Brincadeiras e atividades lúdicas ajudam a identificar e superar abuso infantil
18 de maio é o dia nacional de combate ao abuso e exploração sexual infantil. O Brasil ocupa o segundo lugar no ranking mundial de ocorrências de exploração sexual infantil, ficando atrás somente da Tailândia. Mais da metade das vítimas de abuso sexual (51%) têm entre 1 a 5 anos de idade.
De acordo com o painel de dados da ouvidoria nacional de direitos humanos , a violência contra crianças e adolescentes é a campeã de denúncias (26,98%). Geralmente os agressores são conhecidos da vítima: pais, mães, padrastos, vizinhos, familiares e pessoas próximas.
Atividades lúdicas possuem papel fundamental não só na identificação de abusos sexuais, mas também como tratamento auxiliar na identificação e superação de traumas. Conforme explica Valdir Cimino, fundador da Associação Viva e Deixe Viver que atua com contação de histórias, nessas dinâmicas as crianças acabam expressando suas mágoas e problemas.
“Quando você não dá voz para uma criança, ela vai criar um processo de rejeição porque ela não tem maturidade, conhecimento, nem formas de lidar com isso sozinha”, explica.
Sinais de abuso
Cleo Teixeira, coordenador dos conselhos tutelares de Porto Alegre (RS), diz que muitas famílias acabam descobrindo que as crianças são vítimas de abuso e violência sexual ao levar em um posto de saúde.
“Elas chegam com alguma queixa de que a criança está com corrimento, secreção, machucado, comportamento diferente do habitual (quietude, irritação, não querer se aproximar de alguém específico) e acabam descobrindo a verdade”, explica.
Para ajudar mais pessoas próximas às crianças a identificarem que algo não anda bem, a cirurgiã pediátrica Ana Flávia Saccardo Ratti alerta para as mudanças de comportamento na criança, pois é o que mais chama a atenção.
“Ela fica mais tímida, retraída, triste, fechada, diminui suas falas. É preciso ver como ela era antes e como está agora, quais são as pessoas que ela não quer mais conviver.”
A especialista recomenda atenção se surgirem alguns sintomas como: infecção urinária de repetição, corrimento, mau cheiro nos genitais, dor na evacuação, lesão nos genitais ou qualquer parte do corpo. Também é importante observar se a criança sente medo ou evita a companhia de algum adulto.
“No começo da minha residência, eu peguei um caso de uma menina que insistia em dizer que tinha caído sentada… Quando liberaram as visitas, o filho do padastro dela, que tinha 18 anos, veio e ela não queria ver ele. Então nós acionamos o conselho tutelas e ficou verificado que ele abusava dela”, lembra Ana.
Situação agravada na pandemia
Os números relacionados ao abuso e exploração sexual infantil no último ano no meio on-line também são preocupantes. De acordo com a Safernet Brasil , o site recebeu e processou mais de 96 mil denúncias anônimas de pornografia infantil em 2020 – em 2019, este número era de 46 mil.
Diante desse contexto, entidades de defesa da criança e do adolescente lamentam a redução de recursos e dos horários de atendimento de conselhos tutelares, CRAS, CREAS e demais centros de acolhimento a crianças em situação de abuso e exploração sexual.
“A gente vem assistindo nos planos orçamentários, especialmente em âmbito nacional, uma redução de investimento na proteção do enfrentamento ao abuso e exploração sexual infantil . Isso vai contra o artigo 4º do Estatuto da Criança e do Adolescente, que determina a garantia de prioridade de destinação de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção à infância e à juventude”, diz a advogada Ana Claudia Cifali, do Instituto Alana.
Com isso, iniciativas de ONGs, institutos, associações e até outros poderes do estado (como o judiciário) acabam assumindo a responsabilidade de garantir assistência às vítimas. O Instituto Alana e Ministério Público de São Paulo, por exemplo, produziram um guia operacional de enfrentamento à violência sexual contra crianças e adolescentes . Trata-se de uma forma de tentar contornar o problema da falta de recursos.
“Nós queremos implementar este guia que já está em andamento. A ideia é articular a rede de proteção: escola, rede de saúde, locais de assistência, conselho tutelar, entre outros, de forma a fortalecer os espaços que recebem as denúncias. Existe um foco muito grande na punição do agressor, mas nem sempre existe um trabalho de apoio e recuperação para a criança”, explica.