Casos de violência contra crianças e adolescentes crescem na pandemia
O caso do menino Henry Borel, de 4 anos, que morreu após sofrer agressões, tem comovido o País e deixa um alerta sobre violência contra crianças. A mãe, Monique Medeiros, e o padrasto de Henry, um vereador carioca mais conhecido pelo nome de Jairinho, estão sendo investigados.
Muitas crianças e adolescentes sofrem agressões dos mais diversos tipos todos os dias e essas passam batidas, são normalizadas. Dados indicam que, na maioria dos casos, a violência parte de pessoas que fazem parte do círculo social mais próximo da criança.
Paulo Endo, professor do Departamento de Psicologia da Aprendizagem e da Personalidade do Instituto de Psicologia da USP, afirma que “a criança, como qualquer pessoa em uma relação assimétrica de poder, está em situação potencialmente violenta”. A situação de total dependência dos pais permite que o adulto decida se violentará ou não a criança, se será excessivo ou não.
As formas de violência contra crianças e adolescentes são diversas, como explica Juliana Martins Monteiro, médica pediatra e coordenadora do Grupo de Atendimento à Violência Infantojuvenil do Instituto da Criança do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP. Entre elas, estão a violência física, violência sexual, violência psicológica, a negligência, o bullying e o cyberbullying. “Excepcionalmente, a criança chega aos serviços de saúde com queixa de violência. Podemos suspeitar dela por meio dos sinais, físicos ou não, pelo olhar e escuta atenta, já que a criança pode se mostrar com medo, muito introvertida ou com alterações no comportamento”, diz.
AUMENTO DE CASOS NA PANDEMIA
Segundo a médica, dados nacionais e internacionais apontam para um aumento nos casos de violência durante a pandemia, tendo em vista que o isolamento social expõe adolescentes e crianças a situações de vulnerabilidade. Essas situações podem ser “a impaciência do mundo adulto, o agravamento de violências já existentes e o aumento da exposição ao mundo virtual”, afirma Juliana.
Por outro lado, em meio à pandemia, ocorre uma subnotificação dos casos, porque o distanciamento social priva crianças e adolescentes do contato com a escola, com os vizinhos, familiares, amigos, serviços de saúde, reduzindo a percepção da violência, denúncias e as medidas de proteção das crianças e adolescentes.
A NORMALIZAÇÃO DA VIOLÊNCIA CONTRA CRIANÇA E SEU CUSTO
As agressões não chegam ao nível extremo da morte em todos os casos, mas deixam marcas para o resto da vida naqueles que as sofreram. Paulo Endo comenta que os casos de violência podem deixar resultados traumáticos e profundas feridas psíquicas e que “custam muito para chegar a uma atenuação, resultando, então, na impossibilidade de cuidar de si, da própria vida, de estabelecer relações com seu futuro, comprometendo o desejo de viver. As pessoas podem ter questões e problemas em áreas específicas em sua vida, como no trabalho, na sua capacidade de se divertir, em ter relações amorosas satisfatórias, ao escolher parceiros que sejam não violentos, não abusivos”, explica.
Em alguns casos, além de negligenciadas, as agressões são normalizadas. Paulo Endo afirma: “Há pessoas da minha geração que dizem ‘uma vez eu dei uns tapinhas, acho que é impossível educar uma criança sem dar uns tapas aqui e ali’. É interessante pensar que o tapa surge em lugar da linguagem, substituindo e fazendo evadir a possibilidade da conversa”. Mas o professor diz que muitos teóricos da psicanálise evidenciam e insistem que a intenção do diálogo, da empatia, da aproximação e da compreensão já aparecem assim que a criança nasce e deve ser alimentado desde o início.
O QUE FAZER NESSES CASOS?
Juliana Martins ressalta que todos têm o dever de cuidar e proteger as crianças e adolescentes contra qualquer tipo de violência. “Devemos denunciar ou notificar a suspeita de violência aos meios legais, seja ao Conselho Tutelar, delegacias especializadas, disque 100, varas da infância e outros. Mas devemos também buscar serviços de saúde para o atendimento da criança e adolescente junto a profissionais de saúde competentes para uma melhor avaliação, garantindo o tratamento adequado e as medidas de proteção para a criança e para o adolescente”, encerra.