É preciso reconhecer a depressão infantil como um problema de saúde pública
A jornalista Nalu Saad foi chamada à escola da filha, Luísa Saad, quando a menina tinha 11 anos, porque ela e outros colegas participavam de grupos de automutilação. Ela conta que ficou assustada e perdida à época. Desde os 9 anos, Luísa já apresentava mudanças de comportamento, como sonolência, irritabilidade e tédio. Porém, a mãe ainda não entendia que sua filha estava em um quadro grave de depressão infantil. Nalu buscou ajuda com psicólogos e psiquiatras, mas os tratamentos não faziam efeito de forma rápida ou linear, e a estabilidade parecia inalcançável. Foram cerca de cinco anos e duas tentativas de suicídio, em uma jornada marcada pelo medo, preconceito, solidão e muito sofrimento.
“O primeiro passo eficaz para ajudar Luísa foi reconhecer que a depressão infantil é uma doença. Ela não aparece em exames, mas é uma dor legítima que precisa ser acolhida e tratada. Para isso, mudei minha forma de trabalhar, exigi que a escola aprendesse a lidar com minha filha e comecei a falar abertamente sobre o assunto com a família e amigos. Assim, conquistei liberdade e uma rede de cuidados e entendimento”, revela Saad.
Nalu e Luísa não são um caso isolado. De acordo com o DataSUS, 18 crianças e adolescentes a cada 100 mil foram internados em Minas Gerais em 2023 por ansiedade ou depressão. A taxa de mortalidade por suicídio foi de 10 por 100 mil no mesmo ano.
Os números estão crescendo em todo o Brasil. Um estudo realizado pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz Bahia), em colaboração com pesquisadores da Universidade de Harvard, mostrou que a taxa de suicídio na faixa etária de 10 a 14 anos aumentou 6% ao ano no Brasil entre 2011 e 2022, enquanto as notificações de autolesões cresceram 29% ao ano no mesmo período. Além disso, os registros de depressão nessa faixa etária aumentaram 54%.
Para o psiquiatra especializado no assunto e participante do Congresso Eduko 2024, Gustavo Estanislau, uma comunidade que debate questões contemporâneas para transformar a educação, a saúde mental de crianças e adolescentes está mais comprometida do que no século passado. O especialista atribui a isso a quantidade de estímulos e ruídos, o excesso de informação, a alta carga de tarefas diárias e a falta de tempo para brincar e descansar, fatores que contribuem para o desequilíbrio emocional.
O Congresso Eduko 2024, realizado em Belo Horizonte em setembro pelo Sistema Fecomércio MG, em parceria com Sesc e Senac, teve como tema as urgências do agora para debater desafios que afetam a educação.
Estanislau também contextualiza que o isolamento e as experiências digitais exacerbadas, típicas da sociedade contemporânea, colaboram para um cenário de busca incessante pelo inatingível. Isso gera um vazio existencial que pode provocar ansiedade e depressão nas crianças. “Menos contato vivencial com outras pessoas faz com que as crianças desenvolvam menos habilidades sociais, aumentando o risco de desenvolverem transtornos mentais. Existem também casos que são de origem genética. Em ambas as situações, há muitas dúvidas e muito despreparo em relação à saúde mental na infância e adolescência”, explica o médico.
Ele esclarece que a depressão infantil é um transtorno de humor caracterizado por uma alteração de comportamento que persiste por mais de duas semanas, manifestando-se em sintomas como tristeza, irritação, desânimo e perda de interesse em atividades que antes eram prazerosas. Diferente das oscilações emocionais comuns nas crianças, a depressão pode interferir na capacidade de realizar tarefas diárias, afetando o desenvolvimento emocional, escolar e social. Reconhecer os sinais e buscar apoio adequado são passos fundamentais para garantir uma infância saudável.
Para o tratamento, a rede de atenção à saúde mental no Brasil conta com 292 Centros de Atenção Psicossocial (Caps) dedicados ao atendimento de crianças e adolescentes, habilitados pelo Ministério da Saúde. No entanto, há lacunas na oferta do serviço em algumas regiões. Acre, Roraima e Tocantins, por exemplo, não possuem nenhuma unidade, enquanto estados como Alagoas, Amapá e Rondônia têm apenas uma unidade cada. Minas Gerais é o segundo estado com maior número de Caps especializados no atendimento de saúde mental para o público de 0 a 17 anos, com 41 unidades distribuídas em 853 municípios, de acordo com dados do Ministério da Saúde. O Estado tem cerca de 4,3 milhões de habitantes nessa faixa etária, segundo o Atlas Brasil.
Nalu e Luísa enfrentaram dificuldades financeiras em vários momentos do tratamento. Juntas, perceberam que o caminho do diálogo é fundamental. Após uma crise, as duas decidiram falar sobre a depressão na infância e adolescência para quem se interessasse. Hoje, elas palestram sobre o tema e são ativistas e influenciadoras nas redes sociais.
“Esse tem sido meu grito como mãe, jornalista e mulher. Percebi que a situação da depressão infantil é gravíssima, está dentro de nossas casas e nós não a reconhecemos por preconceito e medo. Por outro lado, o governo não assiste completamente as crianças, as escolas não sabem lidar com elas e nem todos os profissionais de saúde estão preparados. Estamos em um processo de alfabetização emocional na sociedade. Temos que falar sobre isso, porque as crianças são o nosso futuro”, finaliza Nalu.
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