Morte de crianças na periferia de SP é até 23 vezes maior do que no centro

Veículo: UOL - SP
Compartilhe

As chances de uma criança morrer antes do primeiro ano de idade no distrito de Marsilac, no extremo sul de São Paulo, são até 23 vezes maiores do que as de crianças da mesma idade em Perdizes, na zona oeste. É o que aponta a segunda edição do Mapa da Desigualdade da Primeira Infância, divulgado na quarta-feira (12).

Produzido pela Rede Nossa São Paulo em colaboração com a Bernard van Leer Foundation, organização holandesa com foco em primeira infância, o estudo traz índices relacionados ao cenário que os 96 distritos da capital oferecem para crianças de zero até seis anos de idade.

Um dos indicadores que mais chama a atenção é o de mortalidade infantil. Thais Dantas, advogada do Instituto Alana, que luta pela garantia de direito de crianças, acredita que esse é o dado mais significativo do Mapa."É extremamente necessário compreendê-lo porque ele é sintomático. Mortalidade infantil é a consequência de outros fatores relacionados às desigualdades social, de classe, raça, gênero e entre regiões centrais e periféricas", afirma.

Advogada do programa Prioridade Absoluta — desenvolvido para assegurar a prioridade dos direitos das crianças e adolescentes junto aos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário —, Thais relembra que a desigualdade entre um distrito e outro, quando falamos de mortalidade infantil, aumentou desde a primeira edição do Mapa. Em 2017, a publicação apontava uma diferença de 20 vezes entre o pior (Sé, com 21,8 mortes até um ano) e o melhor distrito (Perdizes, com 1,0).

Índices pioraram nos últimos anos

Segundo o estudo deste ano, para cada mil crianças nascidas vivas em Perdizes, 1,1 morre antes de atingir um ano de idade. O número aumenta significativamente quando vamos para o distrito no extremo sul: Marsilac apresenta 24,6 mortes de recém-nascidos a cada mil partos.

As regiões com maior índice de mortalidade infantil ficam nas periferias de São Paulo, como Parque do Carmo (19,5), José Bonifácio (18,8) e Vila Jacuí (15,0), na zona leste. A exceção é a República, que aparece como o segundo pior distrito, com 24,3 mortes até um ano para cada mil crianças nascidas vivas.

Para Thaís Dantas, a explicação para esses dados altos estarem nas periferias é de que existe um descaso por parte do poder público em relação ao tratamento médico que mulheres recebem nessas regiões — desde a falta de promoção de educação sexual apropriada para que tenham possibilidade de obter métodos contraceptivos, até a negligência de cuidados para recém-nascidos ou falta de vagas em creches.

"É uma questão de raça e idade sempre. Nós conseguimos observar que são as mulheres negras que acessam menos os serviços de saúde de qualidade. Ao mesmo tempo, temos a questão da gravidez na adolescência muito forte nessas regiões. É fundamental que essas meninas tenha acesso a seus direitos reprodutivos sexuais," diz.

Já no caso da República — que teve um aumento de 8,8 pontos na taxa de mortalidade infantil desde a primeira edição do Mapa, em 2017 —, a explicação está, segundo Carolina Guimarães, coordenadora da Rede, na quantidade de pessoas em situação de rua e vulnerabilidade no local. O Censo da População de Rua, divulgaso em 31 de janeiro deste ano pela Prefeitura, aponta um aumento de 60% em comparação ao levantamento de 2015, sendo 3,9% crianças.

Indicadores se relacionam

Ao todo, a pesquisa deste ano apresenta 26 indicadores espalhados por cinco eixos: contexto urbano, gestação, neonatal, primeiríssima infância e primeira infância.

"Todos eles estão conectados. Na parte de 'contexto urbano', por exemplo, tratamos de temas como arborização e iluminação pública. Isso porque quando falamos de mais árvores na cidade, estamos falando sobre o conforto dessa crianças, que vai proporcionar um ar mais limpo para elas não sofrerem depois com problemas respiratórios. Quando falamos de poste de luz, isso se conecta diretamente com a segurança delas ao andar nas ruas," explica a coordenadora da Rede Nossa São Paulo.

A produção e apresentação do Mapa da Desigualdade da Primeira Infância apontam números concretos sobre crianças na cidade para mostrar, especialmente para o poder público, mas também para a sociedade civil, em quais áreas a cidade está falhando e precisa melhorar.

Carolina Guimarães conta que a ideia é que o material possa apontar caminhos para a construção de novas políticas públicas, priorizando serviços e infraestrutura que acolham crianças e adolescentes.

A Rede Nossa São Paulo foi, inclusive, uma das responsáveis por articular e traduzir demandas da sociedade civil para a formação do Plano Municipal Pela Primeira Infância, que prevê metas e ações a serem traçadas de 2018 até 2030 para beneficiar e assegurar os direitos de crianças até seis anos de idade na cidade.

"Esses dados [do Mapa da Desigualdade da Primeira Infância] tem que ser utilizado por conselheiros titulares, por cidadãos que desejam cobrar o poder público, como um guia para o município entender melhor a situação das crianças…"

Tanto a coordenadora da Rede Nossa SP, quanto a advogada Thaís Dantas, acreditam que as principais soluções necessárias para melhorar a situação da desigualdade relacionada à primeira infância é, primeiro, respeitar o conceito de prioridade absoluta de crianças apresentado pelo Artigo 227, da Constituição Federal, que diz ser dever da família, sociedade e Estado assegurar o direitos fundamentais como à saúde, alimentação e educação ao adolescente e à criança.

Em segundo, é preciso que ocorra mais investimentos em áreas que contribuam para a redução dessas desigualdades, pensando em orçamento público voltado para a melhoria de atendimentos clínicos de gestantes ou aumento do número de creches, por exemplo.

"Também precisamos parar de falar sobre meritocracia. As crianças de Marsilac não estão começando a vida na mesma posição que as pessoas de distritos com melhor desempenho."