Conheça a escritora que levou educação antirracista para 57 mil crianças

Veículo: UOL Notícias - SP
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A carioca Janine Rodrigues, de 39 anos, tem o tom de voz suave e acolhedor dos bons contadores de histórias. Ela sempre quis ser escritora infantil mas só em 2015 realizou o sonho de ter um livro publicado pela editora que ela mesma criou, a Piraporiando. Antes disso, foi gestora ambiental por 12 anos e peregrinou com suas obras pelos escritórios dos grandes publicadores do mercado editorial brasileiro. Cansou das negativas, e-mails ignorados e usou as próprias economias para rodar livros que tratam de educação antirracista e inclusiva.

Janine não desistiu porque sabia que sua mensagem era relevante, ou melhor, mais que isso, era fundamental para transformar a vida de milhares de crianças negras e não negras no Brasil. “Livros que tratam sobre preconceito ou temas como racismo, bullying, homofobia ou educação sexual são muito mais importantes do que a gente imagina”, diz a escritora.

Ela exemplifica: “em brincadeira de criança, se tem uma que está sendo deixada de lado, ela fica incomodada. Até pode estar participando do jogo, mas se ninguém está dividindo a bola, se ninguém chuta para essa criança, ela não se sente pertencente.” Janine enfatiza que uma criança que não se encaixa, que não se vê nos espaços da sociedade, se “veste de tristeza”.

“Já soube do suicídio de sete crianças”

A metáfora do manto triste na infância não é mero jogo de palavras. Vira um soco no estômago, aliás, quando a escritora completa a reflexão: “ao longo da minha vivência como editora de livros, infelizmente, soube de sete casos de crianças que se suicidaram por conta de racismo, homofobia ou outra violência que envolve diversidade.” SETE CRIANÇAS! “São crianças que não tiveram a chance de chutar a bola…”

A Piraporiando já publicou cinco livros de temática inclusiva e todos acompanham um curso sobre educação para a diversidade. As obras e a oficinas já impactaram mais 57 mil crianças, além de educadores, em escolas de 22 estados do país, 120 públicas. “Muitas instituições que não tinham nenhum trabalho de diversidade, começaram a se interessar pelo assunto por conta dos meus livros. Quando dei por mim, de contação em contação de história, acabei criando projetos que transformam o livro em vivências completas”, explica a escritora.

“Quando eu lia um livro nunca tinha uma protagonista negra para me inspirar”

Ainda criança Janine adorava escrever. Morava em uma chácara no interior do Rio de Janeiro e cresceu entre natureza, pomares, cachoeiras e animais. O pai, um oficial da marinha, já estava aposentado quando ela nasceu. Sua mãe, costureira que vendia produtos por catálogo de porta em porta, também incentivava a leitura e os arroubos de imaginação da menina.

“Tudo que eu aprendi sobre minha ancestralidade, sobre a beleza e a riqueza da cultura negra, foi iniciado pela educação que meu pai me deu. Ele sempre fazia questão de contar a história do negro como um todo, não só a partir da escravatura”. Foi um ponto de partida importante para valorização de suas raízes negras. Nuang, uma de suas personagens, não surgiu “do nada, sem passado” antes da escravidão. “Ela tinha vida, gostava de si e de seu cabelo crespo antes de ser arrancada de sua terra natal para ser escravizada.”

Janine sabe da importância desse passado. “Quando eu lia um livro ou assistia a uma peça, nunca tinha um herói, uma heroína, um protagonista, nem um coadjuvante negro para me inspirar”. As histórias contadas pelo pai rompiam com esse roteiro que, então, a menina passou a dar continuidade. Mais de 150 obras estão prontas e aguardam oportunidades para publicação.

Seu primeiro livro, “No Reino de Pirapora”, foi idealizado quando ela ainda era uma menina e trata sobre bullying.”Tive uma amiga de escola que sofria de uma doença rara que a impedia de tomar sol. Ela não podia brincar na hora do recreio, era caçoada e ficava agressiva.” Janine, então, pediu à mãe uma festa de aniversário à noite para a colega participar. “Foi inesquecível a felicidade da minha amiga só por estar ali, vivendo algo novo. Percebi a importância desse registro.”

O livro inspirado no episódio virou seu primeiro sucesso nas escolas, o que levou Janine a criar atividades paralelas à publicação impressa. Suas oficinas e contações de histórias têm metodologia própria e atividades educativas que ampliam debates e reflexões sobre o assunto com crianças. Projetos completos hoje incluem formação de professores e atividades recreativas para centros culturais e eventos onde Janine compartilha suas histórias e a paixão pela leitura a qualquer público.

Primeiramente, as oficinas que acompanham os livros eram realizadas apenas de forma presencial. Desde 2019, ganharam uma plataforma digital para capacitação de professores, “para que eles dessem andamento aos temas dos livros todos os dias”, explica a autora.

O curso online também permitiu que o conteúdo chegasse além das escolas e seja consumido em casa. A mãe Claudia Souza Cruz, de 41 anos, buscou o programa para ampliar o diálogo com a filha Clara, de 8 anos, sobre a importância da diversidade. “Não só para minha filha, como para todas as crianças eu desejo um mundo mais justo e afetuoso. Foi por isso que procurei o curso da editora, para fortalecer o diálogo entre eu, meu marido e minha filha visando uma formação humana respeitosa e tolerante.”

“Educação para a diversidade tem que ser política pública”

Janine sabe que pode chegar cada vez mais longe. “Quero que todas as escolas públicas do país tenham acesso a educação para a diversidade. A gente, na editora, acredita muito em políticas para a transformação do Brasil a partir das secretarias de educação dos Estados. Todos eles.” É uma ideia simples, possível e de olho no futuro.

“Quando penso no legado da Editora Piraporiando, penso em equidade. Ou seja, que crianças, jovens, de qualquer cor ou lugar, tenham as mesmas oportunidades, mesmo eles sendo pessoas diferentes, e que possam se reconhecer enquanto agentes potentes de transformação. Não podemos disputar oportunidades de maneira desigual e desleal e as crianças entendem isso muito bem.”

PARA SABER MAIS: A próxima turma prevista as oficinas de diversidade e inclusão está prevista para agosto. O curso de Janine terá 30 horas de conteúdo, sendo 12 horas de vídeo aulas, 12 horas de conteúdo digital para estudos (e-book´s), 3 horas para realização de atividades/avaliações e 3 horas de encontros, se possível ao vivo, para dúvidas e discussões. O pacote completo custa R$ 159,90, disponível para estudo ao longo de três meses.

Temas deste texto: Cultura