Cultura do castigo físico na criação dos filhos segue arraigada no Brasil
17/01/2024 Veículo: Revista Veja - BR
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Cultura do castigo físico: Nova pesquisa indica a permanência de uma prática vai na contramão da ciência e produz estragos perenes
Até o século XVIII, não havia a noção de infância, algo que a pintura mostra com pinceladas certeiras, ao retratar crianças com feições adultas ao longo dos tempos. Um marco essencial para o aparecimento da ideia de uma fase da existência em que os indivíduos demandam cuidados adicionais foi o advento de instituições de ensino na Europa, onde as pessoas começaram a ser separadas por faixa etária. Daí vieram desdobramentos em muitos departamentos, destinando ao pequeno ser em formação atenção voltada para as necessidades inerentes à pouca idade — da alimentação à filosofia no modo de criá-lo. Em meio ao vendaval provocado no pensamento ocidental pelo Iluminismo, Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) foi a primeira influente figura a derramar luz sobre uma excrescência que tinha então contornos de normalidade: a regra à época era educar filhos na base do castigo físico, o que o filósofo francês tratou de denunciar. Ele também sugeriu uma linha pedagógica com forte pendor à liberdade, cujo objetivo deveria ser estimular os indivíduos a agirem por interesses naturais, e não por imposição.
Era tudo muito moderno e só aos poucos foi sendo digerido, até que, nas últimas décadas, um conjunto de países baniu o mau hábito de punir a prole com palmadas e outros gestos calcados na violência.
Umas nações avançaram mais rapidamente nesse campo do que o Brasil, onde ainda circula a crença de que a rigidez produz bons resultados — um ideário em que a estratégia das penalidades físicas continua a ser não apenas tolerada, como incentivada, mesmo sem eco na ciência.
Os novos ventos educacionais, com muita gente qualificada defendendo a eficácia do bom diálogo, ajudaram a retirar o bolor de antigas convicções, mas não foram suficientes até agora para virar completamente a página. De acordo com um recente levantamento sobre o tema conduzido pela Fundação José Luiz Egydio Setúbal e pelo Instituto Galo da Manhã, com apoio técnico da Ipsos e da Vital Strategies, uma ONG de projeção internacional, 52% dos pais brasileiros reconhecem já ter apelado para tapas e afins quando o conflito aperta com a criançada. Um grupo de 25% diz claramente considerar tal conduta aceitável, enquanto o restante recorreu a ela num momento em que, no calor da discussão, não viu outro caminho. Um equívoco, segundo especialistas, que defendem a demarcação de limites, mas sempre com conversa. “Evidentemente que os pais precisam promover uma criação que prepare o jovem para receber nãos e lidar com a realidade. Para isso, no entanto, devem ser firmes sem recorrer a métodos coercitivos”, enfatiza a psicóloga Ciomara Schneider, da Universidade de Brasília. Desse modo, está provado, a criança conseguirá expressar-se sem medo, o que é fundamental para seu pleno desenvolvimento.