Como a desnutrição afeta o desenvolvimento dos bebês

Veículo: Nexo Jornal - BR
Compartilhe

O Brasil atingiu o pior nível de hospitalização de bebês por desnutrição dos últimos 13 anos: em 2021, 2.979 bebês menores de 1 ano foram internados no SUS (Sistema Único de Saúde) por conta de deficiências nutricionais. São 113 internações para cada 100 mil nascidos vivos. Em 2011, esse número era de 75.

Em 2022, até o final do mês de agosto, foram 2.115 internações, o que significa um aumento de 7% em relação ao mesmo período de 2021. A média diária é de 8,7 bebês internados por desnutrição.

É o que concluiu um estudo do Observa Infância, iniciativa da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz) e da Unifase (Centro Universitário Arthur Sá Earp Neto), que reúne dados sobre saúde infantil.

A evolução rápida da desnutrição

É rápido para um bebê de 0 a 2 anos chegar na curva de peso que indica desnutrição: isso acontece por causa do funcionamento do metabolismo, explica o coordenador do Observa Infância, Cristiano Boccolini.

Segundo ele, enquanto um adulto necessita, em média, de 35 calorias por quilo de peso, um bebê necessita de 120. “Qualquer falta de nutriente e caloria faz com que o bebê evolua rapidamente para o quadro de desnutrição”, disse Boccolini ao Nexo.

As causas para desnutrição são duas: falta de comida, a primária, ou alguma doença (como diarréia, pneumonia ou câncer), a secundária. “Nos últimos dois anos não tivemos nenhuma epidemia dessas doenças. O que nos leva a crer que a falta de comida é a causa”, falou Boccolini. Inflação de alimentos, cujos preços subiram mais de 30% entre 2020 e 2022, e a defasagem de verbas do PNAE (Programa Nacional de Alimentação Escolar) são alguns dos motivos que refletem nas hospitalizações de bebês por desnutrição, segundo o pesquisador.

Boccolini explica o papel da merenda escolar nessa relação: uma família com bebês que já precisam se alimentar (até os 6 meses, o Guia Alimentar para Crianças do Ministério da Saúde recomenda única e exclusivamente o leite materno), e também com crianças em idade escolar, ficam com o sistema alimentar da casa pressionado quando a criança, que antes comia na escola, chega em casa com fome.

“Ouvi relatos de mães que continuaram a amamentar sem dar nenhum alimento para o bebê com mais de 6 meses, porque não tinham. E aí a criança desnutre porque os nutrientes passam a não ser suficientes”, disse o coordenador do Observa Infância ao Nexo.

No caso de mães com problemas de amamentação e que precisam utilizar fórmula infantil, Boccolini conta que há famílias que, por falta de dinheiro, diluem o produto em uma quantidade maior de água do que o indicado nas instruções de preparo, o que compromete o aporte de calorias e nutrientes.

As consequências da desnutrição

A desnutrição aguda aumenta a chance da criança desenvolver doenças crônicas na vida adulta, como diabetes, hipertensão e até mesmo obesidade, por mais paradoxal que seja.

Boccolini, do Observa Infância, também ressalta que a ausência de calorias e nutrientes impacta diretamente no desenvolvimento físico, cerebral e na capacidade cognitiva do bebê.

“Por mais que o tratamento da desnutrição seja relativamente simples, o estrago já está feito. No futuro, a criança terá pior rendimento escolar, problemas comportamentais. É um impacto que se estende para a vida toda. Ela fica marcada pelo estágio de desnutrição”, falou Boccolini ao Nexo.

Na primeira infância, entre 0 e 6 anos, 90% das conexões cerebrais se formam, um período único de novas conexões e neurônios que formarão as habilidades sociais, cognitivas e emocionais. Logo, a desnutrição afeta o desenvolvimento da atenção, memória, leitura e aprendizagem como um todo.

As políticas públicas necessárias

Retomar a obrigatoriedade de acompanhar o peso e a vacinação de crianças com menos de 7 anos beneficiárias do Bolsa Família (contrapartida que deixou de ser obrigatória no programa Auxílio Brasil, do governo do ex-presidente Jair Bolsonaro) é o primeiro passo para reduzir os níveis de desnutrição em bebês, disse Boccolini ao Nexo.

“O segundo é uma focalização das políticas vigentes, como o Bolsa Família, pois ainda existem bolsões de invisibilidade social com famílias e crianças que não são alcançadas por falta de conhecimento ou documentação”, falou Boccolini.

Recompor os valores investidos na merenda escolar, pontua o coordenador do Observa Infância, fecha a tríade da retomada de políticas públicas necessárias para ajudar a reverter os índices de aumento da hospitalização em bebês – felizmente, frisa Boccolini, a taxa de mortalidade em bebês segue controlada no Brasil (11,9 óbitos, segundo o IBGE, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). “Ou seja: apesar do maior número de hospitalizações, o SUS está sendo eficiente em evitar a morte dessas crianças. A gente ainda tem um sistema eficiente e suficiente para reverter esse quadro”.

Leia mais aqui