Covid deixa milhares de órfãos na Índia e gera alerta para adoções ilegais
Três dias após a morte do pai pela covid-19, as gêmeas Tripti e Pari, de apenas seis anos, dormiam ao lado de sua mãe sem saber que ela também havia sucumbido à doença e elas haviam ficado órfãs. Depois de baterem em vão, familiares jogaram água pela janela para que as meninas acordassem e abrissem a porta. Desde o início da pandemia, 283.248 pessoas morreram na Índia, das quais 4.529 na quarta-feira.
Milhares de crianças perderam pelo menos um dos pais nesta segunda onda epidêmica que devasta a Índia. O país já contava com milhões de órfãos e, agora este número adicional de crianças órfãs e abandonadas se torna cada vez mais preocupante. Estas crianças deixadas órfãs pela covid-19 “não vivem apenas uma tragédia emocional, elas correm o risco de sofrer negligência, abuso e exploração”, alerta Yasmin Haque, representante do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) na Índia.
“Sempre digo às meninas que seus pais voltarão”, diz Ramesh Singh, cujo nome verdadeiro é mantido em sigilo para a segurança das meninas. “Não quero contar a verdade para elas por enquanto (…) são pequenas demais”, acrescenta. Após a morte de seu marido, a mãe das meninas, abalada e doente com covid-19, parou de se alimentar, ela relata.
Adoções ilegais on-line
Em abril, no estado de Maharashtra, a imprensa local noticiou que um bebê foi encontrado nos braços da mãe, morta por coronavírus há 48 horas, sem que ninguém quisesse intervir por medo de se contaminar. “Ignoramos o número de mortos, e menos ainda o de órfãos”, afirma Akancha Srivastava, especialista em segurança cibernética, que criou uma linha telefônica de assistência dedicada a ajudar crianças, cujas famílias estão sendo afetadas pela doença. Pedidos de doação de leite e comida para bebês que perderam a mãe inundam as redes sociais, onde crianças são oferecidas ilegalmente para adoção.
“Embora ainda não tenhamos números, observamos a emergência de ofertas de adoção ilegal nas redes sociais, o que torna os órfãos vulneráveis ao tráfico e a maus-tratos”, advertiu Yasmin Haque, do Unicef.
De acordo com a lei indiana, o “status” de órfão deve ser verificado por um funcionário do governo antes que a criança seja colocada em uma instituição, se nenhum membro da família puder recebê-lo. Neste mês, a ministra indiana da Mulher e do Desenvolvimento Infantil, Smriti Irani, lembrou que as ofertas de adoção, fora do circuito oficial, são “ilegais” e escondem “armadilhas”. A AFP recebeu uma oferta de adoção no WhatsApp, sob o título “Crianças brâmanes”, para uma menina de dois anos e um menino de dois meses, sugerindo que ambas as crianças pertencem à casta superior indiana. Depois, esse número foi desativado e está sendo investigado pelas autoridades. Segundo a Fundação Protsahan India, uma ONG de defesa dos direitos da criança, muitos órfãos são obrigados a trabalhar, exercendo, por exemplo, algum tipo de comércio nas ruas. “É uma geração de crianças em extrema dificuldade, que enfrenta traumas graves e que se tornarão adultos devastados”, alerta a fundadora da instituição, Sonal Kapoor.