Apenas 10% dos casos de violência sexual infantil são denunciados no Brasil
Só nos quatro primeiros meses de 2022, foram registradas 4.486 denúncias de abuso sexual sofrido por crianças e adolescentes no país, de acordo com balanço do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. O número alto – cerca de 37 por dia – pode ser ainda maior, já que, também segundo a pasta, apenas dez em cada cem casos de vulnerabilidade, coação e medo são denunciados.
No que se refere à exploração sexual infantil, a subnotificação é até maior, com denúncia de apenas 7%. “Temos um silêncio de 93% dos casos de exploração sexual de crianças e adolescentes, isso porque a sociedade tem uma visão muito distorcida desse crime, que é confundido com a prostituição, algo que não é ilegal no Brasil”, comenta Eva Dengler, gerente de Programas e Relações Empresariais da Childhood Brasil, instituição internacional de proteção à infância.
Diferentemente dos abusos sexuais, que não envolvem dinheiro e geralmente são cometidos por pessoas da família, a exploração sexual – também conhecida como prostituição infantil – é caracterizada pela relação de uma criança ou adolescente com adultos em troca de pagamento em dinheiro ou outros benefícios (veja o quadro abaixo com as diferenças).
De acordo com a pasta, na pandemia houve um crescimento de denúncias pelo Disque 100. Foram 18.681 entre janeiro e dezembro de 2021. O cenário da violação que aparece com maior frequência nas denúncias é a residência da vítima e do suspeito (8.494), a casa da vítima (3.330) e a casa do suspeito (3.098). O padrasto e a madrasta (2.617) e o pai (2.443) e a mãe (2.044) estão entre os maiores suspeitos nos casos. Em quase 60% dos registros, a vítima tinha entre 10 e 17 anos. Em cerca de 74%, a violação é contra meninas.
“Geralmente, quem pratica a agressão ou é da família ou alguém muito próximo. Por isso, a família toma a decisão de não ir avante com a denúncia. Existe um pacto de silêncio sobre esse crime, e as pessoas não entendem que a criança tem o direito de ter sua proteção garantida. Quando a família não denuncia, o risco de continuar acontecendo é muito grande”, pontua Dengler.
Na tentativa de jogar luz sobre a importância de as pessoas discutirem a violência sexual contra crianças e adolescentes, uma série de ações ocorrem em maio, mês caracterizado por debates sobre a prevenção do abuso e da exploração sexual de crianças e adolescentes.
Instituída pela lei 9.970/2000, a data, 18 de maio, é marcada pelo Caso Araceli, que aconteceu em 1973, em Vitória, quando a menina de 8 anos foi sequestrada, estuprada e morta por jovens de classe média alta. Apesar de a vítima ter tido todos os seus direitos violados, o crime ficou impune.
“Este é um mês importante em que o tema ganha visibilidade, mas é preocupante que o assunto seja falado só em maio. Os registros têm acontecido e a gente tem que lembrar que é um crime pouco notificado. Além disso, há uma migração das relações para o ambiente digital. Temos uma preocupação muito grande com a prevenção, no sentido de levar informação para que as pessoas fiquem mais atentas com as crianças que estão mais próximas”, comenta.
Nesta terça (17), o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos lançou um pacote de medidas para a conscientização e a prevenção do abuso e da exploração sexual de menores de idade. O Plano Nacional de Enfrentamento da Violência contra Crianças e Adolescentes faz parte do Maio Laranja.
O plano padronizará o enfrentamento dos abusos em cinco eixos: prevenção; atendimento; defesa e responsabilização; participação e mobilização social; e estudos e pesquisas. As violências (psicológica, física, abuso sexual, exploração sexual e institucional) contra crianças e adolescentes terão um plano orientador.
O secretário nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, Maurício Cunha, ressalta que o Maio Laranja é uma oportunidade para falar sobre essa violação de direitos, que é uma das principais violências cometidas contra esse público. “Chega de violência sexual contra as crianças no nosso país. A qualquer sinal de violência, não hesite: disque 100. Só unindo governos, família, comunidade, Sistema de Garantia de Direitos é que poderemos enfrentar esse mal que assola a nossa sociedade”, aponta.
A Childhood também planeja ações para este 18 de maio. A organização lança a campanha “#CadêOs90”, sobre os dados da subnotificação de casos de violência sexual infantil, com uma projeção de frases na parede de um prédio, localizado na rua Paula Nery, no bairro Vila Mariana, em São Paulo.
Em 2021, 48,4% (9.053) das denúncias de violência sexual contra crianças e adolescentes por meio do Disque 100 foram anônimas. A qualquer momento a central de atendimento da Ouvidoria pode ser acionada, 24 horas por dia, incluindo fins de semana e feriados.
A Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos também dispõe de site, aplicativo (Direitos Humanos Brasil), WhatsApp (61-99656-5008) e Telegram (digitar na busca “Direitoshumanosbrasilbot”), que oferecem os mesmos serviços de escuta qualificada. No caso das crianças e adolescentes, a denúncia também pode ser realizada por meio do Aplicativo Sabe – Conhecer, Aprender e Proteger.
Quando a vítima é criança ou adolescente, a denúncia é encaminhada ao Conselho Tutelar e, nos casos em que a violação configura um crime, à Delegacia Especializada, ou à Delegacia Comum, se não houver a especializada, e ao Ministério Público.