Com uma ocorrência de trabalho infantil por dia, Minas lidera ranking no Brasil

Veículo: O Tempo - MG
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Trocar a sala de aula por ambientes de trabalho não é uma escolha para nenhuma criança ou adolescente. Mas a entrada precoce – e sem direitos garantidos – no mercado de trabalho é mais uma realidade que se escancara em meio à crise econômica que arrasa a situação financeira das famílias. Em todo o país, cerca de seis menores de idade foram encontrados diariamente no trabalho infantil até julho, segundo dados do governo federal, totalizando 1.298 ocorrências.

E Minas Gerais é o Estado brasileiro que mais registrou casos em que crianças e adolescentes foram flagradas nestas condições. Foram 269 registros entre janeiro e julho de 2022, uma média de um caso diário, mantendo-se na dianteira nacional pelo segundo ano consecutivo. As informações constam no painel da Subsecretaria de Inspeção do Trabalho do Ministério do Trabalho e Previdência. Deste total, a grande maioria, 218, são meninos, enquanto 51 são meninas. Todos os menores que foram encontrados durante as fiscalizações tinham entre 12 e 17 anos.

No Brasil, não há dados atualizados sobre o tamanho do público infantil que está submetido ao esforço profissional. A última estatística publicada pelo IBGE, em 2019, indicou 1,8 milhão de crianças e adolescentes trabalhando no país. “O trabalho infantil é um fenômeno completo, a gente vai desde as piores formas com crianças trabalhando em um lixão, até mesmo na economia formalizada”, afirmou à reportagem uma fonte ligada ao combate nacional do trabalho infantil que pediu para ter a identidade preservada.

Uma das atuações mais comuns aos menores que já estão inseridos na vida profissional é no mercado informal – segmento que também tem abarcado profissionais já adultos que não conseguem reposicionamento em vagas formais. Neste sentido, os fiscais do trabalho têm notado atuação em feiras e pequenos comércios familiares, propriedades rurais, serviços domésticos, oficinas, lava jatos e até em áreas de colheita no campo.

Em quase a metade de todos os casos observados em Minas, os fiscais encontraram crianças e adolescentes atuando em setores da chamada lista de piores formas de trabalho, quando há mais risco à saúde física e psicológica. Foram observados 131 registros até julho no Estado em contextos que envolvem exploração sexual e atuação na indústria da construção civil.

No ato das fiscalizações, coordenadas pela Subsecretaria de Inspeção do Trabalho, a situação de cada criança é avaliada individualmente para verificar a quais violações estava sendo submetida. A depender da gravidade, outros órgãos como Ministérios Públicos e Polícias e conselhos tutelares podem ser acionados. Os responsáveis pelos estabelecimentos que mantém o trabalho infantil também são indagados sobre a situação escolar dos menores.

“A pobreza é um fator importante para determinar o trabalho infantil, mas não é apenas ela. É uma soma de fatores. Muitas vezes, até por questões culturais, acaba se dando mais valor ao trabalho em detrimento à educação. Só que às vezes uma região que é mais pobre, mas que tem uma estrutura educacional um pouco mais forte, já consegue diminuir a incidência do trabalho infantil”, acrescentou à reportagem.

Crise impacta diretamente

Procurador do Ministério Público do Trabalho em Minas, Wagner Gomes do Amaral afirma que o agravamento da situação socioeconômica no Brasil acaba interferindo diretamente no recrudescimento do trabalho infantil. Ele afirma que em um panorama geral o problema hoje reforça desigualdades sociais e raciais no Brasil, invalidando o artigo 53 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

O trecho prega igualdade de condições a todos os pequenos e determina o direito à educação visando o pleno desenvolvimento e preparo para o exercício da cidadania. “O trabalho infantil tem classe social e cor. Infelizmente, a maioria das crianças e adolescentes são pobres, periféricas e negras. E a elas são negados direitos fundamentais, direitos básicos, que toda criança deve ter”, lamenta. Ainda segundo o procurador, a entrada precoce no mercado causa sequelas e prejuízo na formação física, psicológica, afetiva e moral da criança.

Aprendizagem profissional

Wagner Gomes, que é responsável pela Coordenadoria Nacional de Combate a Exploração do Trabalho da Criança e do Adolescente, também criticou algumas pautas em discussão no Congresso Federal. Uma delas, a MP 1.116/21, que trata do Projeto Nacional de Incentivo à Contratação de Aprendizes e podia facilitar às empresas fugir das regras estabelecidas há 20 anos no Brasil para recrutamento de menores aprendizes.

A normativa foi aprovada no Senado no final de agosto, mas a parte do texto que tratava dos aprendizes acabou retirada. No entanto, o decreto federal 11.061/ 2022, que entrou em vigor em maio, também é visto como um problema por ampliar as possibilidades de prorrogação de contratos e estabelecer uma espécie de média aritmética para dimensionar o quantitativo de vínculos de aprendizagem.

“São dois instrumentos que trouxeram dificuldades para fiscalização do trabalho, que atualmente não está notificando as empresas para cumprimento da cota mínima”, explica o procurador. De acordo com a Lei da Aprendizagem, a cota de aprendizes por empresa deve ser mínima de 5% e máximo de 15%. O número é calculado sobre o total de empregados que as funções demandam qualificação profissional.

“Com a aprendizagem profissional, se considerarmos a cota mínima das empresas, temos um potencial de contratação de um milhão de adolescentes no Brasil. E hoje temos cerca de 500 mil, pouco menos da metade. Se levar para o máximo, tem um potencial de 3 milhões em uma política transformadora e que transforma vidas, principalmente para adolescentes em vulnerabilidade social”, acrescenta Wagner.

Como denunciar?

O trabalho infantil no Brasil é vedado a menores de 14 anos no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Também é proibida a atuação de menores de 18 anos a trabalho noturno, perigoso ou insalubre. Na condição de aprendiz, em que o menor tem vínculo formal de emprego e direitos assegurados, é permitido o ingresso no mercado a partir de 14 anos.

Denúncias de trabalho e exploração infantil podem ser feitas no site do Ministério Público do Trabalho ou pelo telefone por meio do Disque 100.