Crianças e adolescentes representam 61% das vítimas de estupro no Brasil em 2024, mostra Anuário
Os números do Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2025, divulgados nesta quinta-feira, 23, mostram que a maior parte dos casos de violência sexual registrados em 2024 teve crianças e adolescentes como vítimas. Dos 87.545 estupros contabilizados, ao menos 61% foram cometidos contra menores de 14 anos.
Os registros de estupro tiveram aumento de 0,9% em relação a 2023. Entretanto, quando analisados especificamente os dados das vítimas de até 13 anos, o crescimento foi de 6,5% –sete vezes maior que a média geral.
Luciana Temer, advogada, professora de Direito Constitucional na PUC-SP e diretora-presidente do Instituto Liberta, destaca no documento que analisa o levantamento realizado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública a necessidade de aprimorar os instrumentos de registro, como os microdados, para um diagnóstico mais preciso da violência sexual infantil.
A autora defende a criação de um modelo padrão de boletim de ocorrência para todos os estados, argumentando que a padronização é de interesse da Federação e é essencial para um sistema unificado de dados, conforme previsto na Lei 13.675/2018.
“Se a segurança pública é dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, como afirma o artigo 144 da Constituição, tem que ser pensada nacionalmente e de forma articulada. E para isso é primordial que haja um sistema unificado de dados de registro de ocorrências policiais”, diz ela.
Falhas na coleta de dados
Segundo a advogada, há ainda falhas na coleta de dados que incluem a relação entre vítima e autor. Embora os dados de 2024 indiquem que 59% dos estupros de menores de 14 anos foram praticados por familiares, essa informação conste em apenas 18% dos boletins de ocorrência. Essa conclusão é feita com base em outros dados, como o fato de que 69,1% dos casos ocorreram dentro de casa, e também por meio de informações do Disque 100, que mostram que 84% das situações de violência contra crianças e adolescentes têm como agressores membros da família.
Há também problemas na classificação dos crimes. O levantamento destaca que a falta de tipificação precisa dos crimes prejudica a análise. Em 2024, 1.419 boletins de ocorrência classificaram incorretamente “estupro de vulnerável” como “estupro”.
O levantamento mostra que a maioria das vítimas de estupro no Brasil são crianças e adolescentes, com 78% dos registros envolvendo vítimas até 17 anos. Embora 85% das vítimas sejam meninas, a autora destaca um crescimento nos registros de casos contra meninos (aumento de 10,6%) entre 0 e 13 anos, em comparação com o aumento de 5,7% para meninas na mesma faixa etária.
Uma pesquisa de 2022 do Instituto Liberta com DataFolha mostrou que apenas 11% dos adultos que sofreram violência sexual na infância denunciaram, e a subnotificação foi maior entre os homens. O texto sugere que o aumento dos registros pode estar relacionado à quebra de tabus sobre o assunto, com figuras públicas compartilhando suas experiências de abuso.
Violência sexual virtual e exploração
Houve um aumento de 14,1% nos registros de crimes sexuais virtuais contra crianças e adolescentes em 2024. Segundo a rede internacional InHope, o Brasil saltou da 27ª para a 5ª posição no ranking mundial de denúncias de crimes na internet.
A autora defende a implementação de um sistema de verificação de idade real e eficaz para plataformas online, citando como exemplo o Projeto de Lei 2628/2022 no Brasil, que trata da proteção de crianças e adolescentes em ambientes digitais e está atualmente em análise na Câmara dos Deputados, após ter sido aprovado pelo Senado. O projeto visa estabelecer regras para aplicativos, jogos e redes sociais, com foco na segurança e bem-estar desse público.
O relatório aponta uma aparente redução nos casos registrados de exploração sexual infantil, que passaram de 1.133 para 1.032 em números absolutos. No entanto, a especialista alerta que essa diminuição não reflete a realidade, pois os números deveriam ser muito mais altos para representar adequadamente a dimensão do problema no país.
Dados do projeto Mapear (2024), desenvolvido em parceria entre a Polícia Rodoviária Federal e a Childhood Brasil, revelam a gravidade da situação: foram identificados 17.687 pontos vulneráveis à exploração sexual infantil nas rodovias federais, representando um aumento de 83,2% em relação ao levantamento anterior de 2022.
Esses pontos foram classificados em:
807 (4,6%) como críticos
2.566 (14,5%) como de alto risco
5.237 (29,6%) como de médio risco
9.077 (51,3%) como de baixo risco
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