Casos de violência em escolas impactam a saúde mental de todos os adolescentes, afirmam especialistas

Veículo: O Globo - RJ
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Violência em escolas impactam a saúde mental de todos os adolescentes. Aumento de ataques em instituições de ensino pode gerar medo e ansiedade entre os jovens, o que demanda uma postura ativa de pais e escolas

Casos de extrema violência como o da última segunda-feira, em que um estudante de 13 anos matou uma professora a facadas e feriu outras três, além de dois alunos, em São Paulo, têm crescido no país. Segundo um levantamento de pesquisadores da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e da Universidade Estadual Paulista (Unesp), foram mais de um ataque por mês em escolas brasileiras desde agosto do ano passado – contra apenas 13 registros nos 20 anos anteriores.

Os episódios repercutem em âmbito nacional e comovem desde os mais novos até os mais idosos. Mas qual o impacto para o psicológico dos adolescentes, faixa etária envolvida na maioria dos acontecimentos, em perceber que um ambiente frequentado por eles diariamente tem se tornado cenário de ataques?

— Atendo muitos adolescentes e tem sido pauta nas consultas nesta semana, do medo e ansiedade de frequentar aulas, de acontecer uma situação semelhante. É um caso que pode despertar gatilhos novos. É importante acolher esse medo, as dúvidas, abrir espaço para uma conversa. O adolescente já é bastante recluso de um modo geral, então esse espaço para eles se colocarem é necessário, até para entender quando é necessário pedir ajuda — diz a psicóloga de crianças e adolescentes Nathália Brandão, especialista da plataforma materna Baby Concierge.

Guilherme V. Polanczyk, professor da Universidade de São Paulo (USP) e vice-presidente da Associação Internacional de Psiquiatria da Infância e Adolescência, explica que esse impacto varia de acordo com as características do jovem, e é acentuado justamente entre aqueles que já sofrem com queixas de ansiedade.

— É uma situação traumática, muito próxima deles e que eles podem se identificar facilmente. É algo real, que “comprova” eventualmente que as ameaças que existem no mundo são reais e que podem atingi-los. E é isso que uma pessoa com ansiedade vive, ameaças em diferentes contextos e situações do dia a dia que eles temem que possam acontecer de fato — diz o especialista.

A preocupação é importante especialmente devido à alta taxa de jovens que vivem com ansiedade no Brasil. Um monitoramento coordenado por Polanczyk desde 2020, publicado no ano passado, acompanhou quase seis mil adolescentes e identificou que cerca de 36% relatavam sintomas de ansiedade ou depressão.

Outras formas de violência

A psicóloga clínica Ilana Pinsky, pesquisadora da Fiocruz e autora do livro “Saúde Emocional: como não pirar em tempos instáveis”, afirma ainda que o tema é importante pois essa violência que impacta o psicológico dos jovens não é restrita aos casos mais extremos, como o mais recente.

— No Brasil, existe uma violência que as crianças estão expostas no dia a dia, e os casos nas escolas estão inseridos nesse panorama. E é algo muito relevante para a construção e a forma como as crianças e os adolescentes se veem no mundo. Existem muitos estudos mostrando que esse impacto não só existe, como é importante. Um problema é quando os jovens começam a normalizar essa violência, como se fosse algo habitual que acontece e sobre o qual não se há controle — diz a especialista.

Uma pesquisa realizada no início de 2021 na região metropolitana de São Paulo pelo Comitê Paulista pela Prevenção de Homicídios na Adolescência constatou que oito em cada dez jovens de 12 a 19 anos já viram ao menos uma situação de alguma forma de violência em escolas.

— O efeito emocional desses eventos tende a ser maior também a depender do quão mais próximas as crianças estão do caso em si. Mas tem outros fatores que são importantes, como o quanto de experiências anteriores eles já sofreram por conta de violência. Se eles vivem em uma família que já é violenta, ou numa comunidade violenta, o impacto costuma ser maior — afirma Ilana.

Um dos erros é comparar a capacidade de os adolescentes lidarem com situações adversas aos adultos, o que não é verdade. Uma das explicações é até mesmo cerebral: existe um processo de amadurecimento do cérebro chamado de mielinização que apenas se completa aos 25 anos.

— Se para nós adultos já é difícil às vezes lidar com as emoções, imagina para os adolescentes que estão num momento de amadurecer emocionalmente? E a ansiedade já é algo bem característico da adolescência, então é normal que eles não saibam lidar com as emoções — pontua Nathalia.

Quais as orientações para os pais

Polanczyk explica que outros impactos psicológicos que episódios como o da escola podem gerar é o estímulo a jovens que já se sentem rejeitados e veem a escola como um lugar ruim a encarar os ataques como algo positivo. Além disso, para outros indivíduos pode levar a uma desconsideração da gravidade do caso, o que também é algo que não deve ocorrer.

— Nós temos visto uma divulgação massiva, inclusive com imagens gráficas. E da mesma forma que lidamos com o suicídio, existe um risco de disseminação quando o acesso é tão explícito e intenso. Tudo gera muita preocupação em estimular crianças e adolescentes a cometerem atos semelhantes. O ideal é que não seja algo pontuado repetidas vezes e que eles estejam expostos a todo esse barulho sobre o caso — diz o psiquiatra.

Ainda assim, evitar a massificação dos ataques não é fingir que o assunto não existe, especialmente para pais com filhos adolescentes e profissionais das escolas, complementa o especialista. Encarar o medo gerado a partir do caso é algo importante, desde que seja feito com responsabilidade.

— É muito importante que tanto a família quanto a escola conheçam as características das crianças e a partir disso entenda quais são as melhores intervenções. Se tenho alguém que é mais ansioso, que está com muito medo, vou precisar de um tipo de abordagem diferente, que envolva explicar por que isso aconteceu e o que pode ser feito para que não se repita, para tranquilizá-lo. Se eu tenho um adolescente com maior perfil de rejeição, de agressividade, preciso enfatizar a gravidade da situação — afirma.

Ilana destaca que existem alguns sinais de que o adolescente pode estar mais impactado e passando por um sofrimento mental além do usual, como uma consistente piora no desempenho acadêmico, dificuldade na concentração, na capacidade de regular o humor, no sono. Uma pessoa que era super expressiva, mas passa a ficar mais reativa, sem demonstrar grandes emoções, com queixas muitas vezes até físicas, também é um alerta.

— Uma das funções dos pais é dar o espaço para os jovens falarem sobre o assunto. Frequentemente os pais pensam que assuntos difíceis não devem ser abordados, para “poupar os jovens”, só que eles já estão pensando sobre isso e podem não estar sentindo que tem um espaço para falar sobre. Os pais têm de ser capazes de abrir o diálogo e mostrar que, embora impactados pela situação, não quer dizer que é algo que vai acontecer o tempo inteiro. O discurso não pode partir de um lugar de “o mundo não tem jeito”, de um lugar catastrófico — orienta a especialista.

Esse olhar atento é importante inclusive para buscar identificar sinais de que o adolescente possa estar sendo encorajado pelo episódio. Ainda que seja algo difícil de prever, Ilana explica que algumas atitudes que os pais podem tomar é não perpetuar cenários de violência em casa, mesmo que verbais, e não deixar de lado se o jovem tem um comportamento mais agressivo.

— Não se pode entrar num processo de negação quando nossos filhos têm uma tendência mais violenta, agressiva. Isso não quer dizer que ele vá fazer algo, mas é importante não colocar panos quentes sobre isso e conseguir lidar com essa realidade. Particularmente os meninos, quando estão deprimidos, demonstram muito pela violência. É importante monitorar, o que não significa sufocar, mas estar atento e eventualmente buscar ajuda quando se vê que os comportamentos tendem a ser agressivos com uma certa constância, se começam cedo ou se na adolescência passam a aumentar — diz a especialista.

Polanczyk acrescenta ainda o papel da escola em discutir temas relacionados e estar atento não só aos alunos com maiores tendências violentas, mas àqueles que podem precisar da ajuda de um profissional para lidar com o impacto psicológico dos casos.

— São dificuldades que passam despercebidas pois não há um sistema efetivo de identificação e manejo desses alunos. Quando isso não existe, os problemas acabam evoluindo e chegando a esses extremos. A taxa de agressividade nas escolas é muito alta e vem crescendo nos últimos anos. Mas um ambiente escolar positivo tem inúmeros benefícios, e imaginamos que consiga evitar uma situação como essa e outras muitas que ocorrem no dia a dia — afirma o psiquiatra.

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