Com novo olhar, adolescente opta pela escola, e isso reduz a evasão
Até poucos anos atrás, as histórias de crianças e adolescentes de segmentos menos favorecidos na educação eram bem parecidas. Para ajudar a família financeiramente, muitos abandonavam os estudos sem mesmo ter completado o Ensino Médio, alguns até bem antes disso. A maioria não retornava. Uma outra possibilidade era a de, em virtude da fraca formação inicial, as reprovações se tornarem constantes com o passar dos anos, gerando desinteresse no ambiente escolar. Os maus resultados, quase que inevitavelmente, levavam à evasão escolar.
Recessão pode gerar retrocessos
Hoje, as perspectivas mudaram, pelo menos para boa parte desses jovens. Permanecer na escola e completar os estudos sem interrupções não é mais exceção, não é mais privilégio. Números da última Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mostraram que, no Ceará, mais jovens de baixa renda estão conseguindo concluir o Ensino Fundamental e o Ensino Médio em idades adequadas. Os dados foram divulgados pela ONG Todos pela Educação.
Entre os alunos mais pobres entrevistados, o estudo revelou que, no Nordeste, por exemplo, em 2005, apenas 25,8% terminavam o Ensino Fundamental aos 16 anos e 9,2% chegavam ao fim do Ensino Médio aos 19, idades consideradas “aceitáveis” para o término de cada etapa. Nove anos depois, em 2014, a taxa de conclusão do Ensino Fundamental aos 16 avançou para 54,1%. O mesmo aconteceu no Ensino Médio, no qual o percentual subiu para 32,4%.
Redução da evasão
O aumento das taxas de conclusão do ensino na idade certa tem relação direta com a redução da evasão escolar, também registrada nos últimos anos no Ceará. Nas escolas estaduais, por exemplo, entre 2007 e 2014, o abandono passou de 16,4% para 7,8%. Nas instituições municipais, o índice médio de evasão de 2010 a 2014 foi de 4,32%.
“Acredito que isso é reflexo dos investimentos realizados no contexto educacional da última década, assim como a pequena melhoria na qualidade de vida da população brasileira, nesse mesmo período”, afirma a professora Adriana Eufrásio Braga, da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Ceará (UFC). “O conjunto desses fatores promoveu repercussões na vida de jovens, que, mediante a precária situação financeira, eram obrigados a trabalhar e contribuírem com o orçamento da família, deixando de lado a vida estudantil”, acrescenta.
Mas a docente destaca algo novo. Para além do avanço na geração de renda, a percepção sobre a educação entre as famílias de baixa renda mudou. Se, antes, o estudo ficava em segundo plano diante da necessidade de sustentar a casa, hoje pais e filhos conseguem ver a importância de permanecer na escola, apesar das dificuldades.
“No momento em que as famílias tiveram a oportunidade de manter os filhos na escola, aquelas que vislumbravam a importância da formação educacional de seus jovens conseguiram mantê-los de forma regular na rede de ensino”, diz Adriana.
Mudança de visão
A visão é partilhada pelo professor Wagner Andriola, também da Faculdade de Educação da UFC. “Aconteceu uma mudança de visão sobre a educação. Hoje, as famílias e os jovens de segmentos sociais menos favorecidos percebem que é melhor estudar um pouco mais e se inserir no mercado de trabalho mais tardiamente do que se tornar mão de obra desqualificada. Houve uma descoberta do poder da educação como forma de obter condições melhores de vida, de galgar novos avanços”, salienta.
As mudanças no contexto social da educação possibilitaram que histórias como a da estudante Rayane Maia, 17, tomassem novos rumos. Aluna de escolas públicas desde a infância, a adolescente, hoje no último ano do Ensino Médio, sempre conviveu com a dificuldade financeira. Depois que os pais se separaram, há cerca de sete anos, a família se sustenta, basicamente, do trabalho da mãe, vendedora autônoma. O dinheiro que arrecadam não é muito, mas, segundo Rayane, a renda garantiu que ela continuasse na escola após momentos difíceis.
Exemplo
“No início do ano passado, minha mãe perdeu o emprego de carteira assinada. Foi muito difícil. Pensei em parar de estudar para ajudar em casa. Não aguentava vê-la triste porque não tinha dinheiro para pagar minha passagem de ônibus para a escola”, conta. Mas a própria mãe impediu que a adolescente abandonasse a escola. “Ela disse que a única coisa que podia me deixar eram meus estudos. Justamente porque ela teve que sair da escola muito cedo, no oitavo ano, para trabalhar e ajudar minha avó”, completa Rayane.
Agora, ela se prepara para terminar o Ensino Médio, prestar o Enem no fim do ano e entrar na universidade, no curso de Medicina. “Hoje, vejo que, mesmo com dificuldade, é possível continuar na escola”, diz.
Desafios
Mas, apesar dos avanços, ainda há muito o que fazer para garantir que estudantes de classes sociais menos favorecidas tenham a escola como primeira opção. Segundo Rogers Mendes, coordenador de avaliação e acompanhamento da educação da Secretaria de Educação do Estado (Seduc), existem, atualmente, dois desafios: manter os estudantes na escola e trazer crianças e adolescentes que abandonaram os estudos de volta à educação.
“No Nordeste, a questão social está muito relacionada à educação. Quanto maior for a rede de proteção para os estudantes e famílias pobres, maior é o chance de permanência na escola. O que os estados têm tentado fazer é organizar melhor essa rede e mobilizar as famílias sobre a importância da escola”, destaca.
“Além disso, temos uma política muito forte de alfabetização, para que as crianças sejam alfabetizadas na idade certa, evitando a distorção idade-série, o desinteresse e o abandono”, enfatiza Rogers Mendes.
Sobre as estratégias para atrair os que se evadiram, o coordenador afirma que é preciso criar uma estrutura pedagógica que torne a escola mais interessante. “Eles precisam encontrar uma escola diferente. Não podem voltar para o mesmo lugar em que estavam. É necessário que esses jovens se encantem pela a escola e tenham vontade de permanecer”, diz.