‘Deixem as crianças sentirem tédio. Isso faz bem para a saúde mental delas’, diz psicóloga

Veículo: O Globo - RJ
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Deixem as crianças sentirem tédio
Foto: Gustavo Fring/Pexels

Deixem as crianças sentirem tédio: em doses moderadas, o tédio oferece uma valiosa oportunidade de aprendizado, estimulando a criatividade e a resolução de problemas

Um estudo nos Estados Unidos descobriu que, independentemente da educação, renda ou raça, os pais acreditavam que crianças entediadas deveriam ser matriculadas em atividades extracurriculares. Segundo a psicóloga Erin Westgate, há uma espécie de estigma cultural associado ao tédio, especialmente nos Estados Unidos.

Mas a realidade é que o tédio é normal, natural e saudável, diz Westgate, cuja pesquisa se concentra no que é o tédio, por que as pessoas o experimentam e o que acontece quando o fazem. Embora ela reconheça que até o momento tenha pouca pesquisa empírica explorando o tédio em crianças, Westgate acredita que, em doses moderadas, o tédio pode oferecer uma oportunidade valiosa de aprendizado, estimulando a criatividade, a resolução de problemas e motivando as crianças a procurar atividades que lhes pareçam significativas.

– Proteger as crianças de nunca se sentirem entediadas é equivocado da mesma forma que protegê-las de nunca se sentirem tristes, frustradas ou com raiva – ela afirma.

Aqui está o que você e suas crianças podem aprender com o tédio:

Granularidade emocional

O tédio é uma emoção, diz Westgate, que o compara a uma luz indicadora no painel de um carro:

– O tédio está dizendo que o que você está fazendo agora não está funcionando – ela afirma. Geralmente, isso significa que a tarefa que você está realizando é muito fácil ou muito difícil, ou que não tem significado.

Uma forma dos pais ajudarem as crianças, especialmente as mais novas, a aprenderem a lidar com o tédio é trabalhar com elas no desenvolvimento do que a Westgate chama de maior granularidade emocional. Por exemplo, ajudá-las a distinguir entre sentir-se triste ou entediado. “Nomear para controlar”, uma frase cunhada pelo psiquiatra Dan Siegel, é uma técnica que muitos especialistas em desenvolvimento infantil usam para ajudar as crianças a identificar seus sentimentos.

As crianças costumam dizer “estou entediado” quando estão se sentindo sozinhas ou querem atenção, diz Katie Hurley, doutora em assistência social e autora do livro “The Happy Kid Handbook“. Portanto, pode ser útil perguntar se elas estão procurando conforto ou companhia, diz ela.

Além disso, os pais devem fazer o possível para normalizar o sentimento.

– Temos a tendência de tratar o tédio como um sinal de angústia ou uma espécie de pedido de ajuda – diz Hurley – É desconfortável, mas não necessariamente negativo.

Estimula a imaginação

O tédio oferece às crianças a oportunidade de experimentar os tipos de atividades que lhes trazem satisfação e interesse, diz Westgate.

Por exemplo, se você deixar seus filhos soltos no quintal, eles podem se sentir entediados inicialmente. Mas eles podem aprender a evitar esse sentimento ou resolvê-lo encontrando atividades que lhes pareçam significativas, seja contando insetos, brincando com uma bola ou desenhando com giz na calçada. Se os pais não permitirem brincadeiras livres e imaginativas, as crianças podem nunca descobrir seu amor inato pela natureza, esportes ou arte, ou mesmo o prazer que podem encontrar em relaxar ou brincar.

– Saber identificar e desenvolver essas fontes de significado é uma habilidade realmente importante para se ter ao longo da vida – diz Westgate.

“Quebradores de tédio” podem romper o feitiço

Os pais às vezes temem o tédio e o caos que ele pode causar em casa, diz Hurley. Mas o tempo livre abre espaço para a descoberta. Hurley recomenda analisar a agenda semanal de seu filho e perguntar: “Há algo que podemos tirar e chamar de tempo para relaxar”?

No entanto, os pais não devem esperar que as crianças saibam instintivamente o que pode lhes parecer significativo. Em vez disso, os pais devem lembrar seus filhos das coisas que lhes interessam ou importam, diz Westgate.

– É a diferença entre deixar a criança em um quarto sem absolutamente nada para fazer– ela diz – versus levá-la para um quarto que você sabe que tem livros e quebra-cabeças, coisas que seriam significativas para seu filho, e que seriam adequadas para ele.

Ela também observa que pesquisas mostraram que, sem saídas positivas, as pessoas podem estar mais propensas a se envolver em comportamentos prejudiciais.

Hurley diz que crianças com 5 anos ou menos precisam de um menu específico de “quebradores de tédio”, ou perguntas como: Você quer brincar com Legos? Você quer brincar com massinha? Você quer sair?

Com crianças um pouco mais velhas, Hurley diz que ela poderia dizer algo como: “Dê uma volta pela casa e pense em três ideias, e me conte depois”. Uma vez que as crianças passam de um estado de tédio para ação positiva, “abre-se espaço para a criatividade, resolução de problemas e todo tipo de habilidades de aprendizado acadêmico”.

Os pais frequentemente sentem pressão para se abaixar e brincar com crianças pequenas toda vez que elas se sentem entediadas, diz ela, mas isso pode impedir que as crianças aprendam quão capazes são de entrar em suas imaginações.

Telefones e dispositivos exigem pouco esforço, observa Westgate, então crianças e adultos frequentemente recorrem a eles como uma forma de acalmar os sentimentos de tédio.

– Com as crianças, faz todo sentido que elas peçam telas quando estão entediadas, mas isso não significa, obviamente, que seja o melhor para elas naquela situação – ela diz.

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