Estudo mostra que crianças indígenas morrem duas vezes mais que crianças não indígenas
Um estudo publicado nesta terça-feira (9) aponta que, entre os anos de 2018 e 2022, a taxa de mortalidade de crianças indígenas foi praticamente o dobro das crianças não indígenas, no Brasil. Os dados foram compilados pelo Núcleo Ciência Pela Infância (NCPI) e publicados com o nome “Desigualdades em saúde de crianças indígenas”.
Evidenciando a interferência das desigualdades no desenvolvimento saudável das crianças indígenas brasileiras, o estudo produzido pelo Comitê Científico do NCPI procurou ressaltar a importância do respeito à diversidade no atendimento de saúde em comunidades indígenas.
Marcia Machado, coordenadora da publicação e professora associada do Departamento de Saúde Pública da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará, comentou a importância do entendimento das múltiplas infâncias existentes no país.
“O Brasil é um país diverso e de múltiplas infâncias. Mapear como as crianças indígenas vivem hoje e entender quais os principais gargalos para que elas possam se desenvolver plenamente contribui para a elaboração de políticas públicas efetivas”, explicou a professora.
Resultados do estudo
O material separou as crianças em dois grupos: recém nascidos com idade inferior a 27 dias de vida e crianças de até quatro anos. Uma das conclusões foi o padrão de mortalidade 50% superior entre crianças indígenas.
No primeiro ano estudado, 2018, a cada 1.000 crianças indígenas nascidas vivas, cerca de 14 morreram no período neonatal, enquanto entre as crianças não indígenas, essa taxa foi de menos de oito. Já em 2022, o índice encontrado foi superior a 12 mortes para 1.000 indígenas nascidos vivos, um valor ainda 55% superior ao das crianças não indígenas, que seguiu igual.
Para as crianças indígenas que passam do período neonatal, em 2018 cerca de 35 em 1000 não chegaram aos 5 anos de idade. A média continuou igual em 2022. Entre as crianças não indígenas, o número não ultrapassa cerca de 14 mortes a cada mil crianças dessa faixa etária, demonstrando mais uma vez a mortalidade indígena superior a 50%.
O estudo também analisou as principais causas da mortalidade infantil indígenada. Dados obtidos pelo Datasus, sistema do Ministério da Saúde que reúne informações sobre a situação de saúde no Brasil, o resultado aponta que crianças indígenas morrem mais por doenças evitáveis do que as não indígenas.
Enquanto quase 70% das mortes entre não indígenas está ligada a complicações decorrentes da gestação, parto, puerpério ou malformação, na população indígena esse percentual fica em 40%. Outros 38% foram mortes causadas por doenças respiratórias, infecciosas e parasitárias, além de problemas nutricionais e metabólicos. Entre crianças não indígenas, essas doenças são responsáveis por apenas 14% dos falecimentos.
O que causa essa desigualdade?
A professora Marcia Machado explica que os altos índices são resultados de uma combinação de fatores, mas que os problemas na logística e na dificuldade de estabelecer uma relação de confiança com as comunidades são as principais dificuldades.
A distância dos territórios para realização de atendimentos, a necessidade de permanência por longo período dos profissionais nessas comunidades e com pouca infraestrutura, provoca espaçamentos entre as consultas e interrupções em tratamentos.
Essas precariedades dificultam a confiança dos pacientes, que têm compreensões próprias sobre o enfrentamento de doenças e os cuidados com o corpo, que incluem rituais, técnicas corporais e estímulo à ingestão de determinados alimentos.
A pouca familiaridade dos profissionais com esses aspectos culturais e sociais também gera desconfiança durante as abordagens.
“Um dos aspectos fundamentais para o êxito na atenção primária à saúde é a construção de vínculos com a comunidade, sobretudo no contexto da saúde dos povos indígenas. Profissionais de saúde devem respeitar e considerar esses aspectos para promover o desenvolvimento integral das crianças nas comunidades indígenas”, diz Machado.
Ela ressalta a importância de uma formação específica para profissionais do SUS sobre culturas indígenas, seus modos de vida e de cuidado, bem como as melhores formas de abordagem.
Entre as medidas propostas pela publicação, estabelecer um calendário permanente de capacitação, adaptar os programas atuantes para conversarem com a cultura e os saberes indígenas, facilitar e priorizar os atendimentos a gestantes, puérperas e crianças na primeira infância, sempre cumprindo o calendário recomendado de consultas de pré-natal, são algumas das medidas.
A CNN entrou em contato com o Ministério da Saúde sobre o estudo, e aguarda retorno.
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