Jovens contam como é viver sem ler nem escrever direito na cidade de São Paulo
"Um cara que não sabe ler é um cego da vida", resume José Webson da Silva, 22, sobre sua própria condição.
Meio sem jeito, ele fala de sua vida em busca das letras e dos números que faltam no dia a dia. Como tantos conterrâneos, esse pernambucano de Palmares tinha 17 anos quando fez a travessia para o Sudeste para tentar a vida na quinta maior cidade do mundo: São Paulo, a terra das promessas. Mesmo sendo a mais rica do país, é uma metrópole cheia de histórias de gente que não sabe ler nem escrever um bilhete.
Webson já perdeu emprego porque não conseguiu preencher a ficha do processo seletivo, só enviava áudios pelo WhatsApp e chegou a ficar perdido na estação Sé do metrô porque não entendia as placas.
Até quatro meses atrás, quando voltou a estudar, ele só lia quatro palavras: vaca, tatu, macaco e uva –herança ainda da primeira cartilha. Agora, Webson quer sair da estatística que aponta que 17% dos jovens entre 15 e 24 anos são analfabetos ou analfabetos funcionais (que não compreendem textos simples). O número alarmante, colhido pelo Instituto Paulo Montenegro em parceria com o Ibope e divulgado neste ano, faz parte do Índice Nacional de Analfabetismo Funcional (Inaf), criado para aferir o grau de alfabetização dos brasileiros.
Para o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que pesquisou nove regiões metropolitanas do país e reuniu os dados mais recentes de alfabetização dos brasileiros na PNAD (Pesquisa Nacional de Domicílios) divulgada em 2014, o Brasil tem 13 milhões de analfabetos absolutos com mais de 15 anos, definidos como "pessoas que não sabem ler e escrever um bilhete simples no idioma que conhecem". Eram 8,3% da população em 2013, menos do que os 8,7% dos brasileiros pesquisados em 2012 pelo IBGE.
Já os analfabetos funcionais, definidos como pessoas "com mais de 15 anos e menos de quatro anos de estudo em relação às pessoas da mesma faixa etária", eram 17,8% em 2013, também em queda na comparação com o porcentual de 18,3% apurado em 2012. Segundo o analista Jefferson Mariano, do IBGE, não há microdados sobre analfabetos funcionais na PNAD. "Essa foi uma variável derivada, apenas para a publicação."
Diferentemente do IBGE, a pesquisa realizada pelo Instituto Paulo Montenegro e Ibope aplicou questionários de alfabetização para definir quem é analfabeto absoluto e também apurar o nível real de aprendizado de quem foi à escola. Foram pesquisadas 2.002 pessoas entre 15 e 64 anos em áreas rurais e urbanas de todo o país.
A pesquisa classifica os brasileiros em cinco grupos em diferentes níveis de alfabetização: analfabeto, rudimentar, elementar, intermediário e proficiente. Nesse conceito, analfabeto absoluto é aquele que não consegue realizar tarefas simples, como ler palavras e frases.
Quem é capaz apenas de localizar informações explícitas em textos muito simples, como calendários e cartazes com sentenças ou palavras relacionadas ao seu cotidiano, e ler e escrever números familiares –como horários, preços e cédulas de dinheiro– está no nível rudimentar de alfabetização. A partir do nível elementar, os testes exigem habilidades crescentes de leitura e escrita, com identificação de informações em textos de extensão média até elevada complexidade e realização de operações básicas com números da ordem do milhar até a interpretação de tabelas e gráficos. Essa classificação, segundo o Instituto Paulo Montenegro, permitiu "discriminar melhor o grupo dos alfabetizados funcionalmente, atendendo a uma demanda crescente".
Quando se leva em conta somente jovens e jovens adultos entre 15 e 34 anos, o Inaf aponta que 18% estão nas categorias de analfabeto e alfabetizado rudimentar (ou funcional, que não consegue interpretar o sentido das palavras, expressar suas ideias por escrito nem realizar operações matemáticas mais elaboradas). Estamos falando de 12,5 milhões de brasileiros. Há aqueles que não conseguem ler e escrever, outros só são capazes de operações simples que envolvam letras e números e tem gente que lê, mas não consegue interpretar o conteúdo.
"É uma tragédia para esses jovens", afirma Maristela Miranda, diretora da Alfabetização Solidária –organização ligada ao Centro Ruth Cardoso que dá aulas e treinamentos a professores em todo o país desde 1996. "Vivemos em um mundo letrado, que exige, a todo momento, que a gente se posicione de várias maneiras. E a principal qual é? Uma cultura de mundo letrado. Então, como esse jovem se vira dentro desse mundo?"
Em Pernambuco, Webson chegou a alcançar o segundo ano da Educação de Jovens e Adultos (EJA), mas a mudança para São Paulo e a busca por trabalho o afastaram dos estudos. "O principal fator que entra nessa história é renda. Quanto mais elevada a renda, mais elevado é o nível de alfabetização. Mas, quando a gente fala do jovem que não tem um bom nível, estamos falando da população de mais baixa renda", explica Roberto Catelli Jr, coordenador da Unidade de Educação de Jovens e Adultos, da ONG Ação Educativa.
No caso do jovem com baixa escolaridade, se estabelece um círculo vicioso, segundo Ana Lima, coordenadora do Inaf. Ela afirma que uma pessoa que não tenha ensino médio só receberia oportunidades de trabalho inferiores ao pouco estudo que tem, o que resultaria em poucas chances de se desenvolver mais. Seriam oportunidades pouco qualificadas de emprego, e "a própria atividade dentro do trabalho não vai fazer com que essa pessoa se desenvolva", diz ela. Segundo o Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), 26% dos brasileiros com idade entre 14 e 24 anos estavam desempregados no segundo trimestre de 2016.