Anistia liga produtos Nestlé a trabalho infantil na Indonésia

Veículo: Portal Vermelho - SP
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A organização investigou as plantações do maior produtor mundial de óleo de palma, a empresa Wilmar, e ligou-as a produtos de 9 empresas globais: Nestlé, Colgate-Palmolive, Kellogg’s, ADM, Procter & Gamble, Unilever, Reckitt Benckiser, AFAMSA e Elevance.

“Não vou à escola. Carrego sozinho o saco com os frutos [de palma] soltos, mas só consigo levá-lo meio cheio. É difícil transportá-lo, é pesado. Também o faço quando está a chover, mas é difícil… Doem-me as mãos e o corpo todo”, contou um rapaz que começou a trabalhar aos 8 anos. Agora com 10 anos, a criança levanta-se às 6 horas da manhã e trabalha todos os dias, exceto ao domingo.

“Gigantes como a Colgate, a Nestlé e a Unilever garantem aos consumidores que os seus produtos usam ‘óleo de palma sustentável’, mas as nossas descobertas revelam que é tudo menos isso. Não há nada de sustentável em óleo de palma que é produzido com recurso a trabalho infantil e a trabalho forçado. (…) Há algo de errado quando nove empresas que tiveram lucros totais combinados de 307 mil milhões de euros em 2015 não são capazes de fazer nada em relação ao tratamento horrível dos trabalhadores nas explorações de óleo de palma, que ganham uma miséria”, disse Meghna Abraham, investigadora da Amnistia Internacional.

A organização pede às empresas que digam aos consumidores se o óleo de palma usado em produtos como os gelados Magnum, a pasta de dentes da Colgate, os cosméticos da Dove, as sopas Knorr, os chocolates Kit Kat, o champô Pantene, o detergente Ariel foi produzido com recurso a trabalho infantil.

Segundo o relatório, há crianças dos 8 aos 14 anos a trabalhar nas plantações sob condições perigosas, sem equipamento de proteção, estando recorrentemente expostas a pesticidas tóxicos e carregando sacos pesados cheios de frutos de palma, que podem chegar a pesar 25 kg. Algumas abandonam os estudos para trabalharem junto aos seus pais durante todo ou a maior parte do dia.

“Tenho ajudado o meu pai todos os dias, durante cerca de dois anos. Deixei de ir à escola para ajudar o meu pai porque ele já não conseguia fazer o trabalho. Ele estava doente… Tenho pena de ter abandonado os estudos. Gostava de ter ido à escola para aprender mais coisas. Queria ser professor”, contou um rapaz que começou a trabalhar aos 12 anos. Os seus irmãos, de 10 e 12 anos, também trabalham na plantação depois da escola.

Cerca de 50% dos produtos nos nossos supermercados contêm óleo de palma ou ingredientes derivados do mesmo. Os óleos produzidos a partir do fruto de palma são baratos e versáteis – daí a grande procura – e são usados em alimentos processados (como chocolate, batatas fritas, bolachas ou cereais de pequeno-almoço) ou transformados em ingredientes como a glicerina e usados em detergentes da roupa, champô, gel de duche, sabonete e pasta de dentes.

O rápido crescimento da procura de óleo de palma tem levado á desflorestação e destruição de florestas tropicais e colocado em risco espécies ameaçadas, como os orangotangos.

O relatório da Amnistia denuncia ainda um “padrão de discriminação” observado: as mulheres são forçadas a trabalhar longas horas sob a ameaça de lhes ser cortado o salário e é-lhes negado emprego permanente, o que as deixa sem direito a seguros de saúde e reformas. Em alguns casos, as trabalhadoras recebem menos de 2,40€ por dia.

Outro problema comum é a exposição à poluição atmosférica dos incêndios florestais e aos químicos tóxicos presentes nos herbicidas, pesticidas e fertilizantes usados nas plantações. Os trabalhadores levam às costas um pulverizador em cujo depósito se encontram estes químicos, entre os quais paraquato – um químico extremamente tóxico que já foi proibido na UE.

A ausência de equipamento de proteção e de ferramentas adequadas faz com que ocorram acidentes com estas substâncias perigosas. “Gostava apenas de me conseguir aguentar em pé equilibrada como antigamente”, disse Yohanna, uma das trabalhadoras afetadas pelos químicos.

Outra trabalhadora contou aos investigadores como o facto de levar um pulverizador com uma tampa partida fez com que se vertessem nas suas costas dois litros de paraquato. Como não existem zonas para os trabalhadores tomarem banho e como era a estação seca, o que significava que não havia água em sua casa, ela não se pôde lavar para remover o químico.

Sete das nove empresas admitiram à Amnistia que usavam óleo de palma da rede de fornecimento da Wilmar, mas só duas – a Kellogg’s e a Reckitt Benckiser – ofereceram mais detalhes sobre os produtos afetados, apontando dificuldades de "rastreabilidade" como um dos fatores por trás do seu desconhecimento dos abusos cometidos nas plantações dos seus fornecedores.

“Usar falinhas mansas sobre ‘rastreabilidade’ é uma total falta de coragem por parte destas empresas”, disse Peter Frankental da Amnistia. “Podemos ter a certeza de que se um dos produtos destas empresas estivesse contaminado e tivesse de ser retirado das prateleiras dos supermercados, eles assegurar-se-iam de encontrar as plantações específicas de onde provinha.”