Brasil tem 2,5 milhões fora da escola; trabalho é principal razão para abandono
Em todo o mundo, existem cerca de 264 milhões de crianças e jovens fora da escola, de acordo com os dados do Instituto de Estatísticas da Unesco. No Brasil, que universalizou o acesso ao ensino básico há quase duas décadas, são 2,5 milhões. Por aqui, o problema não é a falta de escolas, mas situações que rondam a sala de aula; como na maioria dos países da América Latina, a pobreza é a principal causa para a evasão.
Uma tese de doutorado da pesquisadora Vanessa Petró, da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul), identificou que 24% dos deixaram a escola porque precisavam trabalhar, 11% não tinham tempo de se dedicar aos estudos e 10% deles não gostavam de estudar. A gravidez precoce e o uso de drogas foram outras razões citadas.
Os dados da organização Todos Pela Educação confirmam que a desistência se concentra nos anos do Ensino Médio. Na população de 6 a 14 anos de idade, 98,5% estão na escola. Dos 15 aos 17, o índice cai para 82,6%. Especialistas acreditam que não há políticas públicas que tentem reduzir o abandono escolar de forma adequada. “O sistema escolar que não é atraente e que crê na reprovação como processo educativo provoca abandono”, afirma Ricardo Falzetta, gerente de conteúdo do Todos Pela Educação.
Papel das escolas e professores
Além das questões sociais e das crises cíclicas do país, Falzetta pontua questões internas da escola que podem afetar os estudantes, que vão desde violência até dificuldade de acesso e inexistência de transporte escolar. Para ele, as altas taxas de reprovação são o processo mais perverso, já que penalizam em vez de educar. “Isso mostra que a escola não está sabendo lidar com o aluno”, observa.
O final do Ensino Fundamental e o Ensino Médio são as áreas que concentram mais problemas. “Até que ponto os estudantes se identificam com o espaço da escola? Há reconhecimento das suas demandas? Na minha perspectiva, a escola tem falhado quando estabelece objetivos sem haver processo de escuta dos alunos e da comunidade como um todo”, questiona Vanessa.
O professor é fundamental para reverter esse quadro: a carga horária extensa e a necessidade de trabalhar em várias escolas para complementar a renda fazem com que nem mesmo o docente se identifique com a escola em que atua. Trabalhar para criar vínculos, compreendendo cada aluno e seu contexto, passa a ser essencial. “A escola que gera insatisfação e incompreensão leva a taxas mais altas de abandono e repetência”, diz Ricardo.
Para Catarina Costa Fernandes, coordenadora de um projeto em que bolsistas universitários realizam aulas de reforço no Ensino Médio, é preciso acolher afetivamente o jovem para assegurar a permanência nos estudos. “Entendo que os alunos evadem porque muitas vezes a escola adota posturas extremamente tradicionais. Vejo que a escola precisa acompanhar a dinâmica da sociedade. Não quero dizer com isso que ela não deva impor limites, mas entender que o nosso jovem está cercado por inovações e convites nem sempre condizentes com a sua formação”.
Políticas públicas necessárias
Especialistas apontam que o sistema de progressão continuada, adotado a partir dos anos 1990, foi mal implementado: a aprovação automática em massa acontece sem que os problemas dos estudantes sejam resolvidos como, por exemplo, a questão financeira familiar.
Para solucionar o abandono escolar gerado pela falta de recursos, é preciso incentivar a geração de empregos e o empreendedorismo. “Além disso, políticas de saúde pública e de segurança são fundamentais. A violência no entorno das escolas interrompe as aulas e desmotiva os estudantes, o que gera a desistência”, diz Andréa Ramal, doutora em Educação pela PUC-Rio.
Assim como na educação básica, o contexto socioeconômico é também um desafio para a permanência no Ensino Superior. “Fazer um curso superior não envolve apenas pagar as mensalidades, mas também comprar livros e participar de atividades extras. Outra dificuldade recorrente são as lacunas de conhecimento herdadas da educação básica”, aponta Andréa. “Embora consigam entrar na faculdade, uma parte significativa dos estudantes trazem deficiências da formação básica e acabam não conseguindo acompanhar os cursos”, completa.