‘Educação sexual nas escolas tem uma função clara de prevenir violências’, diz Luciana Temer

Veículo: Folha de S. Paulo - SP
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Educação sexual nas escolas: presidente do instituto Liberta defende naturalizar educação preventiva de abusos; projeto Causa do Ano deu visibilidade ao tema por 4 meses

“Da Repressão à Prevenção da Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes”. Guiada por essa temática, a Folha publicou, nos últimos quatro meses, uma série de produtos editoriais sobre a prevenção a um crime que é tão prevalente quanto subnotificado.

Foram reportagens, entrevistas, resenhas de livros, vídeos de influenciadores e um minidocumentário veiculados no canal Causas do Ano, uma plataforma da Folha Social+ que dá visibilidade a questões sociais relevantes.

Em sua segunda edição, a iniciativa foi desenvolvida com o apoio do Instituto Liberta, organização social que promove conscientização sobre as violências sexuais contra crianças e adolescentes, visando seu enfrentamento.

Um mês depois da divulgação de que houve aumento dos registros dessas violências no Brasil —e de o governo federal anunciar a retomada da educação sexual nas escolas—, a advogada Luciana Temer, diretora presidente do Liberta, falou à Folha sobre o tema.

Por que a educação sexual e a prevenção contra essas violências deveria ter mais visibilidade? A gente realmente acredita que a informação pode proteger. Essa campanha é para tentar quebrar estereótipos que foram construídos nos últimos anos sobre o que é a educação sexual nas escolas. Criou-se uma ideia de que é falar sobre sexo com crianças, e não é. A educação sexual nas escolas tem uma função clara de prevenir violências, de promover mais consciência e responsabilidade por parte dos adolescentes.

Essa orientação pode vir, é claro, também por meio dos pais. Mas quando olhamos os dados de que a violência sexual contra crianças e adolescentes é predominantemente intrafamiliar, vemos que a escola tem que falar sobre prevenção.

O último Anuário Brasileiro de Segurança Pública mostrou um aumento de 15% nos registros de estupro contra menores de 18 anos. Dá para saber se o que cresceu foi o número de casos ou de denúncias? Isso é algo que a gente sempre se pergunta: se a violência de fato tem aumentado, se cresceram as denúncias ou se foram as duas coisas.

Quando você pensa que uma pesquisa do Datafolha mostrou que só 11% das vítimas denunciaram, há uma margem muito grande de aumento de registros no caso de mais gente tomar coragem e denunciar.

De qualquer forma, tem ocorrido uma quebra do silêncio e isso é importante. Para poder construir políticas públicas de enfrentamento, o primeiro passo é enxergar o problema.

Por que ainda se denuncia tão pouco? São duas situações, que são invisíveis por razões diferentes. No caso de um abuso sexual, há um constrangimento por ser um crime predominantemente intrafamiliar. Já a exploração sexual é invisível porque a sociedade brasileira tem dificuldade de entender que quando uma menina de 14 anos é explorada sexualmente, é crime. Quando não são crianças muito pequenas, existe uma culpabilização dessas vítimas.

E no caso dos crimes sexuais virtuais? Esses nós podemos dizer que aumentaram: a captação de imagem de crianças, a distribuição de “pornografia infantil”. E é uma violência que atinge até mais as crianças das classes mais favorecidas, porque têm mais acesso à tecnologia, a um computador com webcam e mesmo à privacidade. Quando a criança ou o adolescente têm seu próprio quarto, o acesso do criminoso a elas fica mais fácil.

Os Estados da Amazônia se destacam entre os que têm mais casos de estupro e exploração sexual infantil. O que isso nos diz sobre a região? O mundo inteiro olha para a Amazônia, e a gente precisa entender que não existe sustentabilidade possível sem proteção de crianças e adolescentes. Tem que olhar para as comunidades desses lugares, tem que olhar para a criança e as violências que ela sofre.

O governo Lula anunciou em julho uma retomada de alguns conteúdos no Programa Saúde na Escola, entre eles a educação sexual. Como você vê esse anúncio? Acho muito positivo porque é uma mensagem do governo federal reconhecendo a importância de algo que estava fora do radar, que era visto como tabu.

O que a gente alerta é que este ainda não é um programa de educação sexual nas escolas como a gente espera que um dia exista. A lei preconiza uma educação sexual para a prevenção de todas as formas de violência, durante toda a vida escolar e de maneira transversal, e isso é uma construção que o Brasil ainda precisa fazer. É comum as escolas dizerem: ‘A gente quer fazer, mas como se faz?’

O que falta para chegarmos nesse ponto? É preciso que o Brasil reconheça que essa temática tem que estar na educação e, a partir disso, que especialistas, pedagogos e professores construam como isso deve se dar na escola. Temos que naturalizar, no cotidiano da escola, falar sobre violência sexual, sobre sexualidade saudável.

O que a gente tem hoje são exemplos pontuais de escolas que já assumiram esse conteúdo nos seus currículos. Há muitos projetos bons, mas pouca sistematização de metodologia. Esse anúncio do governo, portanto, foi um passo importante em uma trilha muito longa que a sociedade tem que percorrer.

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