Busca ativa leva 200 mil crianças e adolescentes de volta às escolas
Busca ativa: em meio a discussões sobre o novo Ensino Médio, iniciativa da UNICEF cria soluções para que comunidades se engajem no combate à exclusão escolar. Adesão conta com mais de três mil municípios em 22 estados brasileiros
Depois da pandemia da Covid-19, a volta às aulas presenciais trouxe desafios significativos para os municípios brasileiros. A reinserção dos alunos nas escolas não se deu de maneira uniforme, trazendo à tona as desigualdades educacionais de crianças e adolescentes já socialmente mais vulneráveis.
Um estudo de 2022 do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) com base em dados da Inteligência em Pesquisa e Consultoria Estratégica (Ipec), constatou que cerca de dois milhões de meninas e meninos, entre 11 e 19 anos, abandonaram a escola antes de concluírem a educação básica. Isso representa 11% do total da amostra divulgada.
A pesquisa apontou que entre os que não estavam frequentando a escola, (48%) deixaram de estudar, porque precisavam trabalhar fora. Dificuldades de aprendizagem com 30% dos respondentes. Em seguida, 29% desistiram, porque a escola não tinha retomado atividades presenciais e 28% deles disseram que tinham que cuidar da família. Ainda entre os temas estão a falta de transporte (18%), gravidez (14%), desafios por ter alguma deficiência (9%), racismo (6%), entre outros.
Por isso, iniciativas sociais como a busca ativa escolar da UNICEF podem contribuir para mitigar essas situações e o possível abandono. Criada em parceria com a União dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime), a busca ativa é uma plataforma gratuita para ajudar estados e municípios no combate à exclusão escolar.
Nos últimos seis anos, a iniciativa trouxe de volta às salas de aula mais de 193 mil crianças e adolescentes por meio da adesão de mais de três mil municípios e 22 estados brasileiros. Além disso, só no primeiro semestre de 2023 o projeto já identificou e (re)matriculou mais de 51 mil alunos em todo o país. “Graças à criação de políticas intersetoriais nos municípios e estados e ao suporte desta plataforma, já temos 200 mil casos em estudo,” conta Mônica Dias Pinto, chefe de Educação do UNICEF.
Segundo ela, as estratégias que compõem a busca ativa vêm sendo aprimoradas ao longo do tempo, tanto que o acesso aos dados dos alunos cadastrados, segue rigorosamente a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD). “O prefeito ou o secretário estadual de educação adere oficialmente à plataforma e estabelece um comitê intersetorial, além de suas secretarias, que fica responsável por acessar esses dados”, explica.
E é por meio dessa ferramenta que é feita toda a gestão das informações sobre a situação de cada estudante nos municípios e estados. “Depois da identificação, é aberto um chamado e um agente verificador visita o local onde essas crianças vivem, aprofundando a pesquisa para compreender os problemas e as questões que enfrentam,” acrescenta.
A evasão escolar é causada por diversos fatores, incluindo a mudança da família para outra região, vulnerabilidade social, violência sexual ou doméstica, violência urbana. “Às vezes, descobrimos situações problemáticas, como uso de drogas, alcoolismo, abusos,” desabafa Mônica.
O dia a dia da busca ativa nas escolas
A diretora da Escola Estadual Dom Agnelo, Fátima Santana de Almeida, destaca a importância de promover na sociedade uma cultura de valorização da educação. Para ela, a frequência dos alunos envolve questões complexas e abrangentes. “É um esforço que vai muito além dos pais e professores, na verdade, diz respeito a toda a sociedade e sua rede de apoio. Empresas, por exemplo, poderiam encorajar seus funcionários a participar das atividades escolares de seus filhos, oferecendo flexibilidade para que possam comparecer às reuniões e acompanhar o progresso escolar da criança”, ressalta.
Na perspectiva da educadora, a busca ativa é também uma questão cultural. “Na nossa escola, já realizávamos esse trabalho antes mesmo de ele ter esse nome e muito antes da pandemia. Reconhecemos que as crianças precisam frequentar a escola para expandir seu vocabulário e se socializar. Isso também está relacionado à inclusão”, afirma.
Fátima relata que a tecnologia atual e a rede de apoio têm sido cruciais nesse processo. “Realizamos trabalho de escuta e apoio. Por exemplo, se um aluno tem três faltas, o professor entra em contato com a família. Se não obtivermos resposta, a secretaria da escola é acionada. E, se ao conversarmos com os pais ou responsáveis identificarmos algum aspecto de vulnerabilidade, pedimos apoio à rede de proteção, ao Conselho Tutelar, ao CAPES e às UBS, que são nossos parceiros de longa data”, acrescenta.
Maria da Cruz Santos, diretora da escola municipal EB Demétrio Rodrigues Pontes, na cidade de Cajamar, em São Paulo, observa que nas áreas rurais a situação é ainda mais desafiadora. “Além da pobreza, descobrimos por meio da busca ativa que algumas crianças não frequentavam a escola devido à falta de transporte. Deveríamos ter um micro-ônibus para buscar e levar esses alunos”, desabafa.
Para Maria, os familiares precisam compreender a importância da presença das crianças na escola. “Além de ser um ambiente social, a escola é um local protetor, construtivo, acolhedor e de aprendizado. Aqui, eles recebem apoio, alimentação e assistência.” Ela conta que, semanalmente, faz um checklist das atividades junto aos professores e aplica estratégias simples para tentar alcançar essas famílias. “Durante as reuniões de pais, por exemplo, apresentamos vídeos educativos com mensagens reflexivas. Nosso objetivo é fazer com que eles entendam e reflitam sobre os benefícios reais da escola para seus filhos.”
Fátima, da Escola Dom Agnelo, descreve várias maneiras pelas quais a busca ativa é implementada em sua escola, incluindo diálogos com os pais e alunos, parcerias com o comércio local, igrejas, interações nas redes sociais e grupos de WhatsApp, entre outras abordagens. “Temos muito apoio em nossa região. Houve épocas em que as UBS também nos ajudaram com a busca ativa. Como os agentes de saúde iam às casas pessoalmente, eles aproveitavam para informar que a escola estava procurando. A gente não podia usar o nome da criança, então criamos cartazes e os colocamos nos portões da escola”, relembra a educadora, que também adotou na escola o envio de mensagens de texto (SMS) para conseguir informações sobre os alunos, incluindo suas condições de estudo e os motivos de suas ausências.
Trabalho contínuo
Além de campanhas bem-sucedidas, como a iniciativa “Fora da Escola não pode!“, também promovida pelo UNICEF e destinada a garantir que cada criança e adolescente esteja na escola e aprendendo, pequenas ações diárias podem gerar resultados positivos, aproximando a escola das famílias e proporcionando meios de localizar e monitorar crianças e adolescentes que não frequentam a escola para trazê-los de volta.
“Devido ao esforço concentrado da busca ativa, descobrimos que uma aluna de 13 anos havia abandonado a escola para cuidar de seu bebê. Mobilizamos uma rede de proteção social para apoiar aquela menina e conseguimos que ela retornasse e completasse o ensino fundamental. Hoje sei que ela está cursando o ensino médio”, comemora Maria.
Para Fátima, é fundamental conscientizar cada pessoa sobre seu papel social, independentemente de qualquer programa. “Precisamos lembrar que a escola é um espaço de promoção social, onde a criança se reconhece como protagonista na construção de sua história. Quando nos envolvemos nesse trabalho, nos apaixonamos por ele”, conclui.
Para saber mais sobre o direitos das crianças, conheça a newsletter Infância na Mídia.