Atendimento psicológico em escolas previne massacres, diz especialista
Durante o velório coletivo de seis dos dez mortos no massacre da escola estadual Professor Raul Brasil, na Arena Suzano, na quinta-feira (14), os alunos do colégio e de outras instituições da região, ainda consternados com as perdas, demonstraram uma insatisfação em comum: a falta de atenção dada à saúde mental dos estudantes. Elaine Alves, do Instituto de Psicologia da USP, psicóloga com pós-doutorado em luto, emergências e desastres, avalia que atendimentos psicológicos podem prevenir situações como a do crime ocorrido na cidade da Grande São Paulo.
“Não dá para dizer que evita em todos os casos, mas previne. É como uma faixa de pedestre. Você não garante que ela evitará todos os atropelamentos, mas vai prevenir muitos”, analisa a psicóloga, que é categórica sobre a necessidade da presença de psicólogos em todas as escolas: “Já passou da hora de se discutir a presença ou não de psicólogos nas escolas. O que deve ser discutido agora é a quantidade de profissionais para cada escola”.
Elaine indica um atraso na tomada de decisões em relação à presença integral de psicólogos nas escolas do Estado de São Paulo. “Desde que eu me formei, na década de 80, isso já era discutido. Após a tragédia de Realengo, se [a discussão] fosse levada a sério, muita coisa teria mudado. Mas nada mudou”, afirma a especialista.
A psicóloga entende que “são várias as frentes nas quais psicólogos podem trabalhar com profissionais de uma mesma escola: com os profissionais, os estudantes da primeira infância, os da segunda e os adolescentes. É muito benéfico. É inimaginável que ainda não haja um profissional de psicologia [em cada escola]”.
Para ela, são muitas as possibilidades que podem fazer um jovem nutrir sentimentos e comportamentos como os de Guilherme Taucci e Luiz de Castro, autores do massacre em Suzano. “As primeiras discussões se referem ao bullying. E não podem ser descartadas. Há, também, rejeição, exclusão, preconceito. Não dá para jogar só para o bullying, só para a exclusão, só para uma [possível] doença… É uma soma de fatores”, comenta Elaine.
Segundo a mãe de Guilherme Taucci, o jovem sofria bullying na escola, e esta seria a motivação, de acordo com ela, para que o jovem tivesse planejado a ação no colégio em Suzano.
“Nunca encontrei uma escola que aceitasse que acontecem casos de bullying em suas depedências. É preciso que assumam que isso acontece, que todos os tipos de agressividade acontecem. As crianças respondem violência com violência”, afirma a psicóloga, que completa: “É muito comum crianças serem agredidas fisicamente nas escolas públicas, e as pessoas simplesmente ignoram isso. É preciso olhar com seriedade e trabalhar com todas as partes envolvidas”.
“Enquanto falarmos da importância da inclusão, é porque ela ainda não existe. E quando não ela não existir, não haverá mais necessidade de se falar nisso”, pondera.
Atendimento psicológico nas escolas estaduais: como o Governo se posiciona
A Secretaria de Educação do Governo do Estado de São Paulo informou que existem serviços de atendimento psicológicos a alunos — de escolas estaduais ou não —, oferecido pelos municípios, com apoio do Governo. Segundo a pasta, o serviço funciona de maneiras diferentes em cada cidade. A secretaria, no entanto, não soube informar se todos as escolas possuem um profissional.
A reportagem do R7 enviou novos questionamentos, como sobre o funcionamento do apoio do Governo aos municípios e se há a possibilidade de reavaliar esta questão, entre outras perguntas, à pasta de educação, e foi direcionada à Secretaria de Saúde do Estado.
Em resposta, a pasta de saúde afirmou que o serviço de responsabilidade da Rede Básica de Saúde, portanto, dos municípios. A assessoria da pasta reiterou que não é de responsabilidade da secretaria, porque cada município tem suas regras específicas, sua própria estrutura; e, assim, não há um plano de reavaliação para o acompanhamento psicológico das escolas.
Sobre isso, a psicóloga Elaine Alves faz a seguinte afirmação: “Trabalho com muitas escolas em São Paulo. Há escolas que têm psicólogos, mas não são todas. Baseada na minha observação, digo que é um número grande o de escolas que não têm psicólogos. São muitas”, afirma.
A Prefeitura de Suzano também foi procurada. As questões — em suma, sobre como o município lida com o tema — também não foram respondidas.
Depoimentos de estudantes sobre o tema
Carlos Lima, 20, estudante de direito e professor de Clayton Antônio Ribeiro (uma das vítimas) em um cursinho preparatório para escolas públicas em Suzano, esteve no velório de Clayton. Ele acredita que “a pior parte de ter de lidar com essa tragédia é saber que poderia ter sido evitada de diversas maneiras”.
“Deveria haver atendimento psicológico mais presente aos alunos. Desde políticas contra bullying e pela saúde mental dos alunos até segurança nas escolas, que é uma coisa que a gente não tem. [O massacre] poderia ser evitado com medidas simples”, considera Carlos.
Amigo de Clayton Ribeiro, Guilherme da Silva comenta, emocionado, sobre o tema a partir da própria experiência. “Eu já sofri bullying e sei como é. Isso (acompanhamento psicológico) seria bom em todo lugar. Acho que poderia ter impedido que eles fizessem isso”, comenta Guilherme, que também é aluno da escola onde o crime ocorreu.
Também aluno da escola Raul Brasil, Lucas Vinicios, 15, fez aniversário no dia do massacre, no que chamou de “pior dia da minha vida”. O garoto também acredita que a presença de psicólogos pode fazer diferença: “Sim, [pode resolver este tipo de problemas]. “Tem muita gente que sofre com isso todos os dias nas escolas. Acho que seria muito importante”
A reportagem do R7 falou com os psicólogos presentes no velório para atender familiares e amigos das vítimas. Os profissionais disseram, porém, que foram orientados a não responder.