Brasil tem maior número de estados sem aulas presenciais desde reabertura das escolas, em julho de 2020
A expectativa — a bem dizer, a torcida — era de um 2021 diferente. Mas, diante da escalada de casos e mortes por Covid-19 este ano, pais, alunos, professores e toda a comunidade escolar tiveram que encarar uma dura realidade. Neste começo de abril, o Brasil vive o momento com mais escolas fechadas desde julho de 2020, quando teve início o processo de retorno às aulas presenciais.
Atualmente, segundo levantamento da Federação Nacional das Escolas Particulares (Fenep), 19 estados proíbem atividades educacionais de estabelecimentos privados de ensino. Entre as redes estaduais, são 23 com aulas apenas remotas, segundo dados do Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed).
A má gestão da pandemia levou o Brasil ao topo de um ranking elaborado pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) de países com mais dias de escolas fechadas. O Chile, por exemplo, fechou por 80 dias, e a Colômbia por 150 e a Costa Rica por 180. Países com vacinação da Covid-19 avançada, como os Estados Unidos, se planejam para a reabertura completa, com todos os alunos em sala em tempo integral, já no 2º semestre de 2021.
— Há situações nas quais a escola não pode permanecer aberta. Nos locais em que há transbordamento de casos e colapso hospitalar, por exemplo, é preciso isolamento absoluto — afirma Daniel Becker, pediatra do Instituto de Saúde Coletiva da UFRJ e coordenador da campanha Lugar de Criança é na Escola. — Mas a escola deve ser a última a fechar e a primeira a reabrir quando for possível, como acontece agora no Rio.
Na noite do último domingo, uma liminar suspendeu as aulas no Rio nas redes municipal e privada. Em São Paulo, por enquanto, todas as redes só funcionarão no sistema remoto.
O presidente da Fenep, Ademar Pereira, presidente da Fenep, afirma que a rebertura das escolas particulares a partir do meio do ano passado não foi prejudicial:
— Não contribuímos em nada com a pandemia. Quando fecha tudo, faz sentido fechar colégios também. Mas tem que abrir assim que outros setores voltarem.
Sem condições seguras
Segundo o estudo “Recomendações para o planejamento de retorno às atividades escolares presenciais no contexto da pandemia de Covid-19”, da Fiocruz, escolas são serviços essenciais, crianças são menos infectadas pelo novo coronavírus e a volta aos colégios não foi associada a surtos locais.
Este cenário, no entanto, só pode ser garantido em regiões com a a doença sob controle: “Com a transmissão elevada na comunidade, os alunos e trabalhadores da educação têm maior probabilidade de se infectarem com o vírus da Covid-19 e espalhar mais facilmente nas escolas”, diz o texto.
Assim, o primeiro passo para reabrir escolas é diminuir a transmissão da Covid no entorno da escola. Ainda segundo a Fiocruz, há sete pré-requisitos sanitários para manter atividades educacionais funcionando presencialmente. Entre elas, estão taxa de reprodução (Rt) menor do que 1 e disponibilidade de leitos clínicos e leitos de UTI, na faixa de 25% livres. Atualmente, nenhum estado brasileiro atende a esses dois critérios combinados.
“A polarização entre posições de abertura sem critério ou de fechamento até que tenhamos estratégias de vacinação massivas, além de comprometer, por mais um ano, as funções sociais das escolas na comunidade, impede que esse importante equipamento possa contribuir com o aprendizado para diferentes setores da sociedade”, diz o texto da Fiocruz.
Sem as condições sanitárias ideais, o aprendizado fica a cargo do ensino remoto — que, na escola pública brasileira, tem se apresentado como uma combinação de lições pelo WhatsApp e materiais impressos, o que não basta para garantir o aprendizado, segundo especialistas em educação.
Sem computador em casa ou celular de qualidade, Letícia Peres, de 16 anos, passou 2020 inteiro estudando apenas com materiais impressos e sem contato com professores. Em 2021, a aluna do o terceiro ano do ensino médio do Ciep 026, em Nova Iguaçu (RJ), conseguiu usar o aplicativo de aulas da secretaria estadual de Educação do Rio. Mas a falta de interação persiste.
— Agora, alguns professores estão começando a fazer aula ao vivo. Mas não são todos. A maioria só coloca o material lá e a gente tem que entregar os exercícios prontos — diz a jovem.
‘Isso vai ter um preço’
Pesquisadores já apontam uma séria perda de aprendizagem no país. Um estudo do Banco Mundial mostra que 70% das crianças com até dez anos pode sofrer com “pobreza de aprendizagem”. Ou seja, não aprender a ler e escrever um texto simples para sua idade. E, no final do ensino fundamental, os alunos brasileiros podem regredir a um patamar de aprendizagem de 2015, segundo estudo encomendado pela Fundação Lemann e liderado por André Portela, economista e professor da FGV.
— Após um ano de pandemia, alguns setores já se adequaram. Mas, na educação pública, há falta de estrutura e houve poucos avanços. Isso vai ter um preço. Várias pesquisas demonstram que já há deficit de aprendizagem e evasão crescentes — diz Carolina Nunes, consultora educacional e doutora em engenharia e gestão do conhecimento.
Na rede privada, alunos com mais estrutura tecnológica para acompanhar as aulas se adaptam melhor às lições remotas. Na casa de Ana Guzinski, 32 anos, os meninos de 9 e 12 anos estudam ao lado da mãe, enquanto ela está trabalhado. O mais velho chegou a ir em duas aulas presenciais, mas a moradora de Porto Alegre afirma que não o mandará mais ao colégio até que a crise sanitária passe:
— A aula que ele assiste em casa é a mesma que ele assiste de lá, mas sem o perigo do vírus. Por aqui, eles também interagem e tiram dúvidas.