Modelo educacional na Colômbia fez escolas rurais terem desempenho melhor do que as urbanas

Veículo: O Estado de S. Paulo - SP
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Único professor da escola La Cabaña, na zona rural de Armênia, cidade no interior da Colômbia, Carlos Carmona dá aula ao mesmo tempo para alunos que estão em cinco séries escolares diferentes. As 15 crianças, com idades entre 6 e 12 anos, sentam em grupos em mesas hexagonais – são cinco na sala, cada uma representando um dos anos de ensino – enquanto Silva circula pela sala orientando e tirando dúvidas. 

Por muito tempo, as escolas com classes multisseriadas eram vistas como um problema quase sem solução nas regiões rurais da Colômbia, um resultado da combinação do número pequeno de matrículas – já que muitas famílias mudaram para as grandes cidades -, ausência de professores e a dificuldade de locomoção em um país montanhoso. Até que a situação, imposta por condições adversas, foi vista como oportunidade para implementar um método de ensino colaborativo, mais centrado no aluno e com atividades focadas em seu cotidiano. 

A socióloga Vicky Colbert liderou a estruturação do modelo Escuela Nueva, que se baseia em um ensino ativo,onde o professor não trabalha como um instrutor, mas um moderador para o aprendizado. Os docentes dessas escolas receberam cursos de formação e material didático que os permitissem um ensino personalizado para os alunos, respeitando o ritmo de cada um e promovendo o trabalho cooperativo. 

O modelo foi levado a cerca de 20 mil escolas do País e fez com que a Colômbia se tornasse o primeiro da América Latina e Caribe a ter unidades rurais com desempenho superior às urbanas. No Brasil (leia abaixo), alunos da rede rural têm a metade da nota dos demais. 

"Quem planejava as políticas públicas de educação do nosso País, nem sabia dos desafios que existiam nessas escolas. Pesquisamos, entendemos como funcionava o ensino nessas escolas e identificamos como poderíamos ajudar aqueles professores. Uma mudança em sala de aula tem que ser sempre para facilitar o trabalho do docente", diz Vicky. 

Na La Cabaña, os 15 alunos são filhos de trabalhadores rurais de plantações de café. Como o trabalho no campo faz parte do cotidiano, muitas das aulas e atividades são desenvolvidas utilizando a agricultura como exemplo. Com oito anos, um dos mais novos da turma, Juan Felipe Lopez, filho de lavradores, é responsável pela horta da escola. "Eu sei o que preciso fazer para cuidar das plantas, quando colocar adubo, podar. Os outros gostam de me ajudar e eu, de ensinar o que sei para eles", diz o menino, enquanto mostra sementes de uma planta que, segundo ele, ajuda a afastar formigas do resto dos vegetais.

Para Vicky e os professores que aderiram ao modelo Escuela Nueva, a sensação de pertencimento à escola e de que o aprendizado de sala de aula pode ser aplicado em situações reais fizeram com que essas unidades tivessem queda nas taxas de evasão e retenção escolar. 

"Cada um tem sua responsabilidade na escola, formamos uma família aqui e eles cuidam do colégio como se fosse a sua casa. Fazemos tudo junto, das lições à refeição. Eles se sentem parte e gostam de estudar. Eu sinto como se fossem meus filhos", diz Carmona. 

Distante cerca de 30 quilômetros fica outra unidade rural que também segue o modelo. Com 85 alunos, nessa escola eles são divididos pelas séries escolares regulares, mas o ritmo de aprendizado de cada um é respeitado, de forma que não há reprovação. O material didático é dividido em módulos e cada aluno passa o tempo que precisar para completá-los. Por isso, é comum que na sala de aula cada estudante desenvolva uma atividade. 

Na escola, todas as salas são organizadas com as mesas hexagonais para que os estudantes possam sempre trabalhar em grupos, assim aqueles que têm dificuldade são ajudados pelos colegas. Nesse modelo, o professor trabalha mais como um "orientador" das aprendizagens.

"Eles gostam de se ajudar, de ver que podem ensinar o que sabem para o colega. Essa prática também faz com que eles se respeitem mais, saibam que todos têm algumas facilidades e limitações por isso quase não temos casos de briga ou bulliyng", diz Alba Lucía Orosco, professora do 5º ano. 

Alba conta que trabalhou por muitos anos em escolas que seguiam o modelo tradicional de ensino, com cadeiras enfileiradas e o professor em frente à sala escrevendo informações na lousa. Para ela, a estratégia da Escuela Nueva, ao dar mais autonomia para os alunos, também permite que o professor tenha mais tempo para identificar quem e quais são as dificuldades de aprendizado. "Eu passo mais tempo conversando, me sentando ao lado deles para tirar dúvidas. Não passo a aula toda escrevendo, enquanto eles copiam", diz.

No dia em que o Estado visitou a unidade, a professora percorria as mesas enquanto um grupo de alunas desenhava a paisagem da região identificado as plantas e animais comuns. Na mesa ao lado, os meninos faziam juntos exercícios de matemática sobre fração. "Trabalhamos sempre juntos e isso é muito legal, porque a gente divide tudo. Cada um faz uma tarefa, depois conversamos e ensinamos uns aos outros", contou a aluna Isabella Benitez, de 10 anos.

Reconhecimento. O modelo, desenvolvido inicialmente em 1975, recebeu suporte financeiro e político do governo colombiano, Unesco e do Banco Mundial para ser implementado como política educacional nacional no País no final dos anos 80, chegando a ser usado em mais de 20 mil escolas. 

Alguns anos após a disseminação do método, a Unesco declarou a Colômbia como o único país da América Latina e Caribe a ter escolas rurais com desempenho superior às urbanas. Depois do reconhecimento, o modelo foi levado também para escolas urbanas em áreas periféricas das grandes cidades colombianas. 

Vicky foi vencedora, em 2017, da primeira edição do Prêmio Yidan, criado por um fundação de Hong Kong para reconhecer boas práticas educacionais. Ela recebeu U$ 3,9 milhões para financiar novos trabalhos em educação. 

Pouco conhecido no Brasil, houve uma tentativa no início dos anos 90 de implementar o modelo da Escuela Nueva nas escolas rurais de estados do nordeste brasileiro. O projeto, segundo Vicky, foi descontinuada após dois anos com a troca de governos. "Uma das lições que aprendi no Brasil foi: você precisa trabalhar com os governos para ter um impacto nacional, mas precisa de parceria com entidades privadas para garantir a sustentabilidade e qualidade de um projeto", diz a educadora. 

Enquanto a Colômbia conseguiu que suas escolas rurais melhorassem o desempenho e ultrapassassem as unidades urbanas, os alunos brasileiros dos colégios rurais têm a metade das notas dos demais estudantes. O Pisa também mostra que os estudantes colombianos têm, em média, desempenho superior aos brasileiros nas três áreas avaliadas pelo exame: matemática, leitura e ciências.

Um levantamento feito pelo movimento Todos pela Educação mostra que apenas três em cada dez estudantes do 3º ano do ensino fundamental das escolas rurais no Brasil têm aprendizado considerado suficiente para a idade. A média entre estudantes de escolas urbanas é de 50%. 

No Brasil, 925,6 milhões de crianças no ensino fundamental (do 1º ao 9º ano) estudam em turmas multisseriadas, a maioria (89,3%) estão matriculadas em escolas rurais.