma que a gestão democrática pressupõe a ruptura com os paradigmas tradicionais que a escola costumava seguir e prevê espaços dinâmicos de interação de saberes e delegação de poder.
“Como se observa nos últimos meses, a mobilização estudantil se deu por vários fatores: falta de diálogo com os responsáveis pelas medidas tomadas em Educação, falta de parceria com a comunidade escolar e social e de seus agentes envolvidos, falta de negociações com os responsáveis pelas escolas e falta de transparência em relação às propostas de reestruturação. Os alunos desejam ser ouvidos”, pontua.
Segundo ela, a partir do momento em que a Lei de Diretrizes e Bases (LDB nº 9394/96) foi implantada, tornou-se uma exigência legal a transformação da gestão escolar autoritária numa gestão democrática que conceda autonomia pedagógica, administrativa e financeira, construída contínua e coletivamente. “Porém, há um desequilíbrio de poder no compartilhamento de soluções de problemas que envolvem os estudantes e que nos remete também à falta da gestão democrática e compartilhada na escola. Sem construir pontes com os alunos e outros membros da comunidade escolar, os protestos deverão continuar, pois o espaço livre de discussões está colocado e há necessidade urgente de chamar os jovens a assumir parcerias em relação aos problemas que surgem e suas respectivas soluções.”
Para o professor João Ferreira de Oliveira, professor da Universidade Federal de Goiás (UFG) e especialista em gestão escolar, os alunos não podem ser vistos como receptores passivos de tudo o que a escola faz. "A democracia é um passaporte para garantir que todos tenham condições de construir uma vida digna e sem participação não há como isso acontecer", diz. "O salto de qualidade na nossa Educação não vai se dar sem a participação dos alunos. Nosso maior desafio é envolvê-los nisso, mantendo um diálogo para que deem valor para essa gestão democrática."
Dados
O tema da gestão democrática não é novo e é considerado pelos especialistas em Educação como um dos maiores entraves da área. Tanto que consta no atual Plano Nacional de Educação (PNE), vigente desde 2014, na meta 19: “assegurar condições, no prazo de 2 anos, para a efetivação da gestão democrática da Educação, associada a critérios técnicos de mérito e desempenho e à consulta pública à comunidade escolar, no âmbito das escolas públicas, prevendo recursos e apoio técnico da União para tanto”. Entre as estratégias para o cumprimento da meta, algumas se destacam por mencionar a participação dos estudantes e da comunidade escolar. É o caso da estratégia 19.1, que estabelece a criação de uma legislação para a gestão democrática nas escolas; da 19.6, que aumenta a participação da sociedade na construção do projeto político pedagógico e, principalmente, da 19.4, que visa o fortalecimento dos grêmios e associações de pais e mestres (APMs).
No entanto, o Brasil, carece de dados oficiais que mostrem, na prática, se a gestão das unidades de ensino é realmente democrática. São poucas as estatísticas disponíveis. Entre elas, está a porcentagem da participação da comunidade na gestão educacional, que mostra quantos municípios possuem Conselho Municipal de Educação com representante de pais e alunos. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), por meio da Pesquisa de Informações Básicas Municipais (Munic), 80,3% (ou 4.471 cidades) dos munícipios brasileiros têm essa representatividade, sendo o Sudeste a região com a maior média (83,2%) e o Norte, com a pior (65,8%). Entre as prefeituras que afirmam não ter representantes, seis sequer possuíam conselho, órgão indispensável para que efetive uma gestão verdadeiramente democrática (entenda melhor aqui).
Além desse dado, o País só dispõe da porcentagem de escolas de 9º ano com alunos nos conselhos escolares, medida a cada dois anos pelo questionário da Prova Brasil. Os dados da última edição mostram que 79% delas afirmam ter alunos nos conselhos.
Para Hyrla, a questão da gestão de democrática é histórica, uma vez que muitos jovens só passam a dar mais valor à Educação quando entram na universidade, pela exigência do mercado de trabalho. “A meu ver, somente quando a escola reconhecer o jovem como indivíduo de potencialidades e talentos e o seu currículo for mais interessante e transmitido de forma dinâmica é que vai conseguir maior atenção e participação dos seus alunos. Quando as relações forem ressignificadas para eles, a escola terá sentido. O conhecimento de novas práticas educativas fará a grande diferença para o jovem”, diz.
Ela explica que os mecanismos existentes hoje, como o grêmio e o conselho escolar, não são usados de forma plena. “A maioria das escolas ainda não foi capaz da sua construção como o espaço desejado de participação. Ainda há outros mecanismos de participação para os alunos, também em fase de construção ou de discussão, entre os quais, os conselhos de classe diferenciados, as reuniões para resolução de problemas de sala de aula, junto aos pais e à comunidade, a luta pela autonomia progressiva da escola e a participação e envolvimento dos alunos em todas as fases de aprendizado por meio de debates e oficinas significativos”, sugere.