Adoção de crianças no exterior só deve ser feita em casos excepcionais
Os conflitos armados e o forte aumento do número de refugiados no mundo fizeram com que alguns brasileiros pensassem em adotar crianças no exterior, diante das imagens de sofrimento em países como a Síria.
Mas, segundo especialistas ouvidos pelo Centro de Informação das Nações Unidas no Brasil (UNIC Rio), a adoção de crianças estrangeiras é um processo pouco frequente, longo e bastante complexo, diante da necessidade de garantir a segurança, o bem-estar e a adaptação cultural da criança ao novo país.
Segundo advogados especializados, esse tipo de iniciativa deve ocorrer somente em casos excepcionais, uma vez que no Brasil existem cerca de 7 mil crianças disponíveis para adoção e outras 40 mil aguardando em abrigos uma eventual indicação judicial para buscar um novo lar.
Apesar de alguns brasileiros acreditarem ser mais fácil e rápido adotar no exterior, esses processos podem ser tão longos quanto em território nacional, avaliam os especialistas.
Quando se trata de crianças de países em situação de conflito, o procedimento é ainda mais complexo e a adoção, pouco indicada. Isso porque muitas vezes as crianças estão separadas de seus pais temporariamente por conta da guerra, o que não significa que estejam órfãs. A prioridade deve ser justamente integrá-las às suas famílias.
“A Convenção (de Haia, tratado que regula as adoções internacionais) não recomenda que se faça adoção nessas situações”, explicou Ludmila de Azevedo Carvalho, secretária-executiva da Comissão Estadual Judiciária de Adoção Internacional do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ).
Apesar de ser compreensível o aumento do interesse dos brasileiros por crianças de países afetados pelas atrocidades das guerras, a adoção é um compromisso de longo prazo que não pode ser confundido com caridade, alertou Silvana Moreira, presidente da Comissão de Adoção do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM).
“Sempre que ocorrem tragédias como (as que estão ocorrendo no) Haiti ou na Síria, surge uma grande comoção, e as inúmeras perguntas de como adotar aquelas crianças. Inverte-se o foco da adoção, que jamais poderá ser confundida com caridade”, disse Silvana, que sugere nesses casos doação a organizações internacionais.
Em países como Síria, Iêmen, Iraque, Sudão do Sul e Nigéria, crianças são atacadas em suas casas, escolas e comunidades. A estimativa é de que uma em cada quatro crianças do mundo viva em um país afetado por conflitos ou desastres.
Entre as organizações que atuam na proteção de crianças em zonas de conflito estão Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), Agência da ONU para Refugiados (ACNUR), Comitê Internacional da Cruz Vermelha, Médico Sem Fronteiras, entre outras, que recebem doações no mundo todo.
Esta semana (31), o UNICEF anunciou que busca 3,3 bilhões de dólares para fornecer assistência em 2017 a 48 milhões de crianças afetadas por conflitos armados e outras emergências humanitárias no mundo.
Casos pouco frequentes
Os casos de adoção de crianças estrangeiras por brasileiros são pouco frequentes, sendo mais comuns situações em que estrangeiros adotam crianças brasileiras, explicou a desembargadora da Comissão Estadual Judiciária de Adoção Internacional do TJ-RJ, Ana Maria Pereira de Oliveira.
As crianças são disponibilizadas para adoção internacional por juízes da infância e da juventude e isso normalmente ocorre quando não foi encontrada uma família brasileira disponível. A maioria dos casos envolve crianças maiores de 6 anos. Entre 2008 e 2015, ocorreram 657 adoções de crianças do Cadastro Nacional de Adoção por pretendentes internacionais.
“Como há poucas crianças disponíveis para adoção na Europa, por exemplo, eles precisam procurar fora”, explicou Ana Maria, lembrando que há mais pedidos de Itália e França. Para conseguir efetivar a adoção, no entanto, existem controles estritos: é necessário que os futuros pais/mães permaneçam ao menos 30 dias no país, entre outros mecanismos de avaliação.
O volume de processos no sentido oposto — pedidos de brasileiros por crianças estrangeiras — é muito menor. Em 2015, houve apenas um pedido de adoção de criança estrangeira de país signatário da Convenção de Haia no estado do Rio de Janeiro, e em 2016, dois. Como comparação, em 2015 foram adotadas 23 crianças brasileiras por estrangeiros no Rio, e oito no ano passado. Atualmente, há 300 pedidos de pretendentes internacionais registrados no Cadastro Nacional de Adoção.
Os brasileiros interessados em adotar no exterior precisam, num primeiro momento, dirigir-se à Vara da Infância mais próxima e entrar com pedido de habilitação para a adoção de criança em um determinado país.
A Vara da Infância, por sua vez, remete o processo para a Autoridade Central Brasileira (ACAF), ligada ao Ministério da Justiça. A ACAF entra, assim, em contato com o país referido, informa a pretensão de adoção e envia as documentações necessárias. O órgão aguarda o retorno das autoridades estrangeiras, e o processo não pode avançar enquanto isso não ocorrer.
Quando os pretendentes têm interesse em adotar crianças que não estão na Convenção de Haia (acesse aqui a lista), precisam entrar em contato diretamente com as autoridades do país, e muitas vezes precisam arcar com custos de advogados locais. Trata-se de um processo mais arriscado, na medida em que não envolve autoridades brasileiras.
“Se a criança for de um país não signatário da Convenção de Haia, os pais estarão ainda assumindo todos os riscos, inclusive de envolvimento com tráfico de pessoas”, explicou Silvana, do IBDFAM.
“Muitas pessoas que querem adotar crianças pequenas no Brasil ficam muito tempo aguardando”, explicou Ludmila, da Comissão Estadual Judiciária de Adoção Internacional, lembrando que isso muitas vezes move essas pessoas a buscar a adoção no exterior. “Mas o tempo lá fora muitas vezes pode ser maior”, completou.
No Brasil, há 38 mil pretendentes registrados no Cadastro Nacional de Adoção, para 7,2 mil crianças disponíveis. A demora ocorre porque enquanto 90% dos pais/mães procuram crianças de até 6 anos, somente 27% das crianças disponíveis têm essa idade.
Além disso, há falta de estrutura do poder público para dar andamento aos processos daquelas que ainda estão em abrigos e aguardam indicação judicial para ficarem disponíveis à adoção. “Para esses 40 mil acolhidos (em abrigos), não existem equipes técnicas suficientes nas Varas da Infância para indicar a reinserção familiar ou a adoção”, alerta Silvana, do IBDFAM.