É preciso separar onda de pânico nas escolas do problema real da violência, dizem especialistas
Onda de pânico nas escolas: pesquisadores veem ação orquestrada nas redes para disseminar medo e cobram responsabilização
Para especialistas em educação e em segurança pública entrevistados pela Folha, é preciso separar os problemas de violência no ambiente escolar e dos recentes ataques a escolas, que são reais, da onda de pânico gerada pela boataria nas redes sociais.
Joana Monteiro, coordenadora do Centro de Ciência Aplicada à Segurança Pública da Fundação Getulio Vargas, afirma que a atual crise de violência nas escolas “coloca no mesmo bolo três problemas diferentes”.
“O primeiro é o problema é o da violência dentro da escola, o fato de termos muitos estudantes com comportamento agressivo e violento, com casos de agressão dentro da escola”, aponta Monteiro, que é professora de política pública da FGV.
“Esse é problema bastante comum e que a gente não discute no Brasil. O caso de São Paulo, da escola Thomazia Montoro, reflete mais esse aspecto, de um menino que já havia apresentado problemas de agressão, algo que pode ter sido agravado por redes sociais para ele chegar a ponto de querer matar a professora”, diz, sobre o episódio ocorrido em 27 de março em que um estudante de 13 esfaqueou a docente Elisabeth Tenreiro, 71.
Já o segundo problema é o dos ataques em massa, diz Monteiro, “que parece o caso de Blumenau“. “É alguém que quer matar pessoas de forma aleatória. Foi em uma escola, mas poderia ter sido em um supermercado, em um estacionamento”, opina a pesquisadora, corroborando a conclusão da polícia.
Por fim, o terceiro problema dessa crise, afirma Monteiro, “é o do pânico social coletivo impulsionado por notícias falsas, algo que foi decorrente dos dois primeiros ataques [escola de São Paulo e creche em Blumenau]”. “E há indicações de que há pessoas deliberadamente promovendo esse pânico, o que colocou todo mundo a ter que responder a isso, e os alunos começaram a faltar à escola, muito assustados”.
Onda de pânico nas escolas
Para a professora da FGV, a violência nas escolas, os ataques e o pânico “são obviamente interligados, mas é preciso separá-los, porque cada um desses problemas exige ações diferentes”. Para ela, no caso da violência dentro das escolas, as ações de colocar policiais armados tendem a ter muito pouca eficácia. “Infelizmente esse é um problema mais estrutural, e respostas rápidas não darão conta dele”, diz.
“Essa é a parte ruim da notícia. A parte boa é que a gente tem uma janela de oportunidade política para discutir esse problema, que é superimportante para o clima escolar, para o aprendizado e para promover uma cultura de paz.”
Claudia Costin, fundadora e diretora do Centro de Excelência e Inovação em Políticas Educacionais e professora visitante na Faculdade de Educação de Harvard, diz que há um grupo de especialistas, do qual ela faz parte, que percebe “algo concertado”, orquestrado nessa onda de rumores de ataques a escolas.
“Não são simplesmente alguns alunos, como é comum acontecer, que não querem prova naquele dia e espalham ameaças para fechar a escola”.
No caso das escolas, “os pais estão com muito medo e é justamente a eles que se dirige essa onda organizada de boatos a ataques a escolas”. Ela defende que seja correto regular as plataformas digitais para o combate às fake news, assim como responsabilizar quem dissemina esse tipo de conteúdo com multa e até com prisão, como prevê o governo federal.
“E cobrar multa dos pais dos adolescentes que estejam envolvidos na boataria não é uma ideia ruim, porque começamos a colocá-los como corresponsáveis por disseminar essa onda de notícias falsas.”
Daniel Cara, que é professor de Educação da USP e relator do grupo de trabalho do MEC sobre violência das escolas, ressalta que os profissionais que monitoram a internet observam “as comunidades de violência e de ódio mais mobilizadas do que o normal neste mês, até como consequência da tentativa de ataque em Monte Mor e dos ataques de março, na escola de São Paulo e na creche em Blumenau“.
Ele afirma que “não há evidências, até aqui, de uma coordenação nacional [da onda de boataria], equivalente ao que ocorreu em 8/1 [quando golpistas invadiram as sedes dos Três Poderes em Brasília]”.
“O problema da boataria é que o pânico domina a sociedade e prejudica o trabalho a ser realizado nas escolas”, ressalta.
“Estamos diante de um problema concreto, mas é preciso não deixar que o pânico vença.”
Para saber mais sobre o direitos das crianças, conheça a newsletter Infância na Mídia.