Aprendizagem legal é retirada da MP 1.116

Veículo: Diário do Comércio - MG
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A ameaça era clara: uma medida provisória do governo federal, a MP 1.116/21, colocava em risco o programa Jovem Aprendiz, ao esvaziar uma iniciativa que, atualmente, é responsável pela qualificação de mais de meio milhão de jovens no País.

Para alívio do setor de aprendizagem profissional, o texto aprovado no Congresso na terça-feira (30) e ontem exclui da MP a criação do Projeto Nacional de Incentivo à Contratação de Aprendizes, que permitia às empresas fugir das regras do programa, criado há 20 anos. Mas nem tudo está garantido: um decreto do governo, o 11.061, está em vigência desde o dia 5 de maio e traz os mesmos riscos à formação profissional da juventude.

As negociações atravessaram a semana até que a relatora da MP, Celina Leão (PP-DF), que é membro da bancada feminina, resolvesse retirar todos os artigos que se referiam ao programa Jovem Aprendiz. A deputada sugeriu a rejeição da medida diante das críticas de parlamentares, ressaltando que a contratação de jovens e adolescentes já estava sendo discutida pela Câmara dos Deputados no PL 6461/19, que cria o Estatuto do Aprendiz.

“Ao tratar de assuntos relacionados à aprendizagem profissional, a MP adentrou o escopo do que estava sendo amplamente discutido em comissão especial da Câmara, não reconhecendo boa parte dos esforços legislativos realizados até então”, disse a relatora.

Entre outras “flexibilizações”, a medida suspendia a contratação de aprendizes por até dois anos, impedia a Auditoria-Fiscal do Trabalho de fiscalizar o cumprimento das cotas e perdoava multas das empresas por descumprimento da legislação.

“Foi uma grande articulação das entidades socioassistenciais no Brasil, entre elas o CIEE com principal ator, até pela sua abrangência e força”, revelou o superintendente executivo da entidade em Minas, Kleber Colomarte.

A MP aprovada, então, se restringiu aos artigos que criam o Programa Emprega + Mulher, com normas para incentivar e proteger a empregabilidade feminina. E, como tal, ela foi aprovada na terça pela Câmara dos Deputados, com 395 votos a favor e sete contra, entre os últimos o do deputado Marcel Von Hatten (Novo-RS), que apresentou um destaque pedindo o retorno do texto original.

“A grande maioria dos parlamentares votou a favor de não se tratar o aprendiz dessa forma. Os votos contra foram do Partido Novo, atendendo interesses de empresas que não queriam contratar aprendizes”, lamentou Colomarte.

Ontem, a MP seguiu para o Senado e novamente foi aprovada sem o texto sobre o programa Jovem Aprendiz.  “Foi uma grande vitória, porque a decisão respeitou o trabalho que havia sido feito: garantiu-se o direito da mulher e que os direitos do aprendiz fossem tratados e discutidos de maneira mais ampla e coerente”.

O senador Alexandre Silveira (PSD-MG) considera que a questão chegou a um ponto de equilíbrio. “Aprovamos alguns pontos importantes da MP para incentivar a empregabilidade das mulheres, ao mesmo tempo em que deixamos assuntos mais polêmicos relacionados à aprendizagem profissional para discussão em outro momento. Vamos continuar atentos para garantir uma legislação moderna, mas que garanta a manutenção de direitos”, afirmou Silveira.

Decreto ainda é desafio

Já a coordenadora do Fórum de Erradicação e Combate ao Trabalho Infantil e Proteção ao Adolescente Trabalhador de Minas Gerais, Elvira Cosendey, acredita que a decisão do Congresso foi um ganho parcial, pois a luta não acabou.

Segundo ela, o Decreto 11.061, que está em vigor, “é muito nefasto” para o setor. “Nós ainda estamos definindo as estratégias para mudar esse decreto”, disse. São vários os artigos questionáveis. O decreto não altera a cota de aprendizes obrigatória, ou seja 5% no mínimo e 15% no máximo. No entanto, prevê que o número será contabilizado em dobro quando o aprendiz for egresso de sistema socioeducativo; esteja em cumprimento de pena em sistema prisional ou integre família beneficiada pelo programa Auxílio Brasil, entre outras condições.

Coordenadora da Rede Cidadã em Minas, Daniela Santana revela que um grupo formado por setores do Judiciário, incluindo representantes do Ministério Público e do MPT, está tentando derrubar o decreto no STF. “O que será difícil, principalmente em período eleitoral”, lamenta. “Então temos que aguardar a aprovação do Estatuto do Aprendiz, já que esperamos que ele seja votado este ano ainda”, acrescenta.

Para ela, o caminho neste momento é sensibilizar as empresas para que elas não alterem os contratos dos aprendizes, enquanto a situação não se decide. “Muitos pontos do decreto são mal vistos pela sociedade e isso pode influenciar a empresa. Mas se ela não quiser cumprir as cotas, tem a lei a seu favor, já que o decreto é vigente”, disse.

Para Kleber Colomarte, do CIEE-MG, os próximos passos são revogar o decreto e efetivamente finalizar os trabalhos da comissão especial do PL 6461. “O programa jovem aprendiz foi instituído pela lei 10.097 de 2000, então já são mais de 20 anos da lei vigorando. Precisa ser melhorada? Sim e é isso que a comissão especial está tratando, melhorando sem que haja perda dos direitos do aprendiz”, aponta o executivo.

Segundo ele, são quase meio milhão de jovens aprendizes ativos no Brasil hoje. O que é um número modesto, pois nem metade das empresas cumpre a cota. “Se todas as empresas cumprissem pelo menos a cota mínima de 5%, já passaríamos de um milhão de jovens trabalhando e com a garantia de estarem estudando”, completa.

Empregabilidade das mulheres

A MP aprovada criou o Programa Emprega + Mulher com normas para incentivar a empregabilidade das mulheres. Entre os principais pontos previstos estão a flexibilização do regime de trabalho, qualificação em áreas estratégicas a fim de estimular a ascensão profissional, apoio na volta ao trabalho após a licença-maternidade.

Ao alterar o texto, a relatora Celina Leão  incluiu os homens e as mulheres com crianças entre os beneficiários da flexibilização do regime de trabalho para apoio à parentalidade; ampliou o reembolso-creche e criou o programa de combate e da prevenção ao assédio sexual e outras formas de violência nas empresas.

Outras inovações são a prioridade na qualificação de mulheres vítimas de violência e a ampliação dos valores disponíveis para empréstimos para mulheres empreendedoras e trabalhadoras informais no Programa de Simplificação do Microcrédito Digital para Empreendedores (SIM Digital).

O texto aprovado ainda inclui na legislação a regra de paridade salarial entre homens e mulheres que exerçam a mesma função dentro da mesma empresa.