Brasil tem mais de 200 denúncias de trabalho infantil por mês, apontam dados do governo

Veículo: Globo.com - BR
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Foto: Débora Klempous/Rede Peteca/Chega de Trabalho Infantil

Aos 15 anos, Filipe Gonçalves precisou abandonar a escola para trabalhar como pedreiro. Morava com a avó e os irmãos. Era o homem mais velho da casa e precisou, desde cedo, arcar com a responsabilidade de ajudar a família financeiramente.

Hoje, aos 28 anos, e sem ter conseguido completar o ensino médio, ele relembra: “Na época, foi uma decisão muito difícil, porque eu ia muito bem nos estudos, tirava notas boas. Porém essa falta de estrutura financeira com a minha família meio que me forçou a deixar os estudos”.

No 1º semestre deste ano, o Brasil registrou 1.251 denúncias de trabalho infantil por meio dos canais do Disque 100 — uma média de 208 denúncias desse tipo por mês. O levantamento foi feito pela Globonews com base em dados da Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos, do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania.

O número de denúncias vinha caindo desde os anos 1990, mas voltou a crescer após a pandemia. Em 2019, cerca de 4,5% do total da população de 5 a 17 anos de idade no Brasil realizava algum tipo de trabalho infantil. Em 2022, o número saltou para 4,9% — quase 1,9 milhão de crianças e adolescentes.

Mas, a imensa maioria desses casos não é denunciada. A autora do livro ‘Meninos Malabares – Retratos do Trabalho Infantil no Brasil’, Bruna Ribeiro, explica que há uma naturalização do trabalho infantil no país.

“Por mais que a gente se depare diariamente com situações de trabalho infantil, como o trabalho infantil nos faróis, nas praias e tantas outras formas, o nosso olhar como sociedade muitas vezes não identifica aquela situação como um problema. Existe uma desumanização dessas crianças”, diz.

O trabalho infantil é caracterizado como todo aquele tipo de trabalho realizado por crianças e adolescentes abaixo da idade mínima permitida, que, no Brasil, é de 16 anos — salvo na condição de aprendiz, a partir dos 14 anos.

Ainda assim, uma série de trabalhos considerados perigosos e prejudiciais à saúde são proibidos para qualquer menor de 18 anos.

A pobreza e a desigualdade social são apontadas como as principais causas do alto índice que o Brasil ainda registra de trabalho infantil. Geralmente, ele vem acompanhado de uma série de privação de outros direitos da criança, como o acesso à saúde, à moradia e à educação.

Segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 2023, o principal motivo que leva os estudantes à evasão escolar (41,7%) é a necessidade de trabalhar. Esse foi o caso do Filipe, que conciliou as aulas com o trabalho como pedreiro por cerca de seis meses.

“Eu levantava às 5h, chegava na obra às 7h. Em casa, chegava 18h30, entrava na escola já na segunda aula e saía às 22h. Isso me esgotou bastante. Tive que deixar a escola”, conta.

Para a especialista em direitos da criança e do adolescente, o enfrentamento ao trabalho infantil exige políticas públicas intersetoriais. “É preciso investimento em educação, em saúde e moradia, e em profissionalização dos pais e cuidadores”, afirma a especialista.

“Muitas vezes os adultos dessas famílias também começaram a trabalhar enquanto crianças, não estudaram, não se profissionalizaram e não acessarão o mercado de trabalho formal”, explica Ribeiro.

O trabalho infantil contribui para a ocorrência do chamado ciclo da pobreza, na qual crianças e adolescentes reproduzem condição similar vivenciada por seus responsáveis.

O trabalho infantil também tem relação direta com a escravização da população negra. No Brasil, 66,3% das crianças em situação de trabalho infantil são pretas ou pardas.

“Ele foi institucionalizado com a Lei do Ventre Livre, que dizia que a criança, filha da mulher escravizada, seria escravizada até os 8 anos de idade, quando o senhor dos escravos decidiria se ela seria liberta ou não. Se ela não fosse, era obrigada a trabalhar até os 21 anos”, explica Ribeiro.

“Ou seja, a gente tem aí a institucionalização do trabalho infantil no Brasil. Então não é possível falar sobre enfrentamento ao trabalho infantil também sem falar sobre o enfrentamento ao racismo estrutural”, completa a especialista.

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