Desafios perversos: como o aplicativo Discord virou ferramenta para envolver adolescentes em um submundo de violência extrema

Veículo: Globo.com - BR
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Adolescentes em violência extrema: os repórteres do Fantástico mostram como a falta de monitoramento e a dificuldade de fiscalização abrem caminho para a violência, e podem se transformar em um pesadelo para pais e filhos, dentro de casa

adolescentes em violência extremaNo Discord, um popular aplicativo de mensagens, menores de idade estão sendo expostos a conteúdos perturbadores. São vídeos e conversas que incentivam a automutilação, todo tipo de crueldade contra animais, pedofilia. Tudo ao vivo, a partir de desafios criados por criminosos.

Os repórteres do Fantástico mostram como a falta de monitoramento e a dificuldade de fiscalização abrem caminho para a violência, e podem se transformar em um pesadelo para pais e filhos, dentro de casa.

O Fantástico foi procurado por ativistas que acompanham redes sociais para identificar e denunciar crimes. Em comunidades no aplicativo Discord, eles observaram e gravaram horas de material violento.

O aplicativo permite que as pessoas se comuniquem em transmissões ao vivo de vídeos dentro da plataforma. Tudo pode acontecer, e a menos que alguém grave, fora da plataforma, nada fica registrado.

Fotos e vídeos de pessoas ferindo o próprio corpo com lâminas foi um dos materiais recebidos pela nossa equipe. No Brasil, o incentivo à automutilação é crime, mas tem no Discord. Em tempo real, criminosos desafiam alguém a praticar violência contra si ou contra animais, uma forma de “divertimento cruel”.

Em setembro de 2022, na Região Metropolitana de São Paulo, uma garota, de 13 anos, usando uma máscara de caveira, tenta sufocar um gato da vizinhança e colocar uma faca dentro dele. O caso foi denunciado a uma veterinária e ativista pelos direitos dos animais.

“Ela colocou fogo em um pedaço de papel e ateou no gatinho”, conta Daniela Souza, veterinária.

A casa toda pegou fogo. A própria garota registrou a presença dos Bombeiros, e, em uma postagem, disse: “Botei fogo na casa. Daora”. Dezesseis mil pessoas faziam parte da comunidade onde a cena foi transmitida.

Em outro vídeo, com uma lâmina, outra jovem escreve o nome do servidor. Durante essas interações – que se tornam sessões de tortura psicológica -, os agressores se sentem protegidos pelo anonimato e se tornam cada vez mais cruéis.

  • E o que leva pessoas tão jovens a cometer atos tão violentos?

“A partir da variável da entrada do smartphone, a gente já tem pesquisas que mostram que esses aparelhos afetaram a adolescência. Como se você pegasse e falasse para as crianças: ‘Olha, descobrimos o fogo. Brinca aí com o fogo’. O fogo é maravilhoso, mas você tem que ensinar como é que mexe nisso para não se queimar. A gente deu o fogo na mão das crianças e estamos vendo os resultados”, destaca Vera Iaconelli, psicanalista.

O crescimento da violência também é percebido pela Safernet, associação civil que recebe denúncias de violações aos direitos humanos na internet no Brasil.

“A gente tem visto uma escalada, não só do número de denúncias de violência, de conteúdo extremista na internet, mas também uma escalada do nível de crueldade e sadismo, muitas vezes, desse conteúdo. A fiscalização ou digamos o controle disso é muito precário”, afirma Thiago Tavares, presidente da SaferNet Brasil.

Nos Estados Unidos, o Discord já vem sendo questionado na Justiça. A plataforma está sendo processada, junto com outros aplicativos, pela família de uma menina que, aos 11 anos, foi vítima de exploração sexual nas redes e tentou se suicidar. O escritório que a representa defende vítimas de crimes nas redes sociais.

Hoje, pela lei, o Marco Civil da Internet, as plataformas não são responsabilizadas pelo o que é divulgado nelas e são obrigadas a retirar um conteúdo do ar apenas sob ordem judicial. Mas o debate sobre a regulamentação tem crescido no mundo todo.

Em nota ao Fantástico, o Discord disse: “Estamos colaborando ativamente com o governo e agências de aplicação da lei no Brasil e nos Estados Unidos, enquanto trabalhamos para o objetivo comum de prevenir danos”.

? O Ministério da Justiça possui um canal oficial para denúncias: https://www.gov.br/mj/pt-br/escolasegura. Contudo, reforçamos que sempre que possível, procure a delegacia mais próxima. Ou, Disque 100.

 

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