Dia das Crianças: Mais de 5 mil crianças aguardam vagas em creches de Porto Alegre
A Declaração Universal dos Direitos Humanos adotada pela Organização das Nações Unidas (ONU), em 1948, iguala todos os seres humanos e reconhece seus direitos como pré-requisitos para a paz, a justiça e a democracia. O caráter universal dos direitos humanos garante que eles valem igualmente para todas as 7,6 bilhões de pessoas que vivem no mundo: isso inclui crianças e adolescentes, não por serem o “futuro”, mas por serem seres humanos – hoje.
Pessoas com 17 anos ou menos têm também alguns direitos humanos adicionais, em vista as suas necessidades específicas de desenvolvimento e proteção. Documentos adicionais são dedicados especificamente a este público, como é o caso da Convenção sobre os Direitos da Criança da ONU, que entrou em vigor em 1990 e foi ratificada por 196 países. De acordo com o Fundo de Emergência Internacional das Nações Unidas para a Infância (Unicef), órgão das Nações Unidas, é o “instrumento de direitos humanos mais aceito na história universal”.
Em 54 artigos, a convenção toca em temas diversos, desde o direito ao registro legal após o nascimento, até à proteção de menores infratores, passando pelo acesso à saúde, a proteção contra a violência física e mental, direito à liberdade religiosa, à liberdade de expressão, ao acesso à educação e muito mais. E é na garantia destes direitos que trabalha o Núcleo de Defesa da Criança e do Adolescente da Defensoria Pública do Estado Rio Grande do Sul (DPE/RS). “Temos trabalho em todas essas áreas, mas a nossa maior demanda é especialmente na questão de vagas em escolas, pré-escolas e creches”, aponta a defensora pública e dirigente do núcleo, Andreia Paz Rodrigues. Neste 12 de outubro, Dia da Criança, um sério problema continua atingindo crianças gaúchas e suas famílias: a falta de vagas em creches.
O artigo 208 da Constituição Federal prevê como dever do Estado a oferta da “educação básica obrigatória e gratuita dos 4 aos 17 anos de idade”. E, em decisão recente, o Superior Tribunal Federal (STF) definiu que os municípios devem garantir atendimento em creche e pré-escola às crianças de zero a seis anos de idade. “É uma decisão que teve repercussão geral, ou seja, embora fosse em um processo individual, ela é válida para todos os processos que abarcam o tema em andamento na Justiça, que hoje são em torno de 28 mil”, salienta Andreia. Milhares de crianças aguardam por vagas em creches e pré-escolas no Rio Grande do Sul, o processo julgado pelo STF era, inclusive, referente ao município de Montenegro, no Vale do Caí.
Em abril de 2022, mais de 5.8 mil crianças de zero a três anos esperavam uma vaga em creches de Porto Alegre. Mais de 1.4 mil já haviam entrado em contato com a DPE, após esgotar recursos com a Secretaria Municipal de Educação (Smed) e com o Conselho Tutelar. Agora, em outubro, pouco mudou. De acordo com a Smed, ainda são 5.253 crianças aguardando vagas. Assim foi o caso de Michele Barrada de Oliveira e de sua filha Liz, de 2 anos. Ela inscreveu a filha na lista de espera por uma vaga no bairro Partenon em outubro do ano passado. Depois de meses de espera na lista da Smed, sem qualquer previsão de quando, e se, a vaga viria, Michele já havia até mesmo contatado o Conselho Tutelar. Foi este ano que, por meio de uma amiga, a prestadora de serviços gerais descobriu que a DPE fazia pedidos de vagas em creches junto à prefeitura. Foi atendida pelos defensores no início de setembro. Menos de três semanas depois, Liz já estava frequentando a educação infantil. “Como eu não conseguia creche para ela, tive que largar o serviço para ficar com ela até ter vaga. Agora já estou até dando entrada em um novo serviço”, comemora Michele.
A vaga de Liz foi conquistada por meio de um acordo extrajudicial entre a DPE e a Prefeitura de Porto Alegre, que prevê a compra de cem vagas na rede de educação infantil privada. Foram feitos dois acordos em 2022, ou seja, duzentas vagas estavam à disposição da DPE, mas o número foi esgotado no fim de setembro, antes que Krisley Virgínia Melo Fagundes conseguisse matricular a filha Gabriela. “Ela nasceu em junho, em agosto eu já fui atrás da Smed e não havia vagas disponíveis, me colocaram na lista de espera”, relata.
No mesmo dia, Krisley já procurou a DPE, mas teve seu atendimento marcado para o dia 28 de novembro. “Fiquei assustada, porque eu retorno ao trabalho no final de outubro e seria atendida apenas um mês depois”, lembra. Através da Associação Mães e Pais pela Democracia, conseguiu o adiantamento do seu encontro com os defensores, que aconteceu no dia 28 de setembro. Agora, Krisley e a defensoria aguardam retorno da Smed. “Agora a gente depende de um aditivo. Nós fizemos dois acordos este ano e acabaram essas 200 vagas. Estamos, nesta semana, em tratativas para que a gente consiga assinar esse acordo. Inclusive, eu falei com o procurador do município, para que a gente consiga agilizar isso, mas ainda não temos resposta da Smed”, explica Andreia. Caso o acordo não seja renovado, a DPE terá que usar das vias judiciais para conseguir vagas para as famílias que ainda aguardam. “Então, é uma questão que é bem importante, porque a gente consegue resolver com mais rapidez com as famílias, mas depende também da boa vontade do município”, frisa a defensora pública.
Questionada sobre o aditivo aguardado pela DPE, a Smed respondeu, em nota, que “já foram assinados dois Acordos Extrajudiciais para o atendimento de crianças na etapa de Educação Infantil” e que 206 crianças conseguiram vagas por meio deles. “Como o atendimento é por família (que pode ter mais de um filho/a precisando de vaga), o segundo acordo ainda pode ampliar o número de alunos atendidos. Todas as crianças que foram matriculadas em escolas privadas neste ano, devido ao acordo com a Defensoria Pública, possuem a vaga garantida na mesma escola, caso não haja vaga na rede municipal em 2023.” Sobre a falta de vagas na rede municipal, a secretaria respondeu que “tem trabalhado para ampliar o número de vagas na Educação Infantil porque tem total consciência da importância que o acesso à escola, nesta faixa etária em especial, representa para as próprias crianças e suas famílias”.
A licença-maternidade de Krisley já terminou e ela está usando suas férias para poder cuidar da filha enquanto espera uma vaga para a pequena. “Ainda não tenho um respaldo de como vai ficar, o que vou fazer”, diz, preocupada. Caso tenha que voltar ao trabalho antes da resolução do problema, é possível que Gabriela tenha que ficar sob os cuidados da bisavó. “Mas já é uma senhora de mais de 70 anos, que tem delicadezas de saúde, e cuidar de um bebê é uma demanda grande”, pondera Krisley. Mais além de permitir que as mães voltem ao mercado de trabalho, a educação infantil também traz benefícios para as crianças. “A criança precisa de espaços lúdicos, espaços de convivência, espaços de interação. Então ela tem que brincar com os brinquedos adequados para as faixas etárias diferenciadas, ela tem que ter acesso a livros, e isso vai desde o berçário”, instrui a psicopedagoga Jeani Barcellos, vice-presidente do Instituto Cultural e Social Ágora, que atende crianças de 0 a 10 anos. A mãe de Liz, que está frequentando a creche desde o dia 23 de setembro, percebe o bem que o local faz à filha. “É melhor para ela e para o desenvolvimento dela”, afirma Michele, que também é mãe de um menino de 10 anos.
“A criança na escola tem uma socialização diferenciada, porque criança que só fica com adultos, de uma família que opta por não levar a criança para escola, ela perde essa possibilidade das relações que ela estabelece com o outro”, complementa Jeani. Esta socialização também é importante na construção de uma sociedade mais inclusiva. “A gente tem uma diversidade enorme de crianças entrando na educação infantil: com autismo, com síndrome de down”, relata a psicóloga. A convivência com pessoas diversas prepara as crianças para serem cidadãos mais responsáveis e abertos às diferenças, ainda que o tema da inclusão não seja perfeito no sistema educacional. A economia do País também tem a ganhar ao criar vagas em creches. “Muitas mães conseguem empregos e, consequentemente, uma renda maior para a família. Então, isso traz necessariamente um desenvolvimento para o país, não só para criança que vai ter seu direito garantido”, respalda Andreia.
Como solicitar a ajuda da DPE para conseguir vaga em creche?
O primeiro passo para os pais é procurar as creches municipais próximas da sua residência e fazer as inscrições ou procurar a Smed e solicitar a vaga. Caso não existam vagas, procure a Defensoria Pública para o ingresso de ação judicial com pedido para que o município providencie uma vaga em alguma escola municipal ou conveniada próxima de sua residência ou que arque com os custos de uma creche particular. Já leve para o defensor público a negativa da vaga, a certidão de nascimento da criança, o RG/CPF dos pais, comprovante de renda familiar, comprovante de residência, declaração do horário de trabalho dos pais (para pedir turno integral), o nome e endereço da(s) creche(s) municipal(ais) mais próxima(s) de sua casa e também três orçamentos de escolas de educação infantil particulares e que tenham cadastro junto ao município.
“Dentre os três orçamentos, será escolhido o mais barato e o município arcará com as mensalidades”, esclarece Andreia. As crianças que ingressaram em escolas privadas por meio do acordo judicial têm o direito de permanecer na mesma escola durante todo o ano, mesmo que surjam vagas em creches municipais.
Nesta sexta-feira, a defensoria realizará um mutirão especial, organizado pelos Núcleos da Mulher, da Saúde e da Criança e do Adolescente. Serão feitos atendimentos de pessoas que buscam vagas em creches, em Porto Alegre, além de orientações sobre outras temáticas, como câncer de mama e reconhecimento de paternidade. A unidade móvel da Defensoria Itinerante estará posicionada na avenida Sepúlveda, ao lado da Praça da Alfândega, no centro da cidade, das 10h às 15h. Para agilizar os atendimentos, a Defensoria pede que as pessoas levem consigo cópia da identidade, carteira de trabalho, comprovante de renda, de residência e demais documentos que julgarem necessário.