Bebês são tirados das mães e deixam de mamar aos 6 meses de vida em penitenciárias do Pará

Veículo: Globo.com - BR
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Felipe Souza* foi separado da mãe, Jessica Souza*, aos seis meses de vida em uma penitenciária feminina na região metropolitana de Belém. Ele era a única criança no berçário da unidade prisional de Ananindeua e ainda mamava na época da separação. Neste domingo (8), Dia das Mães, ele está com 1 ano de idade e vive com a avó, Antônia Souza*, em Portel, no Marajó, segunda cidade mais populosa do arquipélago e que tem maioria dos habitantes vivendo abaixo da linha da pobreza, registrando Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de apenas 0,483.

O bebê é uma das crianças que, aos seis meses, são separadas das mães detentas no Pará, e que acabam vivendo somente um terço do período considerado ideal por especialistas antes de serem levadas para longe, enquanto a genitora cumpre pena no sistema carcerário. As mães, por outro lado, dificilmente conseguem decisões judiciais para viverem ao lado dos filhos.

O caso de Yago foi levado à Justiça pela Defensoria Pública do Pará e uma medida cautelar tramita na Comissão Interamericana de Direitos Humanos. De acordo com a defensora Anna Izabel Santos, que é vice-presidente da Associação das Defensoras e Defensores Públicos do Pará (ADPEP), houve retirada forçada pelo sistema penitenciário, obrigando a criança a ser levada forçadamente pela avó materna, que não tinha contato.

“A maioria dessas mulheres são presas por tráfico, não envolvendo violência, e o que acontece, apesar de existirem normas no código penal brasileiro, as mães presas não conseguem alcançar direitos que a legislação deveria permitir. O perfil socioeconômico dessas detentas é de mulheres pobres, negras com dois ou mais filhos, que criavam sem ajuda paterna, nunca trabalharam de carteira assinada, escolaridade baixa”, detalha a defensora.

Anna Santos explica que, sobre a questão, há determinação do Supremo Tribunal Federal (STF) a todo poder judiciário e ao sistema penitenciário nacional que fizessem levantamento de quantas mulheres teriam o perfil de gestantes ou mães de crianças na primeira infância para serem soltas. “Mas infelizmente, nós temos um sério problemas de dados quando se fala em Pará. Em razão disso, o projeto Mulheres Livres, da Defensoria Pública em conjunto com a administração penitenciária, enfrenta dificuldades. Mais de 50% das mulheres presas ainda são mães”.

Ainda segundo a defensora, cada estado brasileiro acaba decidindo o tempo em que mães ficam com os filhos. “A justiça brasileira prevê apenas que a mãe pode ficar com o filho enquanto poder amamentar, entre outras possibilidades de encontro específicos. Mas o vínculo na primeira infância é rompido sem qualquer critério por causa da ausência de legislação a respeito da amamentação, mesmo após os seis meses de vida. Por isso, pedimos à Corte Interamericana um posicionamento perante ao Estado brasileiro em relação ao vácuo normativo que acaba por não disciplinar até quanto um recém-nascido pode permanecer junto à mãe, ou seja, até quando a criança vai ter direito de ser amamentada”.

A proposta da Defensoria é que a criança seja mantida até 1 ano e 6 meses de vida com a mãe e que, após esse período, haja avaliação da aproximação da criança com a família que vai ser entregue, além de acompanhamento. “O que acontece na realidade é que quando chega aos seis meses, o sistema vai atrás de quem pode ficar e entrega a criança. Se não achar, vai para abrigo”.

“Fica a questão, já que a prisão só tem obrigação de retirar a liberdade, e não pode afetar outras pessoas, onde está a proteção às crianças? Então o Estado está sendo omisso nesse aspecto”.

Bebês são separados de mães quando completam seis meses de vida no sistema carcerário do Pará. — Foto: Reprodução / Agência Pará

Separação bruta

Estudos científicos da área da psicologia indicam a importância de crianças permanecerem ao lado da mãe ao menos até 1 ano e seis meses, já que neste período elas estabelecem forte relação de estímulo. É consenso também na literatura científica que a ruptura brusca de mãe e filho pode causar diversos problemas à criança, tanto no âmbito psicológico, provocando sentimentos de abandono; e também na questão da alimentação, com o desmame precoce.

O aleitamento materno, por exemplo, é recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) por 2 anos ou mais, sendo a única forma de alimentação da criança nos primeiros 6 meses de vida. Mas, segundo a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), apenas um terço das mulheres no Brasil amamenta os filhos por 2 anos ou mais.

Já para as mães, a separação pode trazer sensação de incapacidade, chegando até ao desenvolvimento de quadros de depressão e transtornos emocionais.

A psicóloga Aline Leal, que pesquisa há seis anos o encarceramento na maternidade, explica que a separação é “uma sombra que persegue as mães desde quando sabem que estão gerando um bebê e até que ela se concretize”. “Essa experiência evoca uma série de emoções, sentimentos, muitas vezes negativos, que passam despercebidos até para a instituição. Muitos estudos investigam como a criança lida com isso, mas e em relação às mães? Como se sentem atravessando esse momento conturbado da relação com aquela criança, quais são os efeitos a curto e longo prazo para ela e para o bebê?”.

De acordo com a pesquisadora, mãe e criança começam a se relacionar muito antes do que se imagina. “Acredita-se que essa relação ocorre antes de a mãe olhar nos olhos do filho, mas vai desde o imaginar que os dois vão se encontrar, desde que a mãe descobre que está grávida, a partir daí começa essa âncora afetiva até que os dois iniciem uma vida que está nos mínimos momentos, a rotina, a troca de fraldas, se configurando como o palco da relação entre mãe e bebê”, explica. E exatamente isto que é interrompido no processo de separação no ambiente do cárcere.

“Há várias ideias equivocadas sobre maternidade no cárcere, muitas vezes que caem numa questão estigmatizante, que coloca a mulher em uma situação delicada de que estariam recebendo privilégios em uma unidade materno infantil, mas é o contrário. Na verdade, elas acabam desenvolvendo o que chamamos de hipermaternidade, por apenas desenvolverem o papel de mãe enquanto estão em cárcere, e isso que resume a ocupação delas é abruptamente interrompido, anulando toda a construção da maternidade. Quais os efeitos disso para a mulher? É por isso que a separação não pode ser de outra forma que gradual. É necessário preparar a mulher para aquele momento, que ela sabe que vai acontecer”.

Atualmente, o sistema carcerário paraense custodia 697 mulheres no regime fechado e 151 no semiaberto. Cinco delas estão cumprindo pena ao lado dos filhos em unidades prisionais reservadas a elas – as chamadas unidades materno infantil.

De acordo com dados da Secretaria de Administração Penitenciária (Seap), são três custodiadas na Unidade Materno Infantil (UMI), que fica no Centro de Reeducação Feminino (CRF) em Ananindeua, região metropolitana de Belém. Das outras, uma está no CRF de Santarém e outra, que é lactante, no CRF de Marituba.

A Seap não informou à reportagem o número mais recente de mães de filhos com até 1 ano de idade custodiadas pelo Estado.

Vida após separação

A dona Antônia conta que o neto nasceu na Fundação Santa Casa de Misericórdia, em Belém, principal maternidade pública do estado. Ela relembra quando foi contatada para buscar a criança, que vivia com a mãe na unidade penitenciária. A viagem leva aproximadamente 30 horas de ida e volta e custou à ela todo o dinheiro que havia, além da ajuda de parentes.

“Foi muito difícil. Ele era muito bebezinho, ainda mamava, mas falaram que se a gente não buscasse ele iria ‘pra’ um abrigo, aí eu disse que não. Peguei o que tinha na carteira e fui buscar meu neto”, relata.

Segundo Antônia, a família vive com dificuldade financeira e tira o sustento de benefícios sociais, já que o marido dela é incapaz de trabalhar. Na casa vive o casal com três crianças. “A barra ficou pesada porque ele só mamava e teve que comer só papinha, depois disso a gente teve que se virar para não deixar passar fome, é uma luta”.

“A gente não esperava isso, mas eu vou cuidar dele até ela sair (da prisão). É complicado, mas estamos indo, graças a Deus”.

Mesmo com todas as dificuldades, Antônia diz que cuidar do neto é como cuidar de um pedaço dela. “Um neto é como um pedaço da gente. Eu fui buscar ele antes que levassem pra um abrigo, mas eu tô feliz mesmo que a gente não passe bom, a gente vai levando a vida. O que não pode é deixar uma criança sofrendo, longe da família”.

*nomes fictícios foram adotados pela reportagem a fim de preservar a identidade da família em vulnerabilidade social.