Crianças Yanomami foram as maiores vítimas

Veículo: Amazônia Real
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A cena parecia de cinema, mas aconteceu diante dos olhos da médica Gabriela Mafra. Ao tentar dar um remédio contra a malária, a doutora segurou o rostinho de uma criança e achou que ela estava se engasgando. A frágil Yanomami se contorcia. E aí Gabriela viu algo na boca dela. “Era um verme, um verme muito grande. As crianças estavam com vermes saindo pela boca”, relembra, num relato chocante.

Há um ano, Gabriela atende ao povo Yanomami na região do Surucucu, depois de ter atuado por três anos na região de Auaris. É dentro do maior território indígena brasileiro que a médica acompanha a crise humanitária e sanitária que está devastando crianças e adultos. O caso da criança acima não foi o único desde então. “Eu atendi ao chamado de um pai que a filha não conseguia dormir porque toda vez que ela se deitava, os vermes começavam a sair pelo nariz dela. É uma situação absurda”, desabafa.

Os quatro anos de trabalho no Distrito Sanitário Especial Indígena (Dsei) Yanomami, em Roraima, se tornaram um drama pessoal para Gabriela e seus colegas, que lutam para salvar os indígenas da forma que podem. Em sua rotina de trabalho, a médica passa 15 dias em Surucucu e os outros 15 em Boa Vista. No ano passado, quando estava na capital roraimense, o esforço era para conseguir doações de medicamentos básicos que estavam faltando no Dsei, problema que começou a se agravar a partir de junho de 2022.

“A quinzena mais difícil que eu tive foi quando nós estávamos com falta de medicação para febre, falta de antibiótico. A gente não tinha nada para trabalhar, e assim, além de todo o sofrimento que isso causa para um paciente – levando em consideração que estamos trabalhando em uma zona endémica de malária e o principal sintoma da malária é a febre –, o mais básico é ter algum antitérmico, paracetamol, e nós não tínhamos, chegamos a um estado também de não ter um albendazol e mebendazol, que são antiparasitários”, revela.

Depois da ida do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) a Boa Vista, logo após surgirem imagens chocantes de crianças e adultos Yanomami esquálidos, com desnutrição severa, o governo federal e a população começaram a se mobilizar pelos indígenas, trazendo certo alívio para a médica Gabriela. “Estou lá dentro há um ano vendo tudo isso e pedindo socorro, tentando movimentar as pessoas, fazendo com que tomassem consciência de tudo que estava acontecendo lá e, finalmente, agora as coisas estão começando a mudar”.

Crianças Yanomami em situação mais grave estão sendo levadas para Boa Vista, onde podem receber melhor tratamento. Na última semana, a prefeitura de Boa Vista informou que o Hospital da Criança Santo Antônio (HCSA), teve 703 casos de internações de crianças Yanomami, em 2022. Até semana passada, 62 indígenas estavam internados. “Desses, 46 são crianças Yanomami e cinco estavam na UTI. No período de 16 de janeiro a 25 de janeiro, foram registradas 47 internações de indígenas, dessas, 30 de Yanomami”, explicou o hospital.

Foi no HCSA que o pediatra Ricardo Frota relatava, num misto de espanto e horror, o grave quadro de desnutrição de um bebê de um ano e quatro meses. Se fosse sadio, deveria pesar 12 quilos, mas Frota não podia acreditar no que via: “Ele pesa quatro (quilos) ponto 300 (gramas)”, em relato ouvido pela Amazônia Real na unidade hospitalar.

Desde domingo (29) e até quinta-feira (2), uma missão do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania está em Boa Vista para apurar se houve omissão do Estado brasileiro, no governo Bolsonaro, em relação à crise humanitária que atinge o povo Yanomami. No encontro, os integrantes da comitiva ouvirão lideranças locais que estejam ameaçadas com a possibilidade de incluí-las em uma rede de proteção.

O ministro da Justiça, Flávio Dino, já usou a palavra “genocídio” para se referir à atual crise humanitária dos Yanomami. Foi nesta TI o único caso de genocídio julgado até hoje no Brasil pelos assassinatos de 16 indígenas por garimpeiros, em 1993. Homologada com 9,4 milhões de hectares, em 1992, com limites entre Amazonas e Roraima com a Venezuela, a TIY viu o garimpo ser retomado a partir de 2016, causando graves violações aos direitos indígenas, como denunciado pela Amazônia Real na série Ouro do Sangue Yanomami, e de forma acelerada nos últimos quatro anos, já sob Bolsonaro.

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