A grave relação entre trabalho infantil e evasão escolar
Entre as muitas consequências físicas, psicológicas, econômicas e sociais do trabalho infantil está a evasão escolar. No Brasil, 2,5 milhões de crianças e jovens ainda estão fora da escola, segundo um levantamento realizado pelo Todos Pela Educação, com base nos resultados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad) 2015.
O ponto mais crítico é o crescimento muito tímido no porcentual de atendimento entre 15 e 17 anos, sendo de 78,8% para apenas 82,6%, de 2005 a 2015. Vale lembrar que dos 2,6 milhões de crianças e adolescentes que trabalham no Brasil, 2 milhões têm entre 14 e 17 anos.
Para Maria Rehder, coordenadora de projetos da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, o trabalho infantil tem uma relação direta com a evasão escolar.
“O grande problema é que a maioria dos que estão fora da escola são afrodescendentes, quilombolas, indígenas, deficientes e vítimas de explorações, como o trabalho infantil. Quando uma criança é exposta ao trabalho infantil, ela não frequenta a escola e passa a ser vítima de várias violações”, comentou.
Para Maria, é preciso haver uma ação intersetorial com o objetivo de erradicar o trabalho precoce, paralelamente à exclusão escolar.
“Os caminhos de políticas públicas que eliminam o trabalho infantil não podem estar deslocados de políticas públicas que visam acabar com a evasão escolar. Sempre sugerimos a valorização da educação. Estimulamos diagnósticos locais, onde a rede faça reuniões com as secretarias municipais para analisar os dados e entender quem são as crianças que estão fora da escola.”
Estudos e estatísticas
De acordo com o estudo Trabalho Infantil e Adolescente: impacto econômico e os desafios para a inserção de jovens no mercado de trabalho no Cone Sul, no caso de jornadas de 36 horas semanais, a evasão escolar pode chegar a 40%.
Para a mesma carga de trabalho, a queda no rendimento varia de 10% a 15%, dependendo da série. O desinteresse pelos estudos compromete, no futuro, o ingresso no mercado de trabalho.
O Plano Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil e Proteção ao Adolescente Trabalhador aponta que quanto mais precoce é a entrada no mercado de trabalho, menor é a renda obtida ao longo da vida adulta. Esse sistema mantém os altos graus de desigualdade social.
Com poucas oportunidades de estudar, a criança que trabalha geralmente reproduz o perfil de outras gerações da família, que também trabalharam na infância. Sem a conscientização e direito a novas oportunidades que deveria ser garantido por meio de políticas públicas, dificilmente as crianças com este perfil conseguem romper o ciclo da pobreza e miséria de suas famílias.
Em uma análise sobre a relação entre trabalho infantil e desinteresse escolar feita para a Rede Peteca – Chega de Trabalho Infantil, o autor João Henrique Nascimento Dias citou o estudo World Report on Child Labour 2015 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
O documento analisa a relação entre crescimento econômico, combate ao trabalho infantil e garantia de dignidade no trabalho por meio de dados de 28 países de renda baixa e média, incluindo o Brasil, além de apresentar os resultados de estudos de caso realizados na Índia, em Bangladesh e no México.
Comparando o desempenho profissional daqueles que começaram a vida laboral já aos 15 anos (ou antes) com aqueles que entraram no mercado de trabalho após essa idade, o relatório revela que o trabalho infantil leva a menor performance acadêmica e a empregos de pouca remuneração.
Ainda de acordo com o artigo, além do comprometimento cognitivo, o trabalho infantil também diminui as chances de que o indivíduo encontre o chamado trabalho decente ou digno. Ou seja, um emprego que englobe perspectivas de aumento de produtividade, renda justa, segurança, proteção social para famílias, liberdade de expressão, igualdade de gênero e integração na sociedade.
Por fim, o autor sugere o investimento em políticas fiscais equilibradas, bem como políticas públicas específicas para os grupos em questão, uma vez que os dados coletados para o relatório apontam que aqueles que abandonam a escola precocemente terão uma vida profissional caracterizada por empregos instáveis e períodos frequentes de desemprego.
“Historicamente, da escravidão às escolhas políticas e econômicas tomadas nos momentos de crise vividos nos últimos dois séculos, o Brasil consistentemente optou por reformas que sacrificavam grandes massas em favor de um suposto bem-estar vindouro. Talvez seja o momento de mudarmos essa tradição de ‘desperdiçar gente’ em nome de um crescimento econômico futuro que é, geralmente, desigual”, concluiu Dias.