Bolsa Família reduz pobreza na primeira infância
Em 2018, coordenei a edição de um livro para a fundação holandesa Van Leer sobre a importância da primeira infância e de apoio a programas de desenvolvimento infantil. A publicação, intitulada Da ciência à prática, envolveu uma extensa apuração em todos os estados brasileiros e também em outros países da América Latina (Chile, Uruguai, Peru, Cuba e Colômbia) e em Moçambique, além de entrevistas com especialistas nacionais e estrangeiros (Estados Unidos, Itália, Portugal e Espanha). Um trabalho de fôlego que deixou claro para mim a urgência de investimentos na primeira infância, período que vai do 0 aos 6 anos de idade.
A oferta de cuidados adequados a bebês e crianças pequenas ajuda a promover a saúde física e mental e seu bem-estar social em curto e longo prazos. Como consequência, contribui para diminuir a evasão escolar e aumentar o nível de educação, bem como elevar a renda média e reduzir a violência.
Segundo o economista norte-americano James Heckman, ganhador do prêmio Nobel de Economia em 2000, para cada dólar gasto na primeira infância haverá uma economia de pelo menos 14 centavos por ano durante toda a vida. “É melhor do que investir na bolsa de valores dos Estados Unidos”, comparou Rodrigo Pinto, professor de Economia na Universidade da Califórnia (EUA), que há mais de dez anos participa de pesquisas com Heckman, em entrevista para o livro.
Publicado agora em abril, um novo estudo, realizado pela Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal, em parceria com o Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome, traz dados importantes para a criação e o aperfeiçoamento de políticas públicas voltadas à primeira infância.
O estudo “Perfil Síntese da Primeira Infância e Famílias no Cadastro Único” tomou como base as famílias de baixa renda (renda mensal familiar per capita de até meio salário-mínimo, equivalente a R$ 660) registradas no Cadastro Único (CadÚnico) do governo federal, em outubro de 2023, para traçar um perfil dessas crianças.
Segundo o trabalho, há uma maior concentração de crianças de 0 a 6 anos em famílias de baixa renda do que na média da população brasileira. São cerca de 10 milhões de crianças na primeira infância em famílias com renda mensal per capita de até meio salário-mínimo, o equivalente a 55,4% de todas as 18,1 milhões de crianças dessa faixa etária registradas no país, segundo o Censo de 2022. Cerca de três a cada quatro famílias eram capitaneadas por mães solo, em sua maior parte pardas e com idade entre 25 e 34 anos.
O estudo chama atenção para a importância do Programa Bolsa Família para políticas públicas de erradicação da pobreza. Segundo a pesquisa, a análise das principais fontes de renda (excluídos os programas de transferência de renda) demonstra que quase metade das crianças da primeira infância no CadÚnico (42,9%) está em famílias que não têm fonte de renda fixa.
Sem o apoio do programa de transferência de renda, 81% delas (8,1 milhões) estariam em situação de pobreza ou de extrema pobreza. Levando em conta o Bolsa Família na composição da renda, o percentual cai para 6,7% (cerca de 670 mil). Uma redução de 91,7%. “Ainda assim, há pelo menos 154.322 crianças potencialmente elegíveis a receber o benefício e que não o recebem”, destaca o estudo.
Outro levantamento, intitulado “O Novo Bolsa Família e a redução da pobreza de renda na Primeira Infância”, também publicado agora em abril no Caderno de Estudos Desenvolvimento Social em Debate, do Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome, destaca que “há evidências científicas de que quanto mais cedo a política pública alcançar os mais vulneráveis, mais duradouros e positivos serão os resultados”.
Com um país marcado pelas desigualdades, é importante que todos os níveis de governo invistam seus esforços – e recursos financeiros – em eliminar a pobreza não apenas de renda, mas em suas múltiplas dimensões, como alimentação, moradia, água, saneamento, educação, trabalho infantil e informação.
“Muitas das coisas de que necessitamos podem esperar. A criança não pode […]. A ela não podemos responder ‘amanhã’. Seu nome é hoje”, enfatizou a educadora e poeta chilena Gabriela Mistral (1889-1957) em “Seu nome é hoje”, escrito na década de 1920. Já está mais do que na hora de o Brasil colocar as crianças, especialmente as pequenas, no centro dos debates e das políticas públicas.
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