Educação profissional e tecnológica abre caminhos para a empregabilidade jovem no Brasil
Diante das rápidas transformações no cenário de empregabilidade, mediadas pela tecnologia e inovações, o desafio da retenção de jovens no mercado de trabalho se intensifica. Muitas vezes, uma vaga de emprego também exige formação educacional, o que cria uma inter-relação entre os estudos e o trabalho. Nesse contexto, a Educação Profissional e Tecnológica (EPT) pode ser uma alternativa para quem busca se especializar e alcançar a sonhada vaga de emprego. Esse foi um dos temas do evento Trampos do Futuro, organizado pelo Itaú Educação e Trabalho (IET) este ano em São Paulo.
“Nós temos que pensar em políticas públicas para a juventude: desenvolvimento com saúde, possibilidade de mobilidade social, renda e opções de escolha profissional. Por isso, a EPT é importante, pois faz a conexão com o mundo do trabalho, aumentando a chance de empregabilidade”, afirma a superintendente do IET, Ana Inoue. Para ela, a educação profissional não é um ponto-final na trajetória dos jovens, mas promete dar um “empurrão” para a continuidade da formação.
Ensino superior X EPT
Na visão de Ana Inoue, o ensino superior e a EPT não são contrários e excludentes entre si. A especialista acredita que as universidades são importantes polos de conhecimentos, mas o acesso a elas ainda é desigual. Por isso, ela defende que as duas modalidades devem ser aplicadas de forma complementar, a fim de potencializar o desenvolvimento dos jovens. “A formação superior é cara, pois requer recursos para pesquisa e demora para produzir um conhecimento. A educação profissional deve contar com a universidade, mas também com outras qualificações e formações”, aponta.
Ana Inoue também aposta na disseminação do saber sobre a EPT e na democratização do ensino, visto que essa modalidade, antes vista com menor interesse, está ganhando força entre os jovens. “É preciso fazer um esforço para reorientar uma formação profissional que represente todos os jovens brasileiros, seja pela universidade, seja por formações específicas, possibilitando a continuidade do desenvolvimento profissional”, destaca a superintendente.
João Alegria, secretário-geral da Fundação Roberto Marinho, concorda que ainda existe um preconceito em relação à educação profissional e tecnológica, pela tradição do ensino superior e a crença de que ter uma faculdade é garantia de emprego, desvalorizando formações técnicas. “Mais do que um problema de eficácia dessas formações, isso é um problema cultural”, diz. Com isso, ele acredita na superação desses preconceitos para combater o “apagão” de mão de obra: “Há um universo de oportunidades a explorar, mas que não estão sendo enxergadas.”
Evasão escolar
De acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 19,8% dos jovens de 15 a 29 anos não estavam ocupados nem estudando em 2023, o que representa 9,6 milhões de pessoas. No grupo etário de 14 a 29 anos, 9 milhões não completaram o ensino médio. Tanto para homens quanto mulheres, o principal motivo para a evasão escolar foi a necessidade de trabalhar.
De forma complementar, o estudo Pobreza Multidimensional na Infância e Adolescência no Brasil – 2017 a 2023, do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), mostra que, em 2023, cerca de 28 milhões de crianças de adolescentes de 0 a 17 anos viviam na pobreza, o que representa cerca de 56% desse grupo.
Para Gustavo Oliveira, oficial do Unicef no Brasil, a evasão remete a violações de direitos ainda na primeira infância, até os seis anos de idade, como educação, alimentação, moradia e saneamento básico, o que se reflete nas taxas de desocupação. “Precisamos garantir o acesso à educação de qualidade desde a primeira infância para falar de transição para o mundo do trabalho, o que se dá por meio de um acesso democrático e ampliado à formação profissional e discussão de projeto de vida, com olhar sobre os mais vulneráveis”, explica.
O oficial de educação também acredita que é importante desmistificar a visão negativa sobre o termo “nem-nem”, que se refere aos jovens que não estudam nem trabalham. “Esse termo conota que eles não têm intenção de fazer nenhum dos dois, quando, na verdade, estão, em grande parte, no mercado informal por necessidade ou não têm condição de acessar uma educação técnica ou faculdade. Por isso, preferimos dizer que o direito à educação e ao trabalho lhes foram negados”, justifica.
Assim como Gustavo, Ana Inoue percebe como fundamental investir na educação profissional e tecnológica para fazer uma transição segura e eficiente para o mercado de trabalho. “É preciso alinhar e reorganizar a oferta da educação profissional, porque o mercado precisa de pessoas qualificadas, e essa responsabilidade não pode recair sobre o jovem, mas sobre o governo e as empresas”, destaca.
Ensino integrado
O Serviço Social da Indústria (Sesi) é uma das instituições voltadas à formação profissional e tecnológica. Para o presidente do Conselho Nacional do Sesi, Fausto Augusto Junior, essa modalidade de ensino, com o tempo, foi ficando de fora da chamada política educacional, por ser vista apenas como um treinamento. Porém, ele diz que os frutos da educação profissional integrada ao ensino médio serão colhidos a longo prazo, desenvolvendo competências importantes para o mercado.
“A maioria dos jovens sequer conhece as carreiras que existem, ou não sabe como acessá-las, sendo lançados no mundo do trabalho sem nenhuma preparação. Por isso, a articulação entre educação e trabalho é importante para se conectar com pessoas e os desafios das profissões”, afirma. O presidente percebe como desafio a implementação desse sistema, propondo superar a visão sobre a EPT como simples treinamento, pois se trata de um aprendizado contínuo.
A analista técnico-educacional do Sesi São Paulo Fernanda Mizuguchi explica que a instituição, em parceria com o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai), fomenta o uso de tecnologias, como a robótica, em todas as etapas de ensino, “para que os estudantes não sejam só consumidores dessas ferramentas, mas que possam criar também”, desenvolvendo habilidades técnicas e socioemocionais.
No evento Trampos do Futuro, a instituição marcou presença com uma oficina de luta de sumô com robôs feitos de lego. Para a aluna do Sesi Lívia Garcia, 15, levar o projeto para outros jovens que não têm acesso a essas tecnologias é muito gratificante: “Ver as pessoas sorrindo com isso é muito legal, mostra que estamos fazendo a diferença.”
As estudantes Lorena Souza e Ana Júlia Rodrigues, 15, apresentaram um robô movido à luz. Na visão de Lorena, o ensino profissional integrado ao ensino médio trouxe novas possibilidades. “Eu nunca me vi na robótica, porque é algo muito intenso, mas quando você entra no projeto, você não imagina o quanto isso abre uma porta para o mundo da ciência e da tecnologia”, compartilha. Ana Júlia celebra a oportunidade de fazer um curso técnico em robótica ainda na escola, área pela qual se apaixonou: “Eu adoro o que faço, vejo isso como uma profissão que quero investir no meu futuro.”
A Escola Técnica Estadual (Etec) Irmã Agostina, de São Paulo, também esteve no evento. As estudantes Mariana Brocchine, Mirella Silva e Yasmin Leal, 17, estão fazendo o curso técnico de química integrado e apresentaram o projeto Our Beauty: A inclusão de pessoas negras no universo da maquiagem, que busca democratizar o acesso à maquiagem para pessoas de pele escura. “Nós criamos um aplicativo que escaneia o seu tom de pele e consegue separá-lo em cores primárias, branco e preto para você saber a quantidade necessária de cada uma para criar o tom desejado”, descreve Mariana.
As alunas percebem que o ensino integrado está sendo muito positivo para suas trajetórias profissionais. “Quero investir em tecnologia da informação (TI), mas sempre tendo em mente a pesquisa em ciências”, conta Mariana. Mirella deseja cursar biomedicina: “Tenho muitas possibilidades de especialização”. Já Yasmin pretende fazer faculdade de química, relembrando que as oportunidades pela Etec estão contribuindo para que “a gente tenha uma melhor passagem para o mercado”.
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